domingo, 11 de janeiro de 2015

AS IMPRESSÕES ACIDENTAIS (III)


Passemos à esfera económica mais propriamente dita. Onde a notícia mais sonante destes dias foi a de um aumento do salário mínimo para 788 reais (menos de 250 euros) a partir do início de 2015, nos termos de uma determinação legal já estabelecida e que define o “piso salarial” em função do crescimento da economia dos dois anos anteriores acrescido da variação da inflação do ano corrente.

Mas a verdade é que o ministro Nelson Barbosa não tardou mais de dois dias a experimentar o mau humor de Dilma, ele que na posse viera declarar que “vamos propor uma nova regra para 2016 a 2019” e ainda explicitar que pretendia lançar “medidas que corrigem alguns excessos para que outros programas continuem”, ele também que ao terceiro dia do ano logo foi instado a produzir uma nota de desmentido oficial segundo a qual, afinal, “a proposta de valorização do salário mínimo a partir de 2016 seguirá a regra de reajuste atualmente vigente” – Dilma, que aproveitava para uns dias de descanso na base naval de Aratu (Salvador), não quis assim deixar por mãos alheias o seu poder e a sua fama intromissiva na política económica...

(Chico Caruso, http://oglobo.globo.com )


Dito isto, e até para memória futura, vejamos mais de perto o balanço macroeconómico objetivo de “Dilma 1.0” (gráficos acima): PIB praticamente estagnado, inflação longe da meta (4,5%), contas públicas desequilibradas, dívida pública em alta, escasso dinamismo do mercado de trabalho e viragem negativa na tendência para a redução da pobreza. Ou seja: uma economia reconhecidamente “em pane”, após alguns anos de um modelo fracassado porque sobretudo assente em “turbinamentos voluntariosos do consumo” – Dilma, que já em 2005 da Casa Civil contestara por “rudimentar” uma proposta de Palocci (então ministro da Fazenda de Lula) no sentido de se inviabilizar que as despesas públicas correntes crescessem mais do que o PIB, aproveitou depois a crise mundial para promover um designado “novo marco macroeconómico” (operacionalmente monitorado por Guido Mantega na Fazenda) em que uma forte aceleração dos gastos públicos era catalisada por uma estreita conexão entre o Tesouro e os grandes bancos oficiais, BNDES à cabeça.

Assim, o ajuste que agora Dilma poderá ter sido forçada a encomendar a Levy (?) decorre precisamente desta dura realidade de uma manifesta insustentabilidade económica. A nível de défice público consolidado, nomeadamente, foi mesmo anunciado por estes dias o pior resultado desde 2001 (19,6 mil milhões de reais de saldo negativo primário nos primeiros onze meses do ano de 2014, com o Governo Federal na primeira linha do incumprimento institucional a registar o “pior rombo em 17 anos”) e a consequente inviabilidade de se vir a cumprir o compromisso projetado para um fecho de ano com excedente primário.


Em suma: o Brasil parece não conseguir sair da teia que há décadas imparavelmente o envolve, desse movimento cíclico quase infernal entre a produção de alguns sinais reformadores visando a mutação estrutural da sua economia e a reemergência de um nacional-desenvolvimentismo vindo dos anos 50 e 70 e hoje manifestamente insuficiente (ou até perverso). Abertura versus proteção, Estado versus mercado, estímulos versus modernização, consumo versus investimento... – as sínteses dialéticas insistem teimosamente em por lá não assentarem alguns arraiais!

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