quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

NA ANTECÂMARA DAS GRANDES DECISÕES




Já há alguns dias fiz aqui referência às três grandes decisões com impacto no projeto europeu que iriam ser tomadas no curto período de duas a três semanas do mês de janeiro de 2015.
A primeira dizia respeito ao direito comunitário e ao pronunciamento do Tribunal Europeu sobre a legalidade mandatária e de tratado do BCE proceder à compra de títulos da dívida pública, aumentando o seu balanço, e injetando por essa via liquidez na economia capaz de puxar os preços para cima e assim combater os riscos deflacionários. O pronunciamento do Tribunal Europeu foi favorável ao BCE e ao seu projeto de quantitative easing, vencendo-se com aparente êxito a primeira das provas. Mas, mesmo assim, parte da opinião pública alemã especializada continua cética em relação à possibilidade do BCE assumir esse papel, o que prova que a decisão do Tribunal Constitucional alemão de fazer subir a decisão à instância europeia não apaziguou os espíritos defensivos alemães, que mostram assim desprezo e indiferença perante uma decisão europeia, confirmando as dúvidas que muitos começam a alimentar sobre o real significado da presença alemã nas instâncias europeias.
As duas restantes provas dizem respeito à decisão anunciada para amanhã do BCE desencadear o quantitative easing à moda europeia e no domingo próximo o primeiro dos pronunciamentos políticos democráticos, o da Grécia, após os efeitos devastadores das políticas de austeridade. Ambas as provas correspondem a decisões que serão largamente influenciadas pelo estado da arte das contradições no seio do projeto europeu, tendo os últimos dias gerado um vasto campo de discussão sobre os termos reais e efetivos que condicionarão a tomada daquelas duas decisões.
Quanto à decisão de Draghi, que não é apenas de Draghi mas do Conselho de Governadores, tem-se especulado sobre vários aspetos que podem marcar a pretensamente histórica decisão de 22 de janeiro.
Um dos palpites vai no sentido de Draghi poder optar por uma operação de grande escala, aberta, até que os efeitos sobre os preços da zona euro comecem a dar sinais de resposta à intervenção no mercado, na linha do comportamento do FED – EUA que fechou em outubro passado a torneira a esse tipo de aquisições no mercado. O racional desse modelo de intervenção consistiria em fazer passar uma imagem de resistência às pressões dos países do norte, marcando finalmente para os mercados a independência do BCE. Mas há quem pense que Draghi tentará o possível e o impossível para minimizar os danos colaterais da oposição alemã. O risco neste caso será o oposto ao do primeiro cenário. Para minimizar a oposição alemã o modelo europeu de quantitative easing pode dar em pólvora seca e os mercados anteciparem a sua inefetividade para contrariar a baixa procura de crédito. Entre tais adaptações, está por exemplo a ideia anunciada de fazer reverter as perdas do programa para os bancos nacionais dos países cuja dívida pública for comprada pelo BCE. Nesse caso, o quantitative easing seria algo de muito próximo às operações de Emergency Liquidity Assistance à periferia em que o banco central analisa a solvência do banco atingido por súbitas necessidades de liquidez e assume responsabilidades no processo. O Financial Times, analisando a experiência irlandesa nesta matéria, mostra que o banco central irlandês compensou a quebra do Anglo Irish Bank pela qual se responsabilizara realizando uma operação de SWAP da promissória que havia assinado pela inclusão de nova dívida soberana no balanço do banco central. Neste caso, porém, seria o BCE a definir a carga de responsabilidade que os bancos centrais deveriam assumir e por isso há opiniões desencontradas sobre o real impacto do BCE fugir à mutualização da dívida como gato foge de pau ou de água quente. Estamos no mais puro domínio da experimentação.
Em todo este contexto, é bem provável que o impacto da operação do BCE se concretize por via da desvalorização do euro, fruto da descida das taxas de juro da dívida emitida em euros e da fuga dos investidores para outros mercados emissores de dívida. Mas também aqui há reticências. As taxas já desceram bastante, assim como a própria cotação do euro. E a estrutura do comércio internacional e das cadeias de valor já diminuiu consideravelmente o peso de exportações produzidas na área do euro. E, por essa via, o quantitative easing à europeia pode não provocar o esperado despertar violento da economia europeia.
E é com todas estas incertezas e interrogações e com a maturação estrutural dos problemas que geraram a estagnação europeia que os gregos estão a preparar o seu voto. E por mais estranho e paradoxal que isso possa parecer talvez os gregos com a sua decisão contribuam para uma clarificação que, à sua maneira e feitio, todos estão a adiar o ónus de a decidir. E se assim for será esse impulso político que permitirá fazer antever os lances seguintes. Nada é impossível nesta matéria, por mais que o status quo europeu se esforce por nos vender a ideia de que não há alternativas. Por isso, a liberdade democrática não pode ser condicionada pela macroeconomia dos ajustamentos. E tenho a esperança que fiquemos a dever aos gregos essa demonstração, por mais interrogados que sejam os efeitos dessa decisão soberana.

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