Já há alguns dias fiz aqui referência às três
grandes decisões com impacto no projeto europeu que iriam ser tomadas no curto
período de duas a três semanas do mês de janeiro de 2015.
A primeira dizia respeito ao direito comunitário
e ao pronunciamento do Tribunal Europeu sobre a legalidade mandatária e de
tratado do BCE proceder à compra de títulos da dívida pública, aumentando o seu
balanço, e injetando por essa via liquidez na economia capaz de puxar os preços
para cima e assim combater os riscos deflacionários. O pronunciamento do
Tribunal Europeu foi favorável ao BCE e ao seu projeto de quantitative easing, vencendo-se com aparente êxito a primeira das
provas. Mas, mesmo assim, parte da opinião pública alemã especializada continua
cética em relação à possibilidade do BCE assumir esse papel, o que prova que a
decisão do Tribunal Constitucional alemão de fazer subir a decisão à instância
europeia não apaziguou os espíritos defensivos alemães, que mostram assim desprezo
e indiferença perante uma decisão europeia, confirmando as dúvidas que muitos
começam a alimentar sobre o real significado da presença alemã nas instâncias
europeias.
As duas restantes provas dizem respeito à decisão
anunciada para amanhã do BCE desencadear o quantitative
easing à moda europeia e no domingo próximo o primeiro dos pronunciamentos
políticos democráticos, o da Grécia, após os efeitos devastadores das políticas
de austeridade. Ambas as provas correspondem a decisões que serão largamente
influenciadas pelo estado da arte das contradições no seio do projeto europeu,
tendo os últimos dias gerado um vasto campo de discussão sobre os termos reais
e efetivos que condicionarão a tomada daquelas duas decisões.
Quanto à decisão de Draghi, que não é apenas de Draghi
mas do Conselho de Governadores, tem-se especulado sobre vários aspetos que
podem marcar a pretensamente histórica decisão de 22 de janeiro.
Um dos palpites vai no sentido de Draghi poder
optar por uma operação de grande escala, aberta, até que os efeitos sobre os
preços da zona euro comecem a dar sinais de resposta à intervenção no mercado,
na linha do comportamento do FED – EUA que fechou em outubro passado a torneira
a esse tipo de aquisições no mercado. O racional desse modelo de intervenção
consistiria em fazer passar uma imagem de resistência às pressões dos países do
norte, marcando finalmente para os mercados a independência do BCE. Mas há quem
pense que Draghi tentará o possível e o impossível para minimizar os danos colaterais
da oposição alemã. O risco neste caso será o oposto ao do primeiro cenário. Para
minimizar a oposição alemã o modelo europeu de quantitative easing pode dar em pólvora seca e os mercados
anteciparem a sua inefetividade para contrariar a baixa procura de crédito. Entre
tais adaptações, está por exemplo a ideia anunciada de fazer reverter as perdas
do programa para os bancos nacionais dos países cuja dívida pública for
comprada pelo BCE. Nesse caso, o quantitative
easing seria algo de muito próximo às operações de Emergency Liquidity Assistance à periferia em que o banco central
analisa a solvência do banco atingido por súbitas necessidades de liquidez e
assume responsabilidades no processo. O Financial Times, analisando a experiência
irlandesa nesta matéria, mostra que o banco central irlandês compensou a quebra
do Anglo Irish Bank pela qual se responsabilizara realizando uma operação de
SWAP da promissória que havia assinado pela inclusão de nova dívida soberana no
balanço do banco central. Neste caso, porém, seria o BCE a definir a carga de
responsabilidade que os bancos centrais deveriam assumir e por isso há opiniões
desencontradas sobre o real impacto do BCE fugir à mutualização da dívida como
gato foge de pau ou de água quente. Estamos no mais puro domínio da experimentação.
Em todo este contexto, é bem provável que o
impacto da operação do BCE se concretize por via da desvalorização do euro,
fruto da descida das taxas de juro da dívida emitida em euros e da fuga dos
investidores para outros mercados emissores de dívida. Mas também aqui há reticências.
As taxas já desceram bastante, assim como a própria cotação do euro. E a
estrutura do comércio internacional e das cadeias de valor já diminuiu
consideravelmente o peso de exportações produzidas na área do euro. E, por essa
via, o quantitative easing à europeia
pode não provocar o esperado despertar violento da economia europeia.
E é com todas estas incertezas e interrogações e
com a maturação estrutural dos problemas que geraram a estagnação europeia que
os gregos estão a preparar o seu voto. E por mais estranho e paradoxal que isso
possa parecer talvez os gregos com a sua decisão contribuam para uma clarificação
que, à sua maneira e feitio, todos estão a adiar o ónus de a decidir. E se assim
for será esse impulso político que permitirá fazer antever os lances seguintes.
Nada é impossível nesta matéria, por mais que o status quo europeu se esforce por nos vender a ideia de que não há
alternativas. Por isso, a liberdade democrática não pode ser condicionada pela
macroeconomia dos ajustamentos. E tenho a esperança que fiquemos a dever aos
gregos essa demonstração, por mais interrogados que sejam os efeitos dessa
decisão soberana.
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