(Gillian Tett)
Gillian Tett é uma das minhas cronistas
preferidas com presença relativamente regular no Financial Times. E não é pelo
facto de trazer uma beleza fora do comum ao jornalismo económico. Gillian traz à
análise dos mercados, principalmente os financeiros, uma dimensão quase
antropológica, que é de facto bastante incomum num campo regra geral coberto
ora por registos da exuberância irracional dos mercados e do abismo das bolhas,
ora pela sofisticação dos modelos matemáticos que a tudo se sobrepõem.
A crónica deste fim-de-semana, A debt to history? honra essa tradição. Em
trajetória descendente para um contraponto crucial entre dois eventos chave
para o futuro europeu, a eventual decisão do BCE de avançar para um vasto e
potente processo de quantitative easing
para combater as ameaças deflacionárias e as eleições gregas, Gillian Tett
recorda a sua presença numa conferência de alto nível de governadores de bancos
centrais, realizada em junho de 2014 na aprazível Lucerna (Suiça). Poderia ser
uma conferência como tantas outras, mas não foi. E para isso contribuiu
decisivamente o orador principal, Benjamin Friedman. A vida tem destas coisas.
Benjamin Friedman é autor de uma das obras fulcrais na minha formação em termos
de teoria do crescimento económico, The Moral
Consequences of Economic Growth (Kpoft, 2005).
A obra de Friedman alerta-nos para uma perspetiva
que vai muito para além das vantagens que a melhoria sustentada do bem-estar
material proporcionada pelo crescimento económico veicula para a sociedade. Ele
anota e bem que, regra geral, o crescimento económico sustentado (em cujo âmbito
se integram também as conquistas proporcionadas pela dinâmica social associada)
trouxe consigo dimensões como a abertura de oportunidades, a tolerância, a
mobilidade económica e social, justiça e democracia. Precocemente, Benjamin
Friedman anotou também que a estagnação desse crescimento ou a sua interrupção continuada
podem comprometer tais conquistas. Curiosamente, o autor associa também precocemente
as consequências da desigualdade a uma estagnação do crescimento, do ponto de
vista das suas consequências morais. Bradford DeLong tem uma excelente revisão da obra.
Na sua qualidade de historiador económico,
Benjamin Friedman surpreendeu os circunspectos participantes na conferência de
Lucerna com o peso da história trazendo para o centro da sua alocução as
sucessivas reestruturações de dívida alemã (1924, 1929, 1932 e 1953) na sequência
das duas guerras mundiais, aliás com fortíssima presença do pensamento de
Keynes no convencimento dos seus colegas diplomatas de que a reestruturação da
dívida alemã era fundamental para assegurar o relançamento económico mundial. Gillian
Tett refere o silêncio sepulcral que a alocução de Friedman provocou em tão
distinta audiência, sem que o conferencista tenha usado uma vez que fosse o
nome da Grécia. Os argumentos morais que os alemães invocam em regra para
afastar liminarmente os cenários de reestruturação da dívida dos mais
endividados não têm respaldo histórico. Em situação de derrotada e depois de
ter infligido danos consideráveis às sociedades com quem beligerou, a Alemanha
contou com uma moral da época que se soprepôs à invocação do risco moral que
faz parte do credo que repele qualquer hipótese de reestruturação da dívida. Como
sabemos o risco moral é a tentação a que qualquer endividado que beneficia de
reestruturação da dívida pode não resistir de continuar a endividar-se
alegremente e sem alteração de comportamentos.
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