segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

DUARTE CASTEL-BRANCO

(Jornal Público)


Os deuses parecem estar zangados. Já por várias vezes este blogue assumiu as vestes negras do obituário, o que tanto pode querer dizer que os acidentes da vida o provocam ou que este vosso amigo tem amizades no escalão etário mais propenso a estes desenlaces.
A leitura do Público de hoje trouxe-me a notícia do falecimento do Professor e Arquiteto Duarte Castel-Branco e isso transportou-me num flash-back súbito para uma época da minha vida profissional que me deixou imensas recordações de prazer intelectual e sobretudo de fruição da companhia de gente muito inteligente, culta e intelectualmente sobressaltada, que ajudou a formar o que sou hoje, para o bem e para o mal.

 (Duarte Castel-Branco)
A história do meu contacto com o aristocrata, professor e arquiteto Duarte Castel-Branco conta-se de modo singelo.
O Duarte, como lhe chamávamos, tinha assinado talvez o contrato da sua vida com a Câmara Municipal do Porto, como urbanista encarregado da revisão do Plano de Ordenamento da Cidade do Porto, que havia de transformar em Plano Diretor da Cidade, na era se bem me recordo de Paulo Vallada e do seu Vereador Carlos Brito. Como homem de escala, Duarte Castel-Branco convenceu a CMP a constituir uma equipa da sua confiança, capaz de interagir com os serviços de urbanismo e outros, equipa essa que seria instalada num palacete para os lados de S. Roque, onde funcionavam uns serviços camarários cuja função já se me varreu da memória. A equipa, na qual um então ainda jovem António Figueiredo fazia a sua incursão pioneira pelos domínios do urbanismo, integrava os seguintes elementos: Professor Arquiteto Lixa Filgueiras, Professor Doutor Pereira de Oliveira, geógrafo, então Diretor Regional da Cultura em Coimbra, Arquiteto Nuno Guedes Oliveira (que tinha estudado urbanismo com o Duarte no Centro de Estudos de Urbanismo e Habitação Engenheiro Duarte Pacheco) e meu grande amigo, Professor Doutor Nuno Grande que então dirigia as Biomédicas e aos quais ainda se juntavam gente mais nova como o Adriano Zilhão (sociologia), a Teresa Andresen (paisagismo e ambiente), assumindo este vosso amigo a pasta da economia, coordenando na prática os trabalhos de elaboração redatorial do Plano. Assomam na minha memória os almoços e reuniões de trabalho deste grupo de assessores do Plano, realizados no então Hotel Batalha do Porto, onde o ambiente de discussão, de crítica, de aventura intelectual, de turbilhão das ideias eram o elemento de união e de motivação de toda aquela gente, dos mais novos como eu e o Nuno Guedes até aos mais velhos.
Na altura, o Duarte Castel-Branco já não estava no auge da sua força intelectual e permanecia por vezes preso à convivência que teve em Paris com Henri Lefèvre. A interdisciplinaridade do grupo e o seu turbilhão de ideias acho que fizeram bem aquela fase da sua vida. O Duarte era um aristocrata ribatejano sempre devoto da Senhora sua mãe D. Maria Cristina e pude compreender esse contexto aristocrático no batizado de um dos seus netos, na sua propriedade de Abrantes mesmo à beira-Tejo.

(Duarte Castel-Branco e sua mãe D.Maria Cristina)
Depois dos trabalhos do Plano do Porto, período em que regressou à sua conturbada Faculdade de Arquitetura de Lisboa, perdi-lhe o rasto, podendo registar apenas dois momentos bastante espaçados no tempo. O primeiro em sua casa na Defensor de Chaves em Lisboa onde fui certificar uns elementos curriculares ainda relacionados com o Plano do Porto. Lembro-me de à saída, numa tarde solarenga com aquela luz única de Lisboa, me ter dado boleia até à Baixa, já que se deslocava para Arquitetura ao Chiado. Não foi uma boleia qualquer. Foi uma boleia no seu Jaguar com motorista. Recordo-me da sensação de descer a Avenida da Liberdade numa viatura com motorista. O segundo momento, bem mais recente, foi na Conferência Ibérica dos Urbanistas, na Universidade da Beira Interior, Covilhã, creio que há três anos. O velho Duarte já não era o mesmo, mas pela mão do seu filho António, também professor em Arquitetura, assistiu a toda a conferência.
Do Duarte fico com aquela imagem da finura de espírito, do seu talento e cultura musical (a arquitetura talvez tenha furtado a vida de um pianista), a sua graça, a sua entrega à interdisciplinaridade, ao turbilhão das ideias e a sua elegância aristocrática. A ele devo ter podido trabalhar com um grupo tão entusiasmante.
Abrantes acolhe-o em paz, mirando seguramente o Tejo enquanto as notas perdidas de uma peça qualquer de Debussy lhe acalmam o espírito.

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