sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

POTEMKIN



Não, não vou ocupar a vossa atenção com alguma reflexão cinéfila sobre o imortal Couraçado Potemkin de Serguei Eisenstein. Não tenho arte para isso. O meu propósito é bem mais modesto e destina-se a registar neste espaço o aparecimento de uma nova revista de economia radical, a POTEMKIN REVIEW. Mas porquê registar este facto, não sendo propriamente um economista radical? Nos tempos que correm, a abertura de pensamento tem de ser total e os acontecimentos da Grécia mostram que, face à gravidade da situação, o pensamento pressupostamente radical do SYRISA cruza-se com outras correntes, mostrando que os tempos exigem novos cruzamentos e interações.
Mas há um outro motivo para justificar o registo do aparecimento da POTEMKIN.
No seu primeiro número, Winter2015, volume 1, nº1, a revista publica uma longa e sugestiva entrevista com Thomas Piketty, o conhecido autor do Capital no século XXI, na qual é possível recolher elementos relevantes para a contextualização da obra que considerámos em post anterior a obra de 2014 na literatura económica.
Neste breve registo, destaco três ideias que atravessam a entrevista.
A primeira diz respeito ao modo como Piketty situa a sua investigação entre a teoria económica e a história económica, afirmando a sua tese de que a teoria económica ignora olimpicamente a história e esta última também não dialoga suficientemente com a primeira, muitas vezes ofuscada pela sua sofisticação formal. Piketty afirma a sua disposição de se reclamar da tradição da École des Annales e de cruzar essa tradição com a análise económica. O estudo das tendências de longo do comportamento da desigualdade na distribuição da riqueza constitui o pano de fundo dessa simbiose de que se reivindica.
A segunda prende-se com a relevância que Piketty atribui ao facto de ter abordado a questão da desigualdade mergulhando em categorias económicas e estatísticas em torno das quais pode ser construído um diálogo crítico com a teoria neoclássica do crescimento económico, que já anotei neste blogue ser um dos principais fatores do êxito de disseminação que a obra suscitou. Esse diálogo crítico tem várias dimensões e uma das mais relevantes é a abertura de Piketty às diferentes formas de ativos em torno das quais a acumulação de capital pode ser concretizada: terra, imobiliário, patentes, investimento direto estrangeiro e no passado a posse de escravos. Daí que Piketty entenda que a distinção entre rentistas e capitalistas é um pouco arbitrária, já que o mesmo indivíduo pode reorganizar constantemente os seus portfolios.
A terceira ideia relevante da entrevista é a complementaridade que Piketty estabelece entre a sua proposta de imposto sobre a riqueza global e os resultados da luta social em torno de novas formas de governação das empresas e da propriedade do capital, salientando que a tributação progressiva pode ser entendida como uma condição necessária mas não suficiente e substitutiva da conflitualidade social nas sociedades democráticas orientadas para a conceção de modelos mais igualitários de governação das sociedades e da propriedade do capital.
Uma bela entrevista para uma revista de economia radical, mostrando que estamos em tempos de mudança e de diálogo aberto entre paradigmas económicos.
Longa vida à POTEMKIN.

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