Não, não vou ocupar a vossa atenção com alguma
reflexão cinéfila sobre o imortal Couraçado Potemkin de Serguei Eisenstein. Não
tenho arte para isso. O meu propósito é bem mais modesto e destina-se a
registar neste espaço o aparecimento de uma nova revista de economia radical, a
POTEMKIN REVIEW. Mas porquê registar este
facto, não sendo propriamente um economista radical? Nos tempos que correm, a
abertura de pensamento tem de ser total e os acontecimentos da Grécia mostram
que, face à gravidade da situação, o pensamento pressupostamente radical do
SYRISA cruza-se com outras correntes, mostrando que os tempos exigem novos
cruzamentos e interações.
Mas há um outro motivo para justificar o registo
do aparecimento da POTEMKIN.
No seu primeiro número, Winter2015, volume 1, nº1, a revista publica uma longa e sugestiva
entrevista com Thomas Piketty, o conhecido autor do Capital no século XXI, na
qual é possível recolher elementos relevantes para a contextualização da obra
que considerámos em post anterior a obra de 2014 na literatura económica.
Neste breve registo, destaco três ideias que
atravessam a entrevista.
A primeira diz respeito ao modo como Piketty
situa a sua investigação entre a teoria económica e a história económica,
afirmando a sua tese de que a teoria económica ignora olimpicamente a história
e esta última também não dialoga suficientemente com a primeira, muitas vezes
ofuscada pela sua sofisticação formal. Piketty afirma a sua disposição de se
reclamar da tradição da École des Annales e de cruzar essa tradição com a análise
económica. O estudo das tendências de longo do comportamento da desigualdade na
distribuição da riqueza constitui o pano de fundo dessa simbiose de que se
reivindica.
A segunda prende-se com a relevância que Piketty
atribui ao facto de ter abordado a questão da desigualdade mergulhando em categorias
económicas e estatísticas em torno das quais pode ser construído um diálogo crítico
com a teoria neoclássica do crescimento económico, que já anotei neste blogue
ser um dos principais fatores do êxito de disseminação que a obra suscitou. Esse
diálogo crítico tem várias dimensões e uma das mais relevantes é a abertura de
Piketty às diferentes formas de ativos em torno das quais a acumulação de
capital pode ser concretizada: terra, imobiliário, patentes, investimento
direto estrangeiro e no passado a posse de escravos. Daí que Piketty entenda
que a distinção entre rentistas e capitalistas é um pouco arbitrária, já que o
mesmo indivíduo pode reorganizar constantemente os seus portfolios.
A terceira ideia relevante da entrevista é a
complementaridade que Piketty estabelece entre a sua proposta de imposto sobre
a riqueza global e os resultados da luta social em torno de novas formas de
governação das empresas e da propriedade do capital, salientando que a tributação
progressiva pode ser entendida como uma condição necessária mas não suficiente
e substitutiva da conflitualidade social nas sociedades democráticas orientadas
para a conceção de modelos mais igualitários de governação das sociedades e da
propriedade do capital.
Uma bela entrevista para uma revista de economia
radical, mostrando que estamos em tempos de mudança e de diálogo aberto entre
paradigmas económicos.
Longa vida à POTEMKIN.
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