Por mais do que uma vez, anotei neste espaço a
relevância das transformações que o comércio e a economia mundiais têm experimentado
sobretudo na última fase da globalização. Entre essas transformações,
destaca-se sem dúvida a conexão entre a emergência das cadeias de valor globais,
com fracionamento global dos sistemas produtivos, e o papel cada vez mais
importante dos serviços nas exportações mundiais. Como também recordei em post anterior, esta transformação mexe
decisivamente com a velha definição entre bens e serviços transacionáveis e não
transacionáveis, determinando que os serviços deixam de ficar amarrados ao
estigma dos não transacionáveis, ainda mais estigmatizados pelo processo de
ajustamento e resgate financeiro da economia portuguesa.
Esta questão teria necessariamente de produzir
efeitos no posicionamento do associativismo empresarial nacional,
designadamente do ponto de vista do confronto entre a indústria e o comércio e
serviços. Por mais nebulosas que estejam as delimitações entre os dois
universos, a verdade é que os seus representantes associativos continuam a ter
uma intervenção muito demarcada, contraditória com a nebulosa delimitação
setorial.
Por isso, tenho seguido com atenção o
posicionamento da CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, pois
ele traduz fielmente o problema atrás referenciado.
Na sua nota de conjuntura económica respeitante ao 3º trimestre de 2014, datada de dezembro passado, a CCP é particularmente crítica
quanto ao pretenso “milagre de recuperação das exportações portuguesas” que
este governo proclama aos quatro ventos. A CCP desmente praticamente na sua análise
a esperada transformação estrutural do nosso perfil exportador, vincando bem
que, em período de profundo recuo do investimento empresarial, seria impossível
assegurar essa transformação. Para além disso, a CCP reafirma a persistência de
conhecidos problemas estruturais, entre os quais se destacam o reduzido valor
acrescentado, a forte correlação com as importações, a forte concentração das
exportações num reduzido número de empresas e de mercados de destino e a queda
da quota de mercado após três anos sucessivos de aumento. A reconhecida desaceleração
do crescimento das exportações observado de janeiro a outubro de 2014
constituiria, assim, o reflexo da persistência dessas tendências pesadas do
perfil de exportação.
Neste contexto de desmistificação do pretenso
milagre exportador, a CCP aproveita para marcar a sua posição de defesa da importância
dos serviços: “a indústria já não é o setor com maior
contributo real para o esforço exportador do país, cabendo aos serviços mais de
metade da riqueza gerada pelas empresas nacionais orientadas para a satisfação
da procura externa.”
Resta agora saber, e essa é a minha curiosidade,
que consequências vai ter o posicionamento da CCP em matéria de condução dos
desígnios nacionais de promover um quadro mais proactivo de presença na
globalização. Para já, os representantes do comércio e serviços tenderão a
opor-se à conexão que alguns pretendem estabelecer entre esforços de
reindustrialização e reforço dos transacionáveis. A relevância dos serviços
pode transformar as políticas de internacionalização. Mas daí a termos pronto
para aplicação um novo paradigma de políticas de internacionalização que
reflita a transacionalidade dos serviços vai alguma distância. Por isso, valerá
a pena continuar a seguir o posicionamento da CCP.
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