(FinancialTimes)
Tal como aqui oportunamente previ, os
acontecimentos marcantes ditados pelo “quantitative
easing” (QE) do BCE e pela vitória do SYRIZA vão gerar nos próximos
tempos réplicas sucessivas e não é seguro que, tal como sucede nos fenómenos sísmicos,
essas réplicas tendam a perder intensidade. Este blogue seguirá a incidência e
natureza de algumas dessas réplicas, pois coisas decisivas para o futuro
europeu e das nossas condições de bem-estar material estarão em jogo nos próximos
tempos.
Escolho para hoje duas réplicas sugestivas.
A primeira diz respeito à decisão de Draghi que
suscitou uma onda generalizada e frequentemente acrítica de respeitosas anuências.
Guilherme de la Dehesa, um dos espanhóis mais influentes nos assuntos europeus
e Presidente do também muito influente think-tank
Centre for Economic Policy Research assina ontem no El País um importante artigo sobre a decisão do BCE. O artigo está
focado num aspeto que, não tendo passado despercebido, esteve longe de suscitar
os comentários críticos. Esse aspeto é o da concessão feita aos “falcões” alemães
e do Norte da Europa de limitar a partilha de risco dos possíveis
incumprimentos que a compra de títulos de dívida pública por parte do BCE pode
gerar a 20% dos títulos comprados no mercado secundário. Por outras palavras, a
tão desejada mutualização da dívida não foi ainda desta que avançou, estando
limitada a 20% do montante futuro total da operação. De la Dehesa sublinha o
risco elevado que essa não mutualização pode determinar na medida em que os
bancos centrais nacionais são chamados a serem eles próprios responsabilizados
pelos riscos das aquisições do BCE no mercado secundário de dívida público,
gerando assim maior probabilidade de não pagamentos no sistema monetário. Isto
não significa que se ignore que a decisão do BCE corresponde a um compromisso
de ocasião e por isso não é uma decisão perfeita. Também não se ignora que é questionável a capacidade atual de alguns governos do Norte da Europa de fazer passar a mutualização da dívida pública adquirida pelo BCE pelas respetivas opiniões públicas e espaços eleitorais sem gerar um crescimento significativo das forças políticas nacionalistas. Tudo bem. Mas daí a ignorar a imperfeição
da decisão do BCE pode gerar expectativas perversas.
A segunda réplica é ainda mais estranha. Ferdinando Giugliano no Financial Times interroga-se acerca da real medida do peso da
divida grega no PIB, que atualmente pelos valores publicamente conhecidos
atinge o valor de 177% do PIB, embora estranhamento o peso dos juros no PIB
grego seja ligeiramente inferior ao mesmo rácio para Portugal que tem um peso
da dívida no PIB inferior. E a interrogação não corresponde à hipótese desse
peso estar subavaliado. Giugliano interroga-se isso sim sobre a validade dos critérios
de medida desse peso, sobretudo na medida em que o valor da dívida é calculada
ao seu valor facial. Ora é questionável que o valor dessa dívida seja
indiferente quer à sua maturidade, quer às taxas de juro a que deve ser paga,
podendo discutir-se se não se justificaria a utilização de uma taxa de desconto
(qual?) para recalcular esse valor. O cronista do FT fornece elementos que
sugerem que a interrogação não é meramente académica. A própria União Europeia
terá em revisão os processos de registo contabilístico do setor público,
aproximando-os dos utilizados pelo International
Finance Reporting Standards (IFRS) utilizado pelo setor privado
por esse mundo fora. Só nos faltava esta dimensão da revisão dos métodos contabilísticos,
a qual a concretizar-se levará certamente anos a ganhar forma.
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