segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

RÉPLICAS

(FinancialTimes)


Tal como aqui oportunamente previ, os acontecimentos marcantes ditados pelo “quantitative easing” (QE) do BCE e pela vitória do SYRIZA vão gerar nos próximos tempos réplicas sucessivas e não é seguro que, tal como sucede nos fenómenos sísmicos, essas réplicas tendam a perder intensidade. Este blogue seguirá a incidência e natureza de algumas dessas réplicas, pois coisas decisivas para o futuro europeu e das nossas condições de bem-estar material estarão em jogo nos próximos tempos.
Escolho para hoje duas réplicas sugestivas.
A primeira diz respeito à decisão de Draghi que suscitou uma onda generalizada e frequentemente acrítica de respeitosas anuências. Guilherme de la Dehesa, um dos espanhóis mais influentes nos assuntos europeus e Presidente do também muito influente think-tank Centre for Economic Policy Research assina ontem no El País um importante artigo sobre a decisão do BCE. O artigo está focado num aspeto que, não tendo passado despercebido, esteve longe de suscitar os comentários críticos. Esse aspeto é o da concessão feita aos “falcões” alemães e do Norte da Europa de limitar a partilha de risco dos possíveis incumprimentos que a compra de títulos de dívida pública por parte do BCE pode gerar a 20% dos títulos comprados no mercado secundário. Por outras palavras, a tão desejada mutualização da dívida não foi ainda desta que avançou, estando limitada a 20% do montante futuro total da operação. De la Dehesa sublinha o risco elevado que essa não mutualização pode determinar na medida em que os bancos centrais nacionais são chamados a serem eles próprios responsabilizados pelos riscos das aquisições do BCE no mercado secundário de dívida público, gerando assim maior probabilidade de não pagamentos no sistema monetário. Isto não significa que se ignore que a decisão do BCE corresponde a um compromisso de ocasião e por isso não é uma decisão perfeita. Também não se ignora que é questionável a capacidade atual de alguns governos do Norte da Europa de fazer passar a mutualização da dívida pública adquirida pelo BCE pelas respetivas opiniões públicas e espaços eleitorais sem gerar um crescimento significativo das forças políticas nacionalistas. Tudo bem. Mas daí a ignorar a imperfeição da decisão do BCE pode gerar expectativas perversas.
A segunda réplica é ainda mais estranha. Ferdinando Giugliano no Financial Times interroga-se acerca da real medida do peso da divida grega no PIB, que atualmente pelos valores publicamente conhecidos atinge o valor de 177% do PIB, embora estranhamento o peso dos juros no PIB grego seja ligeiramente inferior ao mesmo rácio para Portugal que tem um peso da dívida no PIB inferior. E a interrogação não corresponde à hipótese desse peso estar subavaliado. Giugliano interroga-se isso sim sobre a validade dos critérios de medida desse peso, sobretudo na medida em que o valor da dívida é calculada ao seu valor facial. Ora é questionável que o valor dessa dívida seja indiferente quer à sua maturidade, quer às taxas de juro a que deve ser paga, podendo discutir-se se não se justificaria a utilização de uma taxa de desconto (qual?) para recalcular esse valor. O cronista do FT fornece elementos que sugerem que a interrogação não é meramente académica. A própria União Europeia terá em revisão os processos de registo contabilístico do setor público, aproximando-os dos utilizados pelo International Finance Reporting Standards (IFRS) utilizado pelo setor privado por esse mundo fora. Só nos faltava esta dimensão da revisão dos métodos contabilísticos, a qual a concretizar-se levará certamente anos a ganhar forma.

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