terça-feira, 13 de janeiro de 2015

SECULAR STAGNATION AGAIN

(Barry Eichengreen)


Se a desigualdade foi o tema emergente de 2014, a estagnação secular foi o conceito do ano. Ambos, tema e conceito, são ferramentas cruciais para compreender o mundo económico contemporâneo, alinhar ideias, inteligir os constrangimentos da ação política, sobretudo da que pretende construir alternativas que mexam com o bem-estar material dos cidadãos eleitores.
Como já aqui foi referido, estagnação secular não é um conceito novo. A história do pensamento económico interessa e nos anos 30 Alvin Hansen trabalhou o conceito. Lawrence Summers, em conferência de grande notoriedade, em novembro passado, apresentou-o com novas roupagens e integrando toda a dimensão empírica do pré e pós 2007-2008. Para Summers, a estagnação secular resulta de um desequilíbrio entre a poupança que a economia deseja realizar e as oportunidades de investimento percebidas pelos agentes económicos, desequilíbrio esse que se observa num contexto de taxas de juro reais muito baixas, o tantas vezes mencionado neste blogue “zero lower bound”e  de persistente baixa do produto face ao produto máximo potencial que as economias poderiam atingir.
Summers acrescenta ao conceito o sal deste contexto poder gerar instabilidade financeira pela subavaliação do risco de alguns projetos que as taxas de juro baixas podem determinar e inibição do crescimento económico.
O afinamento do conceito trazido para o debate público por Summers não tem sido obra apenas dos contributos do próprio Summers, embora a voz deste tenha uma disseminação que transcende o mundo académico para penetrar decisivamente em jornais e revistas económicas de mais larga circulação do que a que é veiculada.
Barry Eichengreen, um economista de Berkeley com larga disseminação de conhecimento em Portugal por força da sua crónica no Expresso, acaba de apresentar na reunião anual da Allied Social Science Associations um artigo que é uma excelente síntese das explicações mais plausíveis para a possível manifestação em concreto da estagnação secular, com projeção particular para a economia americana. Um texto de grande pedagogia, que todos nós professores no ativo ou com saudades de o ser gostam de encontrar para suporte pedagógico das suas lições. É o caso do artigo de Eichengreen publicado no National Bureau of Economic Research, no qual a dimensão do longo prazo se impõe à da compreensão do presente macroeconómico.
Eichengreem discute no longo prazo quatro famílias de argumentos que podem explicar a tendência para a estagnação secular.

(Barry Eichengreen)
O primeiro prende-se com a evidência de taxas de poupança em crescendo na economia global (a expressão mais conhecida é a de “savings glut” e foi cunhada por Ben Bernanke que antecedeu Janet Yellen no FED. O fenómeno deve-se essencialmente à entrada em cena na economia mundial e na livre movimentação dos capitais à escala global de economias emergentes caracterizadas por taxas de poupança elevadíssimas, sobretudo de economias asiáticas, explicáveis no contexto dessas economias e sobretudo devidas às redes de segurança individuais que as famílias alimentam através da poupança.
O segundo conjunto de argumentos remete para as origens do pensamento de Alvin Hansen. Tem raízes demográficas e aponta para a tendência secular de descida das taxas de crescimento da força de trabalho. Se quiséssemos complexificar a argumentação deveríamos discutir, por um lado, em que medida os fatores demográficos podem interagir com o comportamento das taxas de poupança e, por outro, discutir outros fatores socioeconómicos, por exemplo os que estão presentemente a fazer baixar o ritmo de entrada das mulheres na participação no mercado de trabalho.
O terceiro conjunto de argumentos está focado na eventual queda das oportunidades de investimento, determinada entre outros aspetos pelo eventual afrouxamento tecnológico da era que vivemos. Este debate tem sido bem vivo na economia americana, interrogando-nos sobre a eventualidade de um novo ciclo emergente de oportunidades tecnológicas ou, pelo contrário, de um longo período de esgotamento das oportunidades suscitadas pelo atual paradigma das tecnologias de informação e comunicação. Também aqui deveríamos estar atentos à interação com os outros argumentos. Não é indiferente a este conjunto de argumentos o facto de termos ou não uma restrição a prazo de chegada de força de trabalho ao mercado.
Finalmente, o argumento que mais me entusiasma e que é o mais originalmente apresentado pelo próprio Summers. O argumento está cunhado na literatura como a descida do preço relativo do investimento (dos bens de capital), que ainda é mais dramática se tivermos em conta a progressiva melhoria de qualidade dos equipamentos ao longo das sucessivas gerações de capital. Um pouco de análise económica ajuda a compreender melhor este argumento.
A descida do preço relativo do investimento (dos bens de capital) começa por ser uma consequência inexorável do desenvolvimento económico. De facto, como o desenvolvimento económico traz inevitavelmente a subida do preço relativo dos serviços, por natureza uma economia mais desenvolvida como os EUA investem a preços relativos mais baixos do que Portugal (economia menos desenvolvida do que a dos EUA) investe. O que significa que Portugal para garantir o mesmo volume de equipamento precisa de realizar um esforço mais acentuado de afetação de recursos ao investimento em equipamento.
Ora, o que acontece é que a descida do preço absoluto do capital, a taxa de juro, tende a precipitar ainda mais a descida do preço relativo do investimento. Recorde-se, e é o próprio Summers que o assinala, que as expectativas de rendimento de títulos indexados a 30 anos apontam para que as taxas de juro abaixo de 2% se mantenham para lá de uma geração.
Nas economias maduras de hoje atingidas pelo zero lower bound, um dado conjunto de oportunidades de investimento não necessita para ser concretizada da mesma taxa de investimento que era necessário realizar antes da descida irremediável da taxa de juro. E se é assim então o mencionado excesso de poupança a nível global tenderá a precipitar ainda mais a permanência de taxas de juro reais negativas.
Será que a tecnologia será capaz por si só de inverter esta situação?
Um tema apaixonante, qualquer que seja a sua abordagem, mais ou menos formalizada.

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