(Barry Eichengreen)
Se a desigualdade foi o tema emergente de 2014, a
estagnação secular foi o conceito do ano. Ambos, tema e conceito, são
ferramentas cruciais para compreender o mundo económico contemporâneo, alinhar
ideias, inteligir os constrangimentos da ação política, sobretudo da que
pretende construir alternativas que mexam com o bem-estar material dos cidadãos
eleitores.
Como já aqui foi referido, estagnação secular não
é um conceito novo. A história do pensamento económico interessa e nos anos 30
Alvin Hansen trabalhou o conceito. Lawrence Summers, em conferência de grande
notoriedade, em novembro passado, apresentou-o com novas roupagens e integrando
toda a dimensão empírica do pré e pós 2007-2008. Para Summers, a estagnação
secular resulta de um desequilíbrio entre a poupança que a economia deseja
realizar e as oportunidades de investimento percebidas pelos agentes económicos,
desequilíbrio esse que se observa num contexto de taxas de juro reais muito baixas,
o tantas vezes mencionado neste blogue “zero
lower bound”e de persistente baixa
do produto face ao produto máximo potencial que as economias poderiam atingir.
Summers acrescenta ao conceito o sal deste
contexto poder gerar instabilidade financeira pela subavaliação do risco de
alguns projetos que as taxas de juro baixas podem determinar e inibição do
crescimento económico.
O afinamento do conceito trazido para o debate público
por Summers não tem sido obra apenas dos contributos do próprio Summers, embora
a voz deste tenha uma disseminação que transcende o mundo académico para
penetrar decisivamente em jornais e revistas económicas de mais larga circulação
do que a que é veiculada.
Barry Eichengreen, um economista de Berkeley com
larga disseminação de conhecimento em Portugal por força da sua crónica no
Expresso, acaba de apresentar na reunião anual da Allied Social Science Associations um artigo que é uma excelente síntese
das explicações mais plausíveis para a possível manifestação em concreto da
estagnação secular, com projeção particular para a economia americana. Um texto
de grande pedagogia, que todos nós professores no ativo ou com saudades de o
ser gostam de encontrar para suporte pedagógico das suas lições. É o caso do artigo de Eichengreen publicado no National Bureau of Economic Research, no
qual a dimensão do longo prazo se impõe à da compreensão do presente macroeconómico.
Eichengreem discute no longo prazo quatro famílias
de argumentos que podem explicar a tendência para a estagnação secular.
(Barry Eichengreen)
O primeiro prende-se com a evidência de taxas de
poupança em crescendo na economia global (a expressão mais conhecida é a de “savings
glut” e foi cunhada por Ben Bernanke que antecedeu Janet Yellen no FED. O fenómeno
deve-se essencialmente à entrada em cena na economia mundial e na livre movimentação
dos capitais à escala global de economias emergentes caracterizadas por taxas
de poupança elevadíssimas, sobretudo de economias asiáticas, explicáveis no
contexto dessas economias e sobretudo devidas às redes de segurança individuais
que as famílias alimentam através da poupança.
O segundo conjunto de argumentos remete para as
origens do pensamento de Alvin Hansen. Tem raízes demográficas e aponta para a
tendência secular de descida das taxas de crescimento da força de trabalho. Se
quiséssemos complexificar a argumentação deveríamos discutir, por um lado, em
que medida os fatores demográficos podem interagir com o comportamento das taxas
de poupança e, por outro, discutir outros fatores socioeconómicos, por exemplo
os que estão presentemente a fazer baixar o ritmo de entrada das mulheres na
participação no mercado de trabalho.
O terceiro conjunto de argumentos está focado na
eventual queda das oportunidades de investimento, determinada entre outros
aspetos pelo eventual afrouxamento tecnológico da era que vivemos. Este debate
tem sido bem vivo na economia americana, interrogando-nos sobre a eventualidade
de um novo ciclo emergente de oportunidades tecnológicas ou, pelo contrário, de
um longo período de esgotamento das oportunidades suscitadas pelo atual
paradigma das tecnologias de informação e comunicação. Também aqui deveríamos estar
atentos à interação com os outros argumentos. Não é indiferente a este conjunto
de argumentos o facto de termos ou não uma restrição a prazo de chegada de
força de trabalho ao mercado.
Finalmente, o argumento que mais me entusiasma e
que é o mais originalmente apresentado pelo próprio Summers. O argumento está cunhado
na literatura como a descida do preço relativo do investimento (dos bens de
capital), que ainda é mais dramática se tivermos em conta a progressiva
melhoria de qualidade dos equipamentos ao longo das sucessivas gerações de capital.
Um pouco de análise económica ajuda a compreender melhor este argumento.
A descida do preço relativo do investimento (dos
bens de capital) começa por ser uma consequência inexorável do desenvolvimento
económico. De facto, como o desenvolvimento económico traz inevitavelmente a
subida do preço relativo dos serviços, por natureza uma economia mais
desenvolvida como os EUA investem a preços relativos mais baixos do que
Portugal (economia menos desenvolvida do que a dos EUA) investe. O que
significa que Portugal para garantir o mesmo volume de equipamento precisa de
realizar um esforço mais acentuado de afetação de recursos ao investimento em
equipamento.
Ora, o que acontece é que a descida do preço
absoluto do capital, a taxa de juro, tende a precipitar ainda mais a descida do
preço relativo do investimento. Recorde-se, e é o próprio Summers que o assinala, que as expectativas de rendimento de títulos indexados a 30 anos apontam para que as taxas de juro abaixo de 2% se mantenham para lá de uma geração.
Nas economias maduras de hoje atingidas pelo zero lower bound, um dado conjunto de
oportunidades de investimento não necessita para ser concretizada da mesma taxa
de investimento que era necessário realizar antes da descida irremediável da
taxa de juro. E se é assim então o mencionado excesso de poupança a nível
global tenderá a precipitar ainda mais a permanência de taxas de juro reais
negativas.
Será que a tecnologia será capaz por si só de
inverter esta situação?
Um tema apaixonante, qualquer que seja a sua
abordagem, mais ou menos formalizada.
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