(Com a devida vénia ao Observador)
Andava o Governo a procurar passar a ideia que
funcionava, serpenteando por entre as grossas bátegas de chuva (e que chuva!),
com várias origens como, por exemplo, o rombo da saída de Miguel Macedo como
dano colateral dos Vistos Gold, os eternos arrufos da coligação, o
comportamento interrogado da economia, o descalabro da colocação de
professores, os desmandos do sistema informático da justiça, o chega-te para lá
que me incomodas no caso BES-GES, a fortíssima instabilidade da posição do PSD
face ao Governador do Banco de Portugal. Quanto aos arrufos na coligação, todos
sabíamos que eles são intrínsecos à formação da maioria, Pedro e Paulo não
colam, salvo seja, e do lado do PP-CDS não se vislumbra existir nenhum Marco
António que, entre trincheiras, evite que Paulo seja salpicado na governação
com as lutas de bastidores. Para além disso, coordenação política do governo
parece ser um luxo a que um modesto governo não pode aspirar. No defeso político,
Luís Poiares Maduros escreverá muito provavelmente um artigo algures a explicar
a sua incapacidade para a organizar.
Desde a trapalhada do CITIUS esperava-se, assim,
a todo o momento uma trapalhada qualquer. A da RTP é uma trapalhada curiosa,
pois ela surge num caso que tem tortuosidade que chegue. Como é conhecido, os ímpetos
liberais da maioria recuaram na privatização da RTP, mas a nomeação de Alberto
da Ponte para a administração era uma tentativa de dar uma no cravo outra na
ferradura, fazendo passar a ideia de uma gestão empresarial através de um contrato
de concessão do serviço público. O lavar das mãos do Governo passou pela invenção
de um Conselho Geral Independente (CGI), fazendo assim depender a aplicação do
serviço público do texto de um contrato de concessão e do relacionamento entre
o CGI e a administração. Dir-se-ia que um equilíbrio instável, até porque o
contrato de concessão aguarda pelos vistos o aval de Maria Luís Albuquerque e
cheira-me que ao pedante Alberto da Ponte terão sido prometidos outros voos e não
o ter que se submeter a um CGI cujos membros não são de conhecimento público
generalizado. Ponte parece mais talhado para relacionamento político direto com
o poder e por isso talvez não lhe tenha agradado o modelo de “lavo daqui as minhas
mãos” inventado por Maduro, presume-se com o beneplácito da liderança política
do governo.
Ora que se tratava de um equilíbrio instável
parece não haver dúvida, pois o simples dossier da compra rocambolesca dos
direitos televisivos de um pedacinho de Liga dos Campeões chegou para abalar
essa instabilidade.
Que a possibilidade de aquisição dos referidos
direitos está contemplada no contrato de concessão parece não haver dúvidas,
sobretudo quando a administração refere ser acomodável na sua estratégia
orçamental: alínea d) do ponto 8 da cláusula 9ª – “Sempre que possível, a
transmissão de eventos que sejam objeto de interesse generalizado do público, nos
termos da lista prevista no n.º 4 do artigo 32.º da Lei da Televisão, devendo a
Concessionária posicionar-se no sentido de adquirir os respetivos direitos
televisivos, nos termos do mesmo preceito, desde que tal aquisição se enquadre nos
seus limites orçamentais”. Que essa aquisição (e 15 milhões não são
propriamente uma bagatela para quem mendiga recursos públicos) não tivesse sido
ao que se sabe integrada no plano estratégico da empresa transmitido ao CGI é
pelo menos estranho, a não ser que a administração entendesse que tal revelação
penalizaria a negociação dos referidos direitos. Que envolver recursos públicos
desta magnitude em transmissões televisivas de futebol em contexto de penúria
desses recursos para outras afetações e escolhas públicas pode despertar
compreensíveis reservas na opinião pública é também compreensível. Que o
futebol é provavelmente a versão moderna do “ópio do povo” e que por isso as
lideranças políticas tratam estas questões como pinças para preservar danos não
propriamente colaterais é também uma realidade evidente. Que a RTP, mesmo mais
financeiramente domesticada, poderá ainda albergar situações de inércia incompatíveis
com um rigor orçamental destes tempos também não me custa admitir que possam
continuar a existir.
À medida que o tema RTP se vai degradando, duas
ideias vão-se cavando no meu espírito. A primeira é que o conceito de serviço público
de televisão necessitaria de um debate bem mais alargado do que o deu origem ao
contrato de concessão atrás referido, sobretudo porque as condições de acesso a
esse tipo de informação mudaram radicalmente. Preocupa-me sobretudo o chegar a
um público que está limitado à desgraça da televisão digital terrestre em
alguns territórios e a população sem capacidade económica de acesso ao cabo. A
segunda é que cada vez mais me inclino para uma lógica de serviço público bem
definido e não necessariamente assegurado por canais públicos, sobretudo quando
estes são forçados à concorrência feroz da captação de espectadores e de
publicidade. Todo o bicho careta tem direito à sua costelinha liberal e eu não
sou exceção a essa regra. De facto, não considero que seja pior informado pela
SIC Notícias do que pelo emproado Rodrigues dos Santos no canal público. E não
vejo no canal público uma série televisiva como a Isabel que acabou esta
segunda feira na TVE (em terceira fase) com a morte da Yo la Reyna, a Católica.
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