terça-feira, 30 de dezembro de 2014

DANOS POLÍTICOS COLATERAIS

(O lider do SYRISA abandonando o Parlamento após a confirmação da necessidade de eleições antecipadas)


Como manifestação típica da deriva antidemocrática em que a construção europeia tem vindo a mergulhar, com crescente incomodidade face às consultas populares, as políticas de gestão da crise das dívidas soberanas europeias e a austeridade imposta pela conceção alemã punitiva tenderam a ignorar as consequências políticas de tais políticas. Pode mesmo dizer-se que, mais do que ignorar, a gestão europeia da crise procurou colocar sempre as forças políticas nacionais perante a ameaça da inevitabilidade da solução, condicionando-as à cabeça num estilo similar ao “nem pensem fazer essa asneira de procurar uma alternativa”.
A evolução política da Grécia parece ameaçar essa refinada construção de condicionamentos sistemáticos da liberdade política dos parlamentos e das populações. A antecipação das eleições legislativas gregas provocada pela incapacidade da atual maioria eleger no Parlamento o novo Presidente da República e sobretudo o cenário eleitoral associado ao poder de voto que o SYRISA tem apresentado nas sondagens constituem o primeiro dano colateral relevante que a gestão da crise nas economias do sul está a provocar.
A pressão e o condicionamento internacional que se têm abatido sobre as forças políticas gregas e o poder de livre escolha dos gregos, acolitados por uma reação nervosa dos mercados, é bem provável que até às eleições de janeiro próximo faça recuar as intenções de voto na coligação da esquerda radical grega que o SYRISA representa. Assistiremos nos próximos tempos por parte da Comissão Europeia e de outras instituições internacionais ao mais despudorado condicionamento da livre vontade dos gregos, numa clara e descarada manifestação de deriva antidemocrática. Mas o cenário de recuo das intenções de voto no SYRISA até à decisão final pode gerar uma situação total ingovernabilidade do país, bastando para isso que o SYRISA recue por efeito da ameaça externa, mas não recue o suficiente para manter a atual maioria no poder com força suficiente para o respaldo dos compromissos entretanto assumidos.
Será também curioso observar qual o efeito da ameaça e do recuo das intenções de voto nos compromissos programáticos que o SYRISA submeterá ao sufrágio universal.
Dir-me-ão que a Grécia é diferente e que se trata do elo mais frágil do instável ponto de equilíbrio em que a gestão das dívidas soberanas fez mergulhar a zona Euro. Poderá ser. Mas o grande desafio serão as eleições de 2015 nos países como Espanha e Portugal que sofreram os efeitos de tal abordagem. Será que a evolução eventualmente favorável da situação económica nesses países acabará por funcionar como respaldo eleitoral das políticas de austeridade? Será que as forças políticas de alternativas serão consistentes na apresentação dessa alternativa?
Mas não será de enjeitar a hipótese malévola da degradação da situação grega provocada pela reação hostil e condicionadora dos mercados perturbar a evolução económica desses países, matando prematuramente as realizações que constituiriam o respaldo desejado das políticas de austeridade por parte dos poderes europeus.

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