(O lider do SYRISA abandonando o Parlamento após a confirmação da necessidade de eleições antecipadas)
Como manifestação típica da deriva antidemocrática
em que a construção europeia tem vindo a mergulhar, com crescente incomodidade
face às consultas populares, as políticas de gestão da crise das dívidas
soberanas europeias e a austeridade imposta pela conceção alemã punitiva tenderam
a ignorar as consequências políticas de tais políticas. Pode mesmo dizer-se
que, mais do que ignorar, a gestão europeia da crise procurou colocar sempre as
forças políticas nacionais perante a ameaça da inevitabilidade da solução, condicionando-as
à cabeça num estilo similar ao “nem pensem fazer essa asneira de procurar uma
alternativa”.
A evolução política da Grécia parece ameaçar essa
refinada construção de condicionamentos sistemáticos da liberdade política dos
parlamentos e das populações. A antecipação das eleições legislativas gregas
provocada pela incapacidade da atual maioria eleger no Parlamento o novo
Presidente da República e sobretudo o cenário eleitoral associado ao poder de
voto que o SYRISA tem apresentado nas sondagens constituem o primeiro dano
colateral relevante que a gestão da crise nas economias do sul está a provocar.
A pressão e o condicionamento internacional que
se têm abatido sobre as forças políticas gregas e o poder de livre escolha dos
gregos, acolitados por uma reação nervosa dos mercados, é bem provável que até às
eleições de janeiro próximo faça recuar as intenções de voto na coligação da
esquerda radical grega que o SYRISA representa. Assistiremos nos próximos
tempos por parte da Comissão Europeia e de outras instituições internacionais ao
mais despudorado condicionamento da livre vontade dos gregos, numa clara e
descarada manifestação de deriva antidemocrática. Mas o cenário de recuo das
intenções de voto no SYRISA até à decisão final pode gerar uma situação total
ingovernabilidade do país, bastando para isso que o SYRISA recue por efeito da
ameaça externa, mas não recue o suficiente para manter a atual maioria no poder
com força suficiente para o respaldo dos compromissos entretanto assumidos.
Será também curioso observar qual o efeito da
ameaça e do recuo das intenções de voto nos compromissos programáticos que o
SYRISA submeterá ao sufrágio universal.
Dir-me-ão que a Grécia é diferente e que se trata
do elo mais frágil do instável ponto de equilíbrio em que a gestão das dívidas
soberanas fez mergulhar a zona Euro. Poderá ser. Mas o grande desafio serão as
eleições de 2015 nos países como Espanha e Portugal que sofreram os efeitos de
tal abordagem. Será que a evolução eventualmente favorável da situação económica
nesses países acabará por funcionar como respaldo eleitoral das políticas de
austeridade? Será que as forças políticas de alternativas serão consistentes na
apresentação dessa alternativa?
Mas não será de enjeitar a hipótese malévola da degradação
da situação grega provocada pela reação hostil e condicionadora dos mercados
perturbar a evolução económica desses países, matando prematuramente as
realizações que constituiriam o respaldo desejado das políticas de austeridade
por parte dos poderes europeus.
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