terça-feira, 26 de julho de 2016

A CAIXA DE VELOCIDADES DA CGTP




(Mesmo com uma insidiosa pressão europeia à perna, já se sabia que a continuidade da ação deste governo e do seu apoio parlamentar à esquerda iria depender da perspicácia política dos parceiros. A metáfora da caixa de velocidades invocada por Arménio Carlos da CGTP cheira a um arranque não para uma velocidade de cruzeiro, mas antes para o abismo.)

Dirão alguns que temos a cama que preparamos e que António Costa sabia bem qual era aquela em que iria repousar o seu governo. Mas o cálculo político de Costa é lúcido e racional, quando ele pensou que à sua esquerda estava bem percebido que a maioria da população não queria evoluir segundo a trajetória traçada pelo PAF escudado no programa de ajustamento. Nesse sentido e para responder a esse desejo da maioria da população, o raciocínio de Costa foi o de estimular que PCP e Bloco de Esquerda compreendessem a necessidade dos equilíbrios bastantes para viabilizar o avanço da solução.

O caminho crítico desse equilíbrio passaria sempre pela possibilidade da economia real proporcionar alguma margem de manobra à solução política, não necessariamente com ritmos de crescimento muito elevados, pouco prováveis no cenário internacional que se vai cavando todos os dias e num país que não tem a base já implantada de firmas multinacionais que existe numa Irlanda, à custa da proximidade aos EUA e da competitividade fiscal (algo de difícil compreensão numa união económica e monetária). Mas esse equilíbrio é extremamente instável, já que anos e anos a fio de capitalização de voto de protesto sem qualquer exercício de governação e de escolhas públicas concretas são razão suficiente para de vez em quando o discurso político tender para o estrambelhado.

A questão dos estatutos dos STCP e do Metro do Porto, ao prefigurar legalmente uma solução exclusivamente estatizante, é talvez de somenos importância mas indicia qualquer coisa e deu de caras a Marcelo a possibilidade de estar ali para vincar alguns princípios. Não vejo de facto nenhum preceito constitucional que justifique o fechamento de soluções não necessariamente de gestão pública, o que não significa que tais infraestruturas não possam ser geridas publicamente. Resultado, uma bola para fora, questões a resolver no seio do acordo quando tal questão não constitui inequivocamente a prioridade do momento.

Mas os sinais estão no ar. Hoje, no contacto com os jornalistas após a audição com o presidente Marcelo, Arménio Carlos da CGTP resolveu construir a sua metáfora comparando a governação atual a uma sequência de caixa de velocidades. O governo teria engrenado a primeira, mas não pode ficar eternamente nessa velocidade. Seria necessário assegurar uma sequência de segunda, terceira e outras velocidades à medida que a reposição total e absoluta de direitos fosse sendo introduzida, até à velocidade de cruzeiro. Arménio Carlos não explicitou se o seu modelo tem uma caixa longa ou curta e parece ter ignorado que a caixa de velocidades não existe à margem de um motor. Imagino que não seja fácil mudar o discurso e prática de uma central sindical que sempre esteve longe da governação e dos acordos da concertação social, quanto mais a sua associação política acontece com uma força política que apoia parlamentarmente o governo na base de acordos concretos. Mas ignorar o estado do motor parece ser uma séria asneira e o estado desse motor não depende da pressão de Bruxelas, é o que é, para mal dos nossos pecados. Assim sendo, a sua tão desejada sequência de velocidades que seria necessário imprimir à ação governativa talvez não aponte para o equilíbrio de uma velocidade de cruzeiro mas antes para o abismo. E o mais espantoso é que a alegoria é proferida com o mais calmo dos sorrisos.


Nos meus tempos de passagem pelo marxismo, discutíamos sempre o contexto em que as relações e as forças produtivas podiam ser transformadas. Depois de tanta vulgata, é natural que essa questão do contexto (mais propriamente do motor) escape aos novos sindicalistas.

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