(Mesmo com uma
insidiosa pressão europeia à perna, já se sabia que a continuidade da ação
deste governo e do seu apoio parlamentar à esquerda iria depender da perspicácia
política dos parceiros. A metáfora
da caixa de velocidades invocada por Arménio Carlos da CGTP cheira a um arranque
não para uma velocidade de cruzeiro, mas antes para o abismo.)
Dirão alguns que temos a
cama que preparamos e que António Costa sabia bem qual era aquela em que iria
repousar o seu governo. Mas o cálculo político de Costa é lúcido e racional,
quando ele pensou que à sua esquerda estava bem percebido que a maioria da
população não queria evoluir segundo a trajetória traçada pelo PAF escudado no
programa de ajustamento. Nesse sentido e para responder a esse desejo da
maioria da população, o raciocínio de Costa foi o de estimular que PCP e Bloco
de Esquerda compreendessem a necessidade dos equilíbrios bastantes para viabilizar
o avanço da solução.
O caminho crítico desse
equilíbrio passaria sempre pela possibilidade da economia real proporcionar alguma
margem de manobra à solução política, não necessariamente com ritmos de
crescimento muito elevados, pouco prováveis no cenário internacional que se vai
cavando todos os dias e num país que não tem a base já implantada de firmas multinacionais
que existe numa Irlanda, à custa da proximidade aos EUA e da competitividade
fiscal (algo de difícil compreensão numa união económica e monetária). Mas esse
equilíbrio é extremamente instável, já que anos e anos a fio de capitalização
de voto de protesto sem qualquer exercício de governação e de escolhas públicas
concretas são razão suficiente para de vez em quando o discurso político tender
para o estrambelhado.
A questão dos estatutos
dos STCP e do Metro do Porto, ao prefigurar legalmente uma solução exclusivamente
estatizante, é talvez de somenos importância mas indicia qualquer coisa e deu
de caras a Marcelo a possibilidade de estar ali para vincar alguns princípios. Não
vejo de facto nenhum preceito constitucional que justifique o fechamento de
soluções não necessariamente de gestão pública, o que não significa que tais
infraestruturas não possam ser geridas publicamente. Resultado, uma bola para
fora, questões a resolver no seio do acordo quando tal questão não constitui
inequivocamente a prioridade do momento.
Mas os sinais estão no
ar. Hoje, no contacto com os jornalistas após a audição com o presidente Marcelo,
Arménio Carlos da CGTP resolveu construir a sua metáfora comparando a governação
atual a uma sequência de caixa de velocidades. O governo teria engrenado a
primeira, mas não pode ficar eternamente nessa velocidade. Seria necessário
assegurar uma sequência de segunda, terceira e outras velocidades à medida que a
reposição total e absoluta de direitos fosse sendo introduzida, até à velocidade
de cruzeiro. Arménio Carlos não explicitou se o seu modelo tem uma caixa longa
ou curta e parece ter ignorado que a caixa de velocidades não existe à margem
de um motor. Imagino que não seja fácil mudar o discurso e prática de uma central
sindical que sempre esteve longe da governação e dos acordos da concertação
social, quanto mais a sua associação política acontece com uma força política
que apoia parlamentarmente o governo na base de acordos concretos. Mas ignorar
o estado do motor parece ser uma séria asneira e o estado desse motor não
depende da pressão de Bruxelas, é o que é, para mal dos nossos pecados. Assim
sendo, a sua tão desejada sequência de velocidades que seria necessário imprimir
à ação governativa talvez não aponte para o equilíbrio de uma velocidade de
cruzeiro mas antes para o abismo. E o mais espantoso é que a alegoria é proferida
com o mais calmo dos sorrisos.
Nos meus tempos de
passagem pelo marxismo, discutíamos sempre o contexto em que as relações e as
forças produtivas podiam ser transformadas. Depois de tanta vulgata, é natural
que essa questão do contexto (mais propriamente do motor) escape aos novos
sindicalistas.
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