terça-feira, 12 de julho de 2016

A ESQUERDA E A GLOBALIZAÇÃO




(Uma matéria decisiva para a refundação da esquerda, à boleia de um princípio de debate entre Dani Rodrik e Brad DeLong)

Se estivermos atentos, é possível concluir que a globalização está, por estes dias, no centro de praticamente todos os debates que importam.

O tema da desigualdade é hoje frequentemente interpretado na perspetiva do choque entre os perdedores e os ganhadores da globalização e a erupção de nacionalismos e populismos fortemente associada à não ou deficiente gestão política da situação dos perdedores. É a dimensão económica da globalização que está aqui em jogo, ou seja as consequências do aprofundamento da integração económica mundial.

A volatilidade dos mercados financeiros e a turbulência que daí advêm para a economia mundial têm a sua raiz na desregulamentação dos movimentos de capitais, particularmente em períodos de instabilidade. É a dimensão financeira da globalização que é aqui convocada.

Por outro lado, uma grande parte dos nacionalismos europeus, incluindo a raiz dos movimentos diversos que conduziram ao BREXIT, tem a sua explicação no choque imigratório que muitas sociedades europeias experimentaram, substancialmente agravado com a crise trágica dos refugiados. Aqui, neste caso, a globalização das pessoas, as migrações internacionais e a globalização da guerra combinam-se trágica e contraditoriamente para impulsionar um recuo considerável do processo de globalização.

Conforme é possível constatar, a centralidade da globalização é notória. Tem por isso relevância o esboço de debate que emergiu por estes dias entre um artigo de Dani Rodrik no Project Syndicate e a réplica de Brad DeLong no Equitable Growth blog.

Rodrik ensaia, o que nem é propriamente uma regularidade na sua produção, interpretar a reação ao processo de híper-globalização como a principal causa da emergência de nacionalismos de direita na Europa. A sua tese é que o campo da revolta foi ocupado pela direita porque a esquerda se mostrou incapaz de construir um discurso crítico e reformista da globalização. Ao que DeLong replica com a ideia de que a reação à turbulência gerada pelas falhas da economia tanto pode dar origem a movimentos de direita, como de esquerda. DeLong contraria, assim, a tese de Rodrik que a turbulência económica dá em princípio origem a capitalização por parte da esquerda. Se incluirmos na turbulência económica o que lhe foi acrescentado pela miopia da austeridade como instrumento de gestão global da crise das dívidas soberanas, estou inclinado a dar razão a DeLong. O caso espanhol evidencia-o na perfeição. A manutenção do PP no poder, mesmo descontando um dos mais longos períodos de formação de um governo alternativo de que há conhecimento e embora tendo em conta a recuperação macroeconómica entretanto observada, mostra como a sociologia interna do quadro espanhol se sobrepõe claramente ao quadro estrutural de mudança política de que Rodrik fala.

Isto não significa que a esquerda tenha uma relação fácil com a globalização. É verdade que uma grande parte da esquerda socialista alinhou com a tese de que a globalização seria um processo win-win. Não sei se se terão arrependido de terem alinhado com essa ilusão falaciosa. Arrependidos ou não, ainda não recuperaram da perturbação e, por isso em grande medida, deixaram ocupar o campo dos protestos ao nacionalismo e populismo de direita. Uma outra parte da esquerda, mais radical ou dogmática, classifiquem a vosso gosto, a única crítica à globalização que conseguem avançar é a sua rejeição pura e absoluta. Não têm muito por onde mostrar em termos de saídas concretas. Rapidamente se enfeudam numa posição do tipo do “madurismo venezuelano”, ainda mais trágico e caricato que o chavismo original.

DeLong critica Rodrik pelo seu otimismo excessivo quando este refere que existem hoje, disponíveis, contributos para uma refundação, incluindo a do seu contributo seminal sobre o paradoxo (trilema) da globalização à esquerda, que irão de PIketty e Tony Atkinson a Stigliz e Ocampo ou mesmo até DeLong ou Summers. Também não seria tão otimista, pelo menos do ponto de vista do tempo de maturação que tal refundação exigirá. E quanto mais tardia, mais provável é a ocupação do espaço de revolta pela direita nacionalista e pelos demónios que costumam com ela emergir. Porque dos fundadores da ideia pouco ou nada há que esperar.

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