(Uma matéria
decisiva para a refundação da esquerda, à boleia de um princípio
de debate entre Dani Rodrik e Brad DeLong)
Se
estivermos atentos, é possível concluir que a globalização está, por estes
dias, no centro de praticamente todos os debates que importam.
O tema da desigualdade
é hoje frequentemente interpretado na perspetiva do choque entre os perdedores
e os ganhadores da globalização e a erupção de nacionalismos e populismos fortemente
associada à não ou deficiente gestão política da situação dos perdedores. É a
dimensão económica da globalização que está aqui em jogo, ou seja as consequências
do aprofundamento da integração económica mundial.
A
volatilidade dos mercados financeiros e a turbulência que daí advêm para a
economia mundial têm a sua raiz na desregulamentação dos movimentos de capitais,
particularmente em períodos de instabilidade. É a dimensão financeira da
globalização que é aqui convocada.
Por outro
lado, uma grande parte dos nacionalismos europeus, incluindo a raiz dos
movimentos diversos que conduziram ao BREXIT, tem a sua explicação no choque
imigratório que muitas sociedades europeias experimentaram, substancialmente
agravado com a crise trágica dos refugiados. Aqui, neste caso, a globalização
das pessoas, as migrações internacionais e a globalização da guerra combinam-se
trágica e contraditoriamente para impulsionar um recuo considerável do processo
de globalização.
Conforme é
possível constatar, a centralidade da globalização é notória. Tem por isso relevância
o esboço de debate que emergiu por estes dias entre um artigo de Dani Rodrik no
Project Syndicate e a réplica de Brad DeLong no Equitable Growth blog.
Rodrik
ensaia, o que nem é propriamente uma regularidade na sua produção, interpretar a
reação ao processo de híper-globalização como a principal causa da emergência de
nacionalismos de direita na Europa. A sua tese é que o campo da revolta foi
ocupado pela direita porque a esquerda se mostrou incapaz de construir um discurso
crítico e reformista da globalização. Ao que DeLong replica com a ideia de que
a reação à turbulência gerada pelas falhas da economia tanto pode dar origem a
movimentos de direita, como de esquerda. DeLong contraria, assim, a tese de Rodrik
que a turbulência económica dá em princípio origem a capitalização por parte da
esquerda. Se incluirmos na turbulência económica o que lhe foi acrescentado
pela miopia da austeridade como instrumento de gestão global da crise das dívidas
soberanas, estou inclinado a dar razão a DeLong. O caso espanhol evidencia-o na
perfeição. A manutenção do PP no poder, mesmo descontando um dos mais longos
períodos de formação de um governo alternativo de que há conhecimento e embora tendo
em conta a recuperação macroeconómica entretanto observada, mostra como a
sociologia interna do quadro espanhol se sobrepõe claramente ao quadro
estrutural de mudança política de que Rodrik fala.
Isto não significa
que a esquerda tenha uma relação fácil com a globalização. É verdade que uma
grande parte da esquerda socialista alinhou com a tese de que a globalização
seria um processo win-win. Não sei se
se terão arrependido de terem alinhado com essa ilusão falaciosa. Arrependidos
ou não, ainda não recuperaram da perturbação e, por isso em grande medida, deixaram
ocupar o campo dos protestos ao nacionalismo e populismo de direita. Uma outra
parte da esquerda, mais radical ou dogmática, classifiquem a vosso gosto, a única
crítica à globalização que conseguem avançar é a sua rejeição pura e absoluta. Não
têm muito por onde mostrar em termos de saídas concretas. Rapidamente se
enfeudam numa posição do tipo do “madurismo venezuelano”, ainda mais trágico e
caricato que o chavismo original.
DeLong
critica Rodrik pelo seu otimismo excessivo quando este refere que existem hoje,
disponíveis, contributos para uma refundação, incluindo a do seu contributo
seminal sobre o paradoxo (trilema) da globalização à esquerda, que irão de
PIketty e Tony Atkinson a Stigliz e Ocampo ou mesmo até DeLong ou Summers. Também
não seria tão otimista, pelo menos do ponto de vista do tempo de maturação que
tal refundação exigirá. E quanto mais tardia, mais provável é a ocupação do
espaço de revolta pela direita nacionalista e pelos demónios que costumam com
ela emergir. Porque dos fundadores da ideia pouco ou nada há que esperar.
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