(O Quadratura do
Círculo tem-se arrastado ultimamente e perdido gás. Ontem houve um esboço de debate relevante, travado
entre, quem poderia mais ser, Pacheco Pereira e Lobo Xavier, mas infelizmente não
passou disso.)
O Quadratura
do Círculo tem refletido o tom estival que já nos envolve. A modorra que nos
começa a tocar tem-se transmitido ao programa, que tem perdido por isso fogo de
debate. Retirando alguma informação privilegiada que Jorge Coelho e Lobo Xavier
transportam para o programa (ontem isso foi claro a propósito das negociações
em curso em torno da Caixa) e algumas diabruras recentes de Lobo Xavier em relação
aos partidos hoje na oposição (ontem foi demolidora a sua crítica da posição do
PSD face ao sistema financeiro), poucas novidades de debate relevante têm emergido.
Ontem, porém, houve um
esboço de algo de muito promissor, com Jorge Coelho a ver a bola passar nessa
matéria. Pacheco Pereira considerou que a estagnação económica da Europa
constitui um resultado das políticas de gestão macroeconómica que têm sido
aplicadas, sob o que agora se chama a influência do ordoliberalismo alemão (promessa
minha de voltar ao assunto, pois há dados novos sobre esta matéria). Lobo Xavier
replicou dizendo que a posição de Pacheco Pereira não era correta, pois a
estagnação económica da Europa seria o resultado de outro tipo de fatores (foi
parco e redutor na sua explicitação pois se limitou à competitividade e à
globalização) e a política de gestão macroeconómica quando muito prolongou e exacerbou
essas dificuldades. Pacheco Pereira invocou em sua defesa o pensamento de alguns
Nobel de Economia (Krugman, Stiglitz, …), o que não demoveu Lobo Xavier da sua
correção.
Eu sei que é difícil
transpor debates desta natureza para a opinião pública, mesmo tendo em conta que
o público do Quadratura não é propriamente incapaz de pensar sobre coisas sérias.
Mas também sei que por vezes se discutem questões no programa, como as da
complexidade do sistema financeiro, que essas sim escapam ao vulgar dos mortais
e não é por isso que o programa se abstém de as debater. Ora aquilo que ontem foi
simplesmente aflorado, e foi apelativo o ar enfadado com que Pacheco Pereira
ouvia a crítica de Lobo Xavier, é da matéria da maior relevância e por mais
estranho que pareça tem que ver com a difícil situação em que nos encontramos.
Na literatura económica de
hoje, o conceito mais elaborado para interpretar a estagnação económica das
economias avançadas é o conceito de estagnação secular proposto por Lawrence
Summers, como ontem aqui neste blogue uma vez mais procurei demonstrar. Pode
discutir-se se Summers foi muito feliz ao batizar o fenómeno com um termo que já
tinha sido cunhado por Alvin Hansen na década de 30. Mas não tenho qualquer dúvida
que é o conceito mais elaborado de que os economistas hoje dispõem para
interpretar o seu tempo de estagnação, em contexto de recuperação agónica de um
forte abalo gerado pelas travessias do sistema financeiro.
Mas há um problema. O
conceito de estagnação secular foi cunhado a partir da economia americana e tem
sido pouco trabalhado no âmbito da economia europeia. A situação desta última é
algo complexa pois combina estagnação económica com riscos de deflação e essa
combinação explosiva tem determinado que seja por via da política monetária que
Draghi tem procurado arredar a hipótese da deflação. Neste contexto, a gestão “ordoliberal”
da estagnação europeia, vendendo a tese de que a confiança do investimento não
pode ser restaurada em ambiente de indisciplina de contas públicas, pode ser
responsável pelo agravamento da estagnação. É conhecido que as por mim já
referidas (ver post anterior) piruetas heterodoxas do BCE têm demorado muito
tempo em chegar à economia real, conseguindo tão só suster as dificuldades de
acesso ao financiamento dos mais endividados (Portugal incluído). Draghi já se
queixou do mal que consiste em não ter uma política de impulso fiscal
concertado na União. Mas não tem de se queixar. Ele e outros amigos estiveram
ao lado dos que prescreveram para o BCE um mandato que se limita à estabilidade
nominal dos preços (o que nem isso tem conseguido, dado o afastamento do referencial
da inflação a 2%). Estiveram ao lado dos que impuseram a ortodoxia monetária para
gerir a zona euro. E, durante largo tempo, acreditaram piamente na fórmula “quantitative easing + reformas
estruturais” (as tais que ninguém define) como mezinha para o problema. Hoje é
sabido que não chega e daí as piruetas para esconder o óbvio.
Por isso, Pacheco
Pereira não está fora da razão ainda que seja tema que lhe escape. Mas Lobo Xavier
também não é desbocado quando acentua que a política de gestão macroeconómica de
inspiração ordoliberal não explica de per si, totalmente, a estagnação económica.
Mas essa sua explicação teria que ser mais profunda do que deixou antever na
sua intervenção de ontem. Há problemas estruturais da própria arquitetura do Euro
que podem explicar em parte a estagnação económica, pois não estão a funcionar
os mecanismos de redistribuição e reequilíbrio que deveriam estar a funcionar,
reflacionando a norte para que o sul possa abandonar progressivamente a
desvalorização interna a que foi submetido pela imposição de Bruxelas. Além
disso, a desarmonização fiscal na zona euro, cada vez mais agravada pela necessidade
de gerar receita fiscal a sul e com casos flagrantes de concorrência fiscal no
interior da União, tende a precipitar em termos médios menor crescimento económico.
E depois há a total incapacidade da Comissão Europeia em utilizar a política de
investigação e desenvolvimento tecnológico como sucedâneo remoto de uma política
industrial que visasse aumentar os níveis de competitividade da indústria
europeia. E depois ainda houve a precipitadíssima política comercial externa da
União que ajudou, sabe-se lá por que motivos, a precipitar a desindustrialização
precoce. E há ainda o fenómeno estrutural do envelhecimento e a perda de
produto potencial da União.
Em resumo o debate que
poderia ter sido e não foi, é rico, tem substância e interessa a Portugal
incapaz de pela sua pequena dimensão resolver as insuficiências estruturais que
partilha com a Europa. Não tenho dúvidas que a política de gestão macroeconómica
será denunciada na história económica como um erro, esse sim criminoso. O
ordoliberalismo alemão serve a proeminência alemã à custa de outros países
europeus, numa espécie de reedição das políticas de “beggar-my-neighbour” e acentua o descalabro global europeu. Mas
certamente que seríamos tontos em pensar que é suficiente para explicar a perda
europeia. O que não significa, como é óbvio, levantar a guarda nesse debate.
Sem comentários:
Enviar um comentário