(Contraditoriamente,
em fim de semana relativamente distendido em Lisboa, cada vez mais crepitante
de cosmopolitismo, junto de parte da família deslocada, dou comigo a elaborar sobre as vicissitudes
do futuro próximo)
Nicolau
Santos, no Expresso de hoje, refere-se ao aperto de tin-tins (tributo à prosa
de Ferreira Fernandes no DN sobre os dois treinadores alemães, Low e Schäuble)
com que o indecoroso ministro das Finanças alemão brindou os portugueses como
uma manobra de diversão para ocultar a situação periclitante em que o Deutsche
Bank se encontrará. É sempre difícil avaliar para que olhos pretende tão
estranha figura atirar areia. Para além disso, não devemos descartar que o
concerto dos Ministros das Finanças da zona euro tenha uma agenda de
intimidação efetiva da Europa do Sul. Afinal, é nesse antro que se encontram os
preconceitos de casta relativamente a estes indisciplinados, iludidos na ideia
de que podem aspirar ao bem-estar do Norte sem os níveis de produtividade que
por aí campeiam. Os demónios andam à solta e perante o comportamento de certos
eleitorados tais personalidades rastejarão se for necessário para oferecer a
esses eleitorados alguma cabeça. Em guarda, pois, embora as nossas armas de
proteção sejam escassas e muito vulnerável a situação que temos de gerir.
Pedro Guerreiro
assina no Expresso uma crónica contundente. Alinho com ele em evidenciar o trágico
e absurdo confronto entre os ganhos orçamentais primários que penosamente o
programa de ajustamento logrou atingir e os recursos que já foram injetados no
conserto da banca e do sistema financeiro. O ajustamento para regresso aos
mercados foi um verdadeiro embuste com a marca da saída limpa. Alguém se
sacrificou e a verdadeira mudança estrutural foi colada com cuspo. A imagem do
relógio que conta o tempo para a saída do ajustamento é uma das mais fantasmagóricas
encenações dos últimos tempos. E há aqui muita gente a ficar mal desta fotografia,
não apenas, esclareça-se, os mentores políticos do governo anterior. Todos os
que contribuíram, de cima a baixo, para montar uma errada perceção junto dos
portugueses acerca da situação da banca ficam tremendamente mal nessa
fotografia. Não foi o agravamento da situação internacional desde então que
pode explicar o descalabro e o embuste. Foram os agentes do sistema financeiro e
bancário, incluindo a sua regulação, que assinaram as sucessivas declarações que
não havia necessidade de intervenções adicionais na banca. Não estamos a falar
de gente indiferenciada. Estamos a falar de elite que se assume como tal e que
se faz pagar em conformidade.
Sombras no futuro,
apesar do sol relativamente ameno que ilumina este sábado lisboeta. Sombras que
têm origem na difícil relação que se tem estabelecido entre vulnerabilidade da
banca e fragilidade do sistema produtivo. As duas são indissociáveis. Continua
a ser decisivo disseminar por todo o sistema produtivo os bons sinais que uma série
diversificada de projetos empresariais, de modo a que a mudança estrutural
ganhe expressão e massa crítica. Só nessa condição tem sentido apostar recursos
na recapitalização de um banco público. A relação entre banca e economia nunca é
uma simples questão de oferta de crédito. É sempre uma relação de interação
entre oferta e procura de crédito. Não se entendem muito bem os rumos da aposta
do governo na recapitalização das empresas. A medida foi anunciada mas
carecemos de informação complementar que nos permita avaliar se é mais uma medida
como tantas outras. Continua a não ser visível um discurso coerente do governo
para o relançamento do investimento privado. O acordo parlamentar à esquerda não
ajuda. PCP e Bloco continuam a não ter uma visão do problema ajustada aos
tempos da economia portuguesa.
Tenho muita
dificuldade em olhar para a evolução da execução orçamental e do aparente bom
rumo da consolidação associada. Mas a contabilidade pública é um mundo oculto em
que muito poucos (e não serei um desses) se aventurarão para o compreender e
avaliar se, como sugere também o Expresso de hoje, estamos perante fenómenos de
empurrar os problemas com a barriga. Enquanto a formação bruta de capital fixo
(vulgo investimento e essencialmente o privado) não derem mostras de agitação
positiva que se veja, continuarei pessimista.
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