sábado, 2 de julho de 2016

SOMBRAS




(Contraditoriamente, em fim de semana relativamente distendido em Lisboa, cada vez mais crepitante de cosmopolitismo, junto de parte da família deslocada, dou comigo a elaborar sobre as vicissitudes do futuro próximo)

Nicolau Santos, no Expresso de hoje, refere-se ao aperto de tin-tins (tributo à prosa de Ferreira Fernandes no DN sobre os dois treinadores alemães, Low e Schäuble) com que o indecoroso ministro das Finanças alemão brindou os portugueses como uma manobra de diversão para ocultar a situação periclitante em que o Deutsche Bank se encontrará. É sempre difícil avaliar para que olhos pretende tão estranha figura atirar areia. Para além disso, não devemos descartar que o concerto dos Ministros das Finanças da zona euro tenha uma agenda de intimidação efetiva da Europa do Sul. Afinal, é nesse antro que se encontram os preconceitos de casta relativamente a estes indisciplinados, iludidos na ideia de que podem aspirar ao bem-estar do Norte sem os níveis de produtividade que por aí campeiam. Os demónios andam à solta e perante o comportamento de certos eleitorados tais personalidades rastejarão se for necessário para oferecer a esses eleitorados alguma cabeça. Em guarda, pois, embora as nossas armas de proteção sejam escassas e muito vulnerável a situação que temos de gerir.

Pedro Guerreiro assina no Expresso uma crónica contundente. Alinho com ele em evidenciar o trágico e absurdo confronto entre os ganhos orçamentais primários que penosamente o programa de ajustamento logrou atingir e os recursos que já foram injetados no conserto da banca e do sistema financeiro. O ajustamento para regresso aos mercados foi um verdadeiro embuste com a marca da saída limpa. Alguém se sacrificou e a verdadeira mudança estrutural foi colada com cuspo. A imagem do relógio que conta o tempo para a saída do ajustamento é uma das mais fantasmagóricas encenações dos últimos tempos. E há aqui muita gente a ficar mal desta fotografia, não apenas, esclareça-se, os mentores políticos do governo anterior. Todos os que contribuíram, de cima a baixo, para montar uma errada perceção junto dos portugueses acerca da situação da banca ficam tremendamente mal nessa fotografia. Não foi o agravamento da situação internacional desde então que pode explicar o descalabro e o embuste. Foram os agentes do sistema financeiro e bancário, incluindo a sua regulação, que assinaram as sucessivas declarações que não havia necessidade de intervenções adicionais na banca. Não estamos a falar de gente indiferenciada. Estamos a falar de elite que se assume como tal e que se faz pagar em conformidade.

Sombras no futuro, apesar do sol relativamente ameno que ilumina este sábado lisboeta. Sombras que têm origem na difícil relação que se tem estabelecido entre vulnerabilidade da banca e fragilidade do sistema produtivo. As duas são indissociáveis. Continua a ser decisivo disseminar por todo o sistema produtivo os bons sinais que uma série diversificada de projetos empresariais, de modo a que a mudança estrutural ganhe expressão e massa crítica. Só nessa condição tem sentido apostar recursos na recapitalização de um banco público. A relação entre banca e economia nunca é uma simples questão de oferta de crédito. É sempre uma relação de interação entre oferta e procura de crédito. Não se entendem muito bem os rumos da aposta do governo na recapitalização das empresas. A medida foi anunciada mas carecemos de informação complementar que nos permita avaliar se é mais uma medida como tantas outras. Continua a não ser visível um discurso coerente do governo para o relançamento do investimento privado. O acordo parlamentar à esquerda não ajuda. PCP e Bloco continuam a não ter uma visão do problema ajustada aos tempos da economia portuguesa.

Tenho muita dificuldade em olhar para a evolução da execução orçamental e do aparente bom rumo da consolidação associada. Mas a contabilidade pública é um mundo oculto em que muito poucos (e não serei um desses) se aventurarão para o compreender e avaliar se, como sugere também o Expresso de hoje, estamos perante fenómenos de empurrar os problemas com a barriga. Enquanto a formação bruta de capital fixo (vulgo investimento e essencialmente o privado) não derem mostras de agitação positiva que se veja, continuarei pessimista.

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