(Os economistas e
a informação económica já viveram dias melhores em matéria de credibilidade já
ninguém o duvida, e a
prova está em que muita gente não acredita que a economia irlandesa tenha
crescido em 2015 ao ritmo do que é revelado pela publicação do INE lá do sítio)
A primeira reação é
obviamente de espanto e incredulidade. De acordo com os dados publicados pelo
INE irlandês, a economia irlandesa terá crescido, com medida através do PIB, em
2015 face a 2014, a preços constantes, a uma taxa de 26,3%. Apetece dizer “foi
você que disse 26,3% a preços constantes de 2014?”. Sabe-se dos manuais de
introdução à macroeconomia que a Irlanda é aquele país com que todos sonham
para explicar aos seus alunos as diferenças entre PIB e PNB, o primeiro medido
em termos da atividade económica que é produzida em território irlandês não
interessando a nacionalidade de quem produz e o segundo utilizando o critério
da nacionalidade, com produção em território irlandês e fora dele. Ora, neste
caso e mantendo o critério dos preços constantes, o crescimento económico é
maior quando medido pelo PIB do que quando medido pelo PNB. De qualquer modo,
crescimentos anuais a dois dígitos soam já a uma “douradolândia” qualquer. Por
isso, no quadro da anteriormente referida desconfiança, há quem se interrogue
sobre as razões de número tão estranho, desconhecendo aqui se temos de inventar
uma nova forma de apresentação de dados económicos. Explico-me. Há boletins
meteorológicos que apresentam a temperatura observada ou prevista, mas também
apresentam a temperatura que vai ser percecionada. Ou seja, a temperatura
sentida é por vezes diferente da que os termómetros revelam. Também aqui, se
calhar, deveríamos apresentar a taxa de crescimento económico irlandesa e,
simultaneamente, a taxa percecionável pelos irlandeses nesse mesmo período.
De facto, o número gera
tanta incredulidade que há quem se ponha a duvidar e a procurar as razões de
tal “anomalia”.
Um aparentemente desconhecido Bill Craighead, no seu Twenty-Cent
Paradigms, a que cheguei pela atividade insana e imaginativa de Mark Thoma
no Economist’s View, normalizou os
principais agregados macroeconómicos irlandeses para o ano de 2010 (2010=100) e
procurou indagar o que é que pode ter provocado tamanha explosão (ver gráfico
abaixo). De acordo com a normalização de Craighead, percebe-se que são as
variáveis do investimento e das exportações líquidas que respondem pelo salto
significativo observado em 2015. Ambas devem estar ligadas a comportamentos de
firmas multinacionais de grande expressão e dimensão, que, como se sabe, na
sequência da generosa política fiscal de tributação de IRC que a Irlanda
pratica para nosso espanto e inveja natural numa União tão sequiosa de
normalização, impedem qualquer extrapolação comparativa com outros países
europeus, incluindo este jardim à beira mar plantado.
Seamus Coffey no prestigiado Irish Economy em que Kevin O’Rourke também escreve desenvolve
também análises mais finas para compreender tão fantástico número. Entre outras
finuras, Coffey refere que algumas multinacionais poderão ter feito regressar
ao território irlandês alguns ativos intangíveis, aumentando simultaneamente o
valor acrescentado bruto irlandês e reduzido os pagamentos de royalties ao
exterior. Tal aumento de valor acrescentado
pode não ter uma relação firme com o crescimento de salários e lucros e os
números dos primeiros para os setores não agrícolas revelam um crescimento
apenas de 5,6%. Para além disso, o crescimento de 121% observado nas despesas
de I&D parece ser equivalente mais a compras de ativos intangíveis do que
propriamente a um aumento regular de despesas de I&D. Ou seja, há questões
de registo contabilístico que ofuscam os 26% de crescimento do PIB. Tudo leva a
crer que o comportamento do stock de capital irlandês revelou em 2015
particularidades e isso terá sido refletido no valor do investimento que não é
mais do que a variação desse stock. Por isso, Coffey propõe-nos que olhemos
para o Rendimento Nacional que permite ter em conta as depreciações dos ativos
de capital e os rendimentos líquidos do exterior. A taxa de crescimento dessa
variável anda pelos 6,5%, o que é sugerida por Coffey como algo de mais
realista e menos suscetível a pormenores difíceis de comunicar na informação
económica. Ou seja, usando a metáfora meteorológica, quanto ao crescimento
económico irlandês “it feels like 6,5% rather than 26%”.
Mas será mesmo assim? O
meu ponto consiste apenas em mostrar que a quantificação do crescimento
económico ainda transporá consigo alguns insondáveis mistérios, não do ponto de
vista técnico, mas principalmente na perspetiva da perspetiva da comunicação
democrática e transparente da informação económica. Imaginem-se só os problemas
acrescidos que estarão ocultos no já célebre cálculo do défice estrutural, que
recorre não ao produto observado mas ao produto potencial, uma grandeza
construída por técnicas de modelização. Foi você que pediu um défice estrutural
de x%?
Outros como Matthew Klein no Alphaville do Financial Times seguem uma outra via e relativizam o tal
resultado inserindo-o no passado a recuperar. Um simples exemplo ilustra essa
abordagem: a curva do consumo real médio por família está ainda longe do seu
pico em 2008 (ver gráfico abaixo).
Uma última e decisiva
consequência: a macroeconomia de um paraíso fiscal tem que se lhe diga e não
pode ser extrapolada com a leviandade com que muito do jornalismo económico o
faz (oh,
oh, why can’t we have a better press corps!). Como eu percebo cada vez melhor o
desabafo de Brad DeLong!
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