quarta-feira, 20 de julho de 2016

E COMO VAMOS NÓS DE INOVAÇÃO?

European Innovation Scoreboard 2016, Portugal


 (A publicação do European Innovation Scoreboard 2016 pelos serviços correspondentes da Comissão Europeia constitui mais uma oportunidade para glosar a pergunta de hoje)

A palavra inovação está seguramente no repositório das palavras mais disseminadas no discurso português corrente cujo significado está longe de ser apreendido corretamente pela grande maioria dos que a utilizam com regularidade. A publicação das sucessivas edições do Innovation Scoreboard pelos serviços da Comissão Europeia constitui uma permanente e reiterada oportunidade para descer à terra, abandonar a fragilidade inventiva do discurso e nos focarmos em indicadores o mais objetivos possível. Claro que o indicador compósito que o EIS constitui também não estará isento de dificuldades e ele próprio contém algumas dimensões que resultam de inquirição das empresas, com os enviesamentos típicos desse tipo de recolha de informação. Mas a perspetiva da comparação europeia é sempre, com a devida contextualização, de grande utilidade, sobretudo porque inovar na economia global não é apenas assunto nosso, é o resultado de uma dinâmica de corrida. Esta constatação contém em si um drama, que é frequentemente reportado aos que vêm na inovação um inimigo potencial do emprego. É que sendo a economia global o recinto do jogo, mesmo que não inovássemos para proteger irrefletidamente o emprego, a concorrência internacional dos que não suspendem a inovação acabaria por destruir esse mesmo emprego. Por isso, ou nos remetemos ao isolamento ou então não vale a pena desistir. Julgo que hoje, mesmo para os mais empedernidos nostálgicos da autarcia, são bem conhecidos os efeitos do isolamento e é coisa que não se recomenda.

De acordo com o índice global do desempenho inovador, que tal como outros indicadores compósitos nos diz muito pouco, Portugal recupera finalmente em relação à União Europeia a posição relativa (cerca de 80% e picos) que em 2008-2009 o país já atingira. O índice recupera a partir de 2013 e os desempenhos de 2014 e 2015 permitiram retomar os valores do pré-crise financeira, substancialmente agravados com os anos do ajustamento de austeridade. Do ponto de vista da tipologia inovadora do país, nada de substancial acontece, pois o país vai mantendo o estatuto de Inovador Moderado.

O que tem interesse é a ventilação que o relatório do EIS permite realizar pelos indicadores que integram o indicador global compósito.


E aqui quase nenhuma novidade tem sido registada cá pelo reino. Acima da média da União, apenas o indicador de recursos humanos para a inovação, em que, por exemplo, o país está 71% acima da média europeia em termos de produção de doutorados. É relevante mas frágil. O risco deste capital humano vir a reforçar sistemas de inovação de outros países é muito elevado, como se sabe há muito tempo e que a Europa agradece, pois recicla entre outros recursos os que são canalizados via Fundos Estruturais.

Em torno da média europeia, Portugal apresenta três indicadores: massa de inovadores, sistemas de investigação abertos, excelentes e atrativos e condições de financiamento.

Abaixo da média europeia, temos as más notícias do costume: aplicações de patentes, rendimentos de licenciamentos e patentes ao exterior, publicações em parcerias público-privadas e patentes em domínios que correspondem a desafios societais.

Os investigadores que trabalham mais regularmente nestas coisas, como o Vítor Corado Simões (ISEG) por exemplo, continuam intrigados com os resultados a nível da massa de inovadores, sobretudo do número de pequenas e médias empresas que fazem inovação “in-house” e assumem inovações processo e produto. O que pode pensar-se é que afinal para tanta empresa inovadora os indicadores económicos tardam a estar em linha com tais promessas. A comunidade científica desconfia, mas parte dela também desconhece olimpicamente o tecido produtivo pelo que num reino como o nosso parece que se opta pela sugestão de que há uma ilusão de inquirição. E assim vamos continuando como moderados inovadores.

Em termos de crescimento, continua a ser a variável das publicações científicas que marca a corrida, seguida de perto pela variável dos estudantes de doutoramento não pertencentes à União e uma promissora derivada para as patentes que afrontam desafios societais (arriscar-me-ia a dizer que em função das ciências da vida). Ou seja, como dizia há dias em Manchester, o responsável pela investigação científica na Fundação Calouste Gulbenkian na sessão dos investigadores portugueses residentes em Inglaterra (cortesia do meu filho Hugo, keynote speaker desse evento para encanto do Pai), Portugal tem curiosamente e sem natureza pejorativa um “old-fashioned way of making science”, com mais investigação fundamental do que aplicação e geração de patentes e isso reflete-se, e de que maneira, no Scoreboard. Pela minha parte já ando filado nesta fragilidade há longo tempo e à medida que o tempo passa mais me convenço que se trata de algo estrutural, o que na melhor das hipóteses nos pode projetar como vendedores de conhecimento sem beneficiar da sua aplicação produtiva cá dentro, que outros farão lá fora. Será certamente um traço da pequena dimensão, mas acho que é algo mais do que isso.

European Innovation Scoreboard 2016 - Norte

Uma última curiosidade com algum veneno à mistura dirigido às elites da capital. Do ponto de vista regional, NUTS II, e embora com diferenciações que continuam a beneficiar a aglomeração de Lisboa, as cinco regiões do continente são varridas a inovadoras moderadas, com apenas os Açores e a Madeira a descerem ao estatuto de inovadoras modestas. Lisboa não descola (o que faz baixar a garimpa inovadora de muita gente) e até a única região a descolar com crescimento positivo do indicador global foi o Algarve. Quer isto dizer que os sistemas regionais de inovação do Norte e do Centro não dão mostras de concretizarem o potencial que têm e aqui também já tenho escrito sobre a matéria, falta modelo de governação e exige-se menos atomização destruidora de recursos. Não sei se o meu colega de blogue nas suas novas funções na CCDR-N terá tempo e recursos para se ocupar deste problema. Oxalá que sim.

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