European Innovation Scoreboard 2016, Portugal
(A publicação do European Innovation Scoreboard 2016 pelos
serviços correspondentes da Comissão Europeia constitui mais uma oportunidade para glosar
a pergunta de hoje)
A palavra inovação está seguramente no
repositório das palavras mais disseminadas no discurso português corrente cujo
significado está longe de ser apreendido corretamente pela grande maioria dos
que a utilizam com regularidade. A publicação das sucessivas edições do Innovation Scoreboard pelos serviços da
Comissão Europeia constitui uma permanente e reiterada oportunidade para descer
à terra, abandonar a fragilidade inventiva do discurso e nos focarmos em
indicadores o mais objetivos possível. Claro que o indicador compósito que o
EIS constitui também não estará isento de dificuldades e ele próprio contém
algumas dimensões que resultam de inquirição das empresas, com os enviesamentos
típicos desse tipo de recolha de informação. Mas a perspetiva da comparação
europeia é sempre, com a devida contextualização, de grande utilidade,
sobretudo porque inovar na economia global não é apenas assunto nosso, é o
resultado de uma dinâmica de corrida. Esta constatação contém em si um drama,
que é frequentemente reportado aos que vêm na inovação um inimigo potencial do
emprego. É que sendo a economia global o recinto do jogo, mesmo que não
inovássemos para proteger irrefletidamente o emprego, a concorrência
internacional dos que não suspendem a inovação acabaria por destruir esse mesmo
emprego. Por isso, ou nos remetemos ao isolamento ou então não vale a pena
desistir. Julgo que hoje, mesmo para os mais empedernidos nostálgicos da
autarcia, são bem conhecidos os efeitos do isolamento e é coisa que não se
recomenda.
De acordo com o índice global do desempenho
inovador, que tal como outros indicadores compósitos nos diz muito pouco,
Portugal recupera finalmente em relação à União Europeia a posição relativa
(cerca de 80% e picos) que em 2008-2009 o país já atingira. O índice recupera a
partir de 2013 e os desempenhos de 2014 e 2015 permitiram retomar os valores do
pré-crise financeira, substancialmente agravados com os anos do ajustamento de
austeridade. Do ponto de vista da tipologia inovadora do país, nada de
substancial acontece, pois o país vai mantendo o estatuto de Inovador Moderado.
O que tem interesse é a ventilação que o
relatório do EIS permite realizar pelos indicadores que integram o indicador
global compósito.
E aqui quase nenhuma novidade tem sido
registada cá pelo reino. Acima da média da União, apenas o indicador de
recursos humanos para a inovação, em que, por exemplo, o país está 71% acima da
média europeia em termos de produção de doutorados. É relevante mas frágil. O
risco deste capital humano vir a reforçar sistemas de inovação de outros países
é muito elevado, como se sabe há muito tempo e que a Europa agradece, pois
recicla entre outros recursos os que são canalizados via Fundos Estruturais.
Em torno da média europeia, Portugal
apresenta três indicadores: massa de inovadores, sistemas de investigação
abertos, excelentes e atrativos e condições de financiamento.
Abaixo da média europeia, temos as
más notícias do costume: aplicações de patentes, rendimentos de licenciamentos
e patentes ao exterior, publicações em parcerias público-privadas e patentes em
domínios que correspondem a desafios societais.
Os investigadores que trabalham mais
regularmente nestas coisas, como o Vítor Corado Simões (ISEG) por exemplo,
continuam intrigados com os resultados a nível da massa de inovadores,
sobretudo do número de pequenas e médias empresas que fazem inovação “in-house” e assumem inovações processo e
produto. O que pode pensar-se é que afinal para tanta empresa inovadora os
indicadores económicos tardam a estar em linha com tais promessas. A comunidade
científica desconfia, mas parte dela também desconhece olimpicamente o tecido
produtivo pelo que num reino como o nosso parece que se opta pela sugestão de
que há uma ilusão de inquirição. E assim vamos continuando como moderados
inovadores.
Em termos de crescimento, continua a ser a
variável das publicações científicas que marca a corrida, seguida de perto pela
variável dos estudantes de doutoramento não pertencentes à União e uma
promissora derivada para as patentes que afrontam desafios societais
(arriscar-me-ia a dizer que em função das ciências da vida). Ou seja, como
dizia há dias em Manchester, o responsável pela investigação científica na
Fundação Calouste Gulbenkian na sessão dos investigadores portugueses residentes
em Inglaterra (cortesia do meu filho Hugo, keynote speaker desse evento para
encanto do Pai), Portugal tem curiosamente e sem natureza pejorativa um “old-fashioned way of making science”,
com mais investigação fundamental do que aplicação e geração de patentes e isso
reflete-se, e de que maneira, no Scoreboard.
Pela minha parte já ando filado nesta fragilidade há longo tempo e à medida que
o tempo passa mais me convenço que se trata de algo estrutural, o que na melhor
das hipóteses nos pode projetar como vendedores de conhecimento sem beneficiar
da sua aplicação produtiva cá dentro, que outros farão lá fora. Será certamente
um traço da pequena dimensão, mas acho que é algo mais do que isso.
European Innovation Scoreboard 2016 - Norte
Uma última curiosidade com algum veneno à
mistura dirigido às elites da capital. Do ponto de vista regional, NUTS II, e
embora com diferenciações que continuam a beneficiar a aglomeração de Lisboa,
as cinco regiões do continente são varridas a inovadoras moderadas, com apenas
os Açores e a Madeira a descerem ao estatuto de inovadoras modestas. Lisboa não
descola (o que faz baixar a garimpa inovadora de muita gente) e até a única
região a descolar com crescimento positivo do indicador global foi o Algarve.
Quer isto dizer que os sistemas regionais de inovação do Norte e do Centro não
dão mostras de concretizarem o potencial que têm e aqui também já tenho escrito
sobre a matéria, falta modelo de governação e exige-se menos atomização
destruidora de recursos. Não sei se o meu colega de blogue nas suas novas
funções na CCDR-N terá tempo e recursos para se ocupar deste problema. Oxalá
que sim.
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