domingo, 10 de julho de 2016

ÓDIO E INTOLERÂNCIA




(À boleia de um artigo de Daniel Little no Understanding Society, no qual se interroga sobre os mecanismos e fatores que podem explicar a emergência de comportamentos que julgávamos ser de expressão minoritária nas modernas sociedades ocidentais…)

Nos tempos perturbados e turbulentos de hoje assistimos ao recrudescimento de comportamentos sociais e políticos que julgávamos senão erradicados, pelo menos confinados a núcleos isolados das modernas sociedades ocidentais. Ódio e intolerância para com outras populações, assumindo formas muito diferenciadas de racismo, xenofobia, perseguição e violência dirigida a grupos étnicos específicos, manifestam-se em crescendo acobertados por movimentos nacionalistas, por vezes nazis e de extrema-direita violenta e declarada.

No sempre estimulante Understanding Society de Daniel Little, onde se procura a causalidade estrutural de muitos dos fenómenos contemporâneos, o autor interroga-se nessa linha sobre as possíveis causas da emergência de tais comportamentos sociais. Apesar das suas próprias tentativas de situar algumas linhas de explicação possível, Little conclui que existe muito pouco trabalho sobre essa matéria. O que pode ter duas explicações possíveis: ou é fruto de se tratar de fenómenos de emergência recente, não tendo por isso ainda impactado a orientação da investigação; ou é uma reação à incomodidade dos temas, uma espécie de politicamente correto na investigação social. Little recomenda a revisita de literatura de há cinquenta e sessenta anos sobre as explicações da emergência do nazismo na Alemanha de Hitler e constitui em si próprio uma ilustração de como a investigação mais recente não se preocupou muito com o assunto.

Uma primeira linha de explicação explora a linha do choque civilizacional que o incremento do terrorismo representou. Nessa perspetiva, o terrorismo do radicalismo islâmico deixou há muito de poder ser entendido apenas no âmbito das sociedades islâmicas, para ser percecionado ele próprio como uma arma de destruição maciça inspirada pela intolerância e pelo ataque ao nosso modelo cultural e civilizacional. O que constitui um contexto de combustão fácil para as forças da intolerância eventualmente adormecidas em várias franjas das sociedades ocidentais. O terrorismo islâmico terá representado o pretexto detonador da reação de defesa, que passa rapidamente desse estatuto a uma descontrolada progressão dos próprios valores da intolerância.

Mas o que me atrai no esboço de um quadro estruturado de investigações a desenvolver apresentado por Daniel Little é o facto de ele sugerir que podem existir traços da psicologia individual suscetíveis de gerar vulnerabilidade nos indivíduos a discursos ou propostas políticas incendiarias que promovam o ódio, a intolerância e a aversão pelo outro diferente. Ou, dito de outra maneira, se haverá fatores de resiliência e de imunidade individual a essas mesmas tentativas, que promovam a resistência social a tal degenerescência de comportamentos. Esta via explicativa pode revelar-se interessante para situar fenómenos de crescimento de discursos políticos como o do UKIP no Reino Unido, largamente influente no BREXIT, no próprio Trumpismo e na emergência da extrema-direita europeia, os quais não crescem apenas em função da magnitude das ameaças. O apoio popular ao discurso resultará dessas vulnerabilidades individuais, que reforçam os comportamentos de ódio e reduzem os de tolerância à sua mínima expressão.

O modelo carece de investigação aprofundada, sobretudo cruzando um quadro de características psicológicas individuais geradoras de vulnerabilidade com as ameaças sobre as quais o discurso político incendiário é construído, tais como o terrorismo, a crise económica, a desigualdade e a crise de confiança nos atores políticos.

E aqui está um tema em que a investigação social, tão penalizada pela sua remota ligação à empresa, tem condições para demonstrar o seu valor social.

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