(À boleia de um
artigo de Daniel Little no Understanding Society, no qual se interroga sobre os mecanismos e
fatores que podem explicar a emergência de comportamentos que julgávamos ser de
expressão minoritária nas modernas sociedades ocidentais…)
Nos tempos
perturbados e turbulentos de hoje assistimos ao recrudescimento de comportamentos
sociais e políticos que julgávamos senão erradicados, pelo menos confinados a núcleos
isolados das modernas sociedades ocidentais. Ódio e intolerância para com outras
populações, assumindo formas muito diferenciadas de racismo, xenofobia, perseguição
e violência dirigida a grupos étnicos específicos, manifestam-se em crescendo acobertados
por movimentos nacionalistas, por vezes nazis e de extrema-direita violenta e
declarada.
No sempre estimulante
Understanding Society de Daniel Little, onde se procura a causalidade estrutural de muitos dos fenómenos contemporâneos,
o autor interroga-se nessa linha sobre as possíveis causas da emergência de
tais comportamentos sociais. Apesar das suas próprias tentativas de situar algumas
linhas de explicação possível, Little conclui que existe muito pouco trabalho
sobre essa matéria. O que pode ter duas explicações possíveis: ou é fruto de se
tratar de fenómenos de emergência recente, não tendo por isso ainda impactado a
orientação da investigação; ou é uma reação à incomodidade dos temas, uma espécie
de politicamente correto na investigação social. Little recomenda a revisita de
literatura de há cinquenta e sessenta anos sobre as explicações da emergência do
nazismo na Alemanha de Hitler e constitui em si próprio uma ilustração de como
a investigação mais recente não se preocupou muito com o assunto.
Uma primeira
linha de explicação explora a linha do choque civilizacional que o incremento
do terrorismo representou. Nessa perspetiva, o terrorismo do radicalismo islâmico
deixou há muito de poder ser entendido apenas no âmbito das sociedades islâmicas,
para ser percecionado ele próprio como uma arma de destruição maciça inspirada
pela intolerância e pelo ataque ao nosso modelo cultural e civilizacional. O
que constitui um contexto de combustão fácil para as forças da intolerância
eventualmente adormecidas em várias franjas das sociedades ocidentais. O terrorismo
islâmico terá representado o pretexto detonador da reação de defesa, que passa
rapidamente desse estatuto a uma descontrolada progressão dos próprios valores
da intolerância.
Mas o que me
atrai no esboço de um quadro estruturado de investigações a desenvolver
apresentado por Daniel Little é o facto de ele sugerir que podem existir traços
da psicologia individual suscetíveis de gerar vulnerabilidade nos indivíduos a
discursos ou propostas políticas incendiarias que promovam o ódio, a intolerância
e a aversão pelo outro diferente. Ou, dito de outra maneira, se haverá fatores
de resiliência e de imunidade individual a essas mesmas tentativas, que
promovam a resistência social a tal degenerescência de comportamentos. Esta via
explicativa pode revelar-se interessante para situar fenómenos de crescimento
de discursos políticos como o do UKIP no Reino Unido, largamente influente no
BREXIT, no próprio Trumpismo e na emergência da extrema-direita europeia, os
quais não crescem apenas em função da magnitude das ameaças. O apoio popular ao
discurso resultará dessas vulnerabilidades individuais, que reforçam os comportamentos
de ódio e reduzem os de tolerância à sua mínima expressão.
O modelo carece
de investigação aprofundada, sobretudo cruzando um quadro de características
psicológicas individuais geradoras de vulnerabilidade com as ameaças sobre as
quais o discurso político incendiário é construído, tais como o terrorismo, a
crise económica, a desigualdade e a crise de confiança nos atores políticos.
E aqui está
um tema em que a investigação social, tão penalizada pela sua remota ligação à
empresa, tem condições para demonstrar o seu valor social.
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