quarta-feira, 27 de julho de 2016

A TRAGICOMÉDIA DAS SANÇÕES




(Mesmo com a revelação de sanções zero, tem razão o amigo Américo Mendes quando escreve hoje no Público que é preocupante a apatia da sociedade civil quanto ao tema das sanções. Talvez mais do que apatia haja um desconcerto revelador de impotência face aos rumos da integração e do País.)

Tantas são as interpretações possíveis sobre este aparente recuo do colégio de Comissários da Comissão Europeia (CE) que a minha posição sobre a revelação da hora de almoço de hoje tem muito de mixed feelings. Não me interessa muito o esgrima político que vai seguir-se no plano interno, com PSD e CDS-PP a procurarem lavar as mãos depois de as terem mergulhado na porcaria e os partidos subscritores do acordo parlamentar à esquerda a tirarem a desforra de dias difíceis nos tempos mais recentes. Interessa-me antes saber se a decisão constitui um recuo tático da CE ou então um recuo mais estratégico no sentido de reforçar a sua posição face à ofensiva descabelada de Conselho, Eurogrupo e Ecofin. Ou então se mais do que a consistente argumentação técnica e política do atual governo pesou a situação política em Espanha, na qual qualquer combustível externo pode lançar o país vizinho numa nova indeterminação infindável para constituir um governo. É verdade que na conferência de imprensa o vice-Presidente letão parecia menos confortável do que o circunspecto Pierre Moscovici que lá foi lançando o argumento de que o povo não compreenderia os desígnios europeus se a via punitiva se tivesse sobreposto à sanção-alerta, acompanhada de algum enquadramento orçamental exigido.

É claro que assistiremos nos próximos dias a interpretações diversas da decisão com a Comissão Europeia a não desistir do aperto fiscal, a exigir medidas adicionais já para este ano de 2016 e o Governo a insistir no controlo da situação. A austeridade será provavelmente uma palavra banida, mas parte da Comissão quererá salvar a face. É uma tragicomédia.

Vencida a matéria das sanções pecuniárias, sobra o eventual congelamento de Fundos Estruturais (FE), medida automática cuja discussão com o Parlamento Europeu poderá ser algo de mais transparente. Do ponto de vista da pura lógica em ambiente de estagnação económica, o congelamento de FE ainda me parece mais iníquo e incompatível com a ajuda necessária do crescimento económico para a consolidação orçamental. A penúria de investimento público é gritante e o congelamento de FE ainda mais agravaria esse cenário, ou seja, precipitando derrapagens que se pretende combater. Mesmo num período de programação em que a dotação para investimentos infraestruturais sofreu valentes cortes, e em que os chamados investimentos imateriais pareciam substituir-se ao velho paradigma do investimento autárquico, os senhores autarcas, que não são propriamente sociedade civil, já se pronunciaram com carta às autoridades europeias, ainda antes da revelação de hoje, produto de verem a sua casa a arder.

Esta questão dos Fundos pia fino.

Em primeiro lugar, haveria que explicar bem as razões do atraso de compromisso e de validação de despesa que se verifica na grande maioria dos programas operacionais. É um mistério. Um mistério tanto mais que nos apresentamos sempre como os pioneiros na apresentação de programas em Bruxelas. Suspeito que possa haver as já conhecidas transições de sistemas de informação de suporte à gestão dos mesmos. Entram as empresas de informática e de sistemas de informação, mudam regulamentos, é preciso alterar sistemas, normalmente ninguém se entende e domina realmente a matéria, entram a funcionar sistemas de informação contingenciais, e até que o sistema esteja a funcionar em condições de cruzeiro é o cabo dos trabalhos. Nunca percebi se isto é incompetência em matéria de sistemas de informação ou se cheira a grandes contratos de prestação de serviços, pois os da consultadoria alimentada pela programação de Fundos está pelas horas da amargura dos preços baixos, fomentadores de pouca qualidade (conflito de interesses com a minha atividade, declaro-o sem reservas). Mas a situação repete-se de período de programação para outro período de programação, o que quer dizer que há alguém pouco interessado em aprender e comunicar os resultados dessa aprendizagem.

Em segundo lugar, seria talvez altura para focar prioridades em resultados amigos do crescimento económico. E não estou a falar apenas dos efeitos diretos dos projetos, isto é, os que são produzidos durante o período da sua maturação, mas envolvo também os seus resultados futuros. O trade-off existente entre a melhoria da qualidade dos resultados do projeto e a necessidade de assegurar execução aos programas existirá sempre e a força do segundo critério tende em regra a favorecer a baixa qualidade dos projetos na perspetiva dos seus resultados futuros e da sua sustentação em termos de menor dispêndio de recursos públicos no futuro. Para quem acompanha estas matérias há muito esta tendência só pode gerar desencanto. Uso normalmente esta graça para caracterizar o avanço dos períodos de programação: no princípio estamos no reino da inovação, tudo é novo e aliciante; depois, aparecem os regulamentos e a lógica administrativa e de controlo centralizado ministerial rapidamente se sobrepõe à inovação; finalmente, na fase final, com a inércia a pensar “deixa-os poisar”, é a necessidade de execução que domina e a tudo se sobrepõe. Ou seja, há um mundo “Yes Minister” em torno dos Fundos Estruturais, com ou sem congelamento.

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