(Mesmo com a
revelação de sanções zero, tem razão o amigo Américo Mendes quando escreve hoje
no Público que é preocupante a apatia da sociedade civil quanto ao tema das
sanções. Talvez mais do
que apatia haja um desconcerto revelador de impotência face aos rumos da
integração e do País.)
Tantas são as
interpretações possíveis sobre este aparente recuo do colégio de Comissários da
Comissão Europeia (CE) que a minha posição sobre a revelação da hora de almoço
de hoje tem muito de mixed feelings.
Não me interessa muito o esgrima político que vai seguir-se no plano interno,
com PSD e CDS-PP a procurarem lavar as mãos depois de as terem mergulhado na
porcaria e os partidos subscritores do acordo parlamentar à esquerda a tirarem
a desforra de dias difíceis nos tempos mais recentes. Interessa-me antes saber
se a decisão constitui um recuo tático da CE ou então um recuo mais estratégico
no sentido de reforçar a sua posição face à ofensiva descabelada de Conselho,
Eurogrupo e Ecofin. Ou então se mais do que a consistente argumentação técnica
e política do atual governo pesou a situação política em Espanha, na qual
qualquer combustível externo pode lançar o país vizinho numa nova
indeterminação infindável para constituir um governo. É verdade que na
conferência de imprensa o vice-Presidente letão parecia menos confortável do
que o circunspecto Pierre Moscovici que lá foi lançando o argumento de que o
povo não compreenderia os desígnios europeus se a via punitiva se tivesse
sobreposto à sanção-alerta, acompanhada de algum enquadramento orçamental exigido.
É claro que assistiremos
nos próximos dias a interpretações diversas da decisão com a Comissão Europeia
a não desistir do aperto fiscal, a exigir medidas adicionais já para este ano
de 2016 e o Governo a insistir no controlo da situação. A austeridade será
provavelmente uma palavra banida, mas parte da Comissão quererá salvar a face. É
uma tragicomédia.
Vencida a matéria das
sanções pecuniárias, sobra o eventual congelamento de Fundos Estruturais (FE),
medida automática cuja discussão com o Parlamento Europeu poderá ser algo de
mais transparente. Do ponto de vista da pura lógica em ambiente de estagnação
económica, o congelamento de FE ainda me parece mais iníquo e incompatível com
a ajuda necessária do crescimento económico para a consolidação orçamental. A
penúria de investimento público é gritante e o congelamento de FE ainda mais
agravaria esse cenário, ou seja, precipitando derrapagens que se pretende
combater. Mesmo num período de programação em que a dotação para investimentos
infraestruturais sofreu valentes cortes, e em que os chamados investimentos
imateriais pareciam substituir-se ao velho paradigma do investimento autárquico,
os senhores autarcas, que não são propriamente sociedade civil, já se
pronunciaram com carta às autoridades europeias, ainda antes da revelação de
hoje, produto de verem a sua casa a arder.
Esta questão dos Fundos
pia fino.
Em primeiro lugar,
haveria que explicar bem as razões do atraso de compromisso e de validação de
despesa que se verifica na grande maioria dos programas operacionais. É um
mistério. Um mistério tanto mais que nos apresentamos sempre como os pioneiros
na apresentação de programas em Bruxelas. Suspeito que possa haver as já
conhecidas transições de sistemas de informação de suporte à gestão dos mesmos.
Entram as empresas de informática e de sistemas de informação, mudam
regulamentos, é preciso alterar sistemas, normalmente ninguém se entende e
domina realmente a matéria, entram a funcionar sistemas de informação
contingenciais, e até que o sistema esteja a funcionar em condições de cruzeiro
é o cabo dos trabalhos. Nunca percebi se isto é incompetência em matéria de
sistemas de informação ou se cheira a grandes contratos de prestação de
serviços, pois os da consultadoria alimentada pela programação de Fundos está
pelas horas da amargura dos preços baixos, fomentadores de pouca qualidade
(conflito de interesses com a minha atividade, declaro-o sem reservas). Mas a
situação repete-se de período de programação para outro período de programação,
o que quer dizer que há alguém pouco interessado em aprender e comunicar os
resultados dessa aprendizagem.
Em segundo lugar, seria
talvez altura para focar prioridades em resultados amigos do crescimento
económico. E não estou a falar apenas dos efeitos diretos dos projetos, isto é,
os que são produzidos durante o período da sua maturação, mas envolvo também os
seus resultados futuros. O trade-off
existente entre a melhoria da qualidade dos resultados do projeto e a
necessidade de assegurar execução aos programas existirá sempre e a força do
segundo critério tende em regra a favorecer a baixa qualidade dos projetos na
perspetiva dos seus resultados futuros e da sua sustentação em termos de menor
dispêndio de recursos públicos no futuro. Para quem acompanha estas matérias há
muito esta tendência só pode gerar desencanto. Uso normalmente esta graça para
caracterizar o avanço dos períodos de programação: no princípio estamos no
reino da inovação, tudo é novo e aliciante; depois, aparecem os regulamentos e
a lógica administrativa e de controlo centralizado ministerial rapidamente se
sobrepõe à inovação; finalmente, na fase final, com a inércia a pensar
“deixa-os poisar”, é a necessidade de execução que domina e a tudo se sobrepõe.
Ou seja, há um mundo “Yes Minister”
em torno dos Fundos Estruturais, com ou sem congelamento.
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