sábado, 9 de julho de 2016

O ESTADO DA NAÇÃO




(Na antecâmara de uma vitória redentora de toda uma emigração ou da mais profunda deceção, uma reflexão paradoxal sobre os problemas da Nação …)

Gostaria que a discussão do estado da Nação tivesse a suportá-la uma análise mais profunda do estado da economia e da sociedade, e não a cacofonia do costume, produzida pelos que reduzem o futuro do país ao horizonte imediatista do facto político. É uma prática que não temos e que seria muito saudável prosseguirmos, mas vá lá alguém convencer a alternância política em Portugal para traçar esses caminhos.

É claro que a Comissão Europeia e restantes instituições comunitárias encarregaram-se desta vez de fazer parte dessa cacofonia, com a mais prodigiosa revelação do tipo de contradições que estão instaladas na construção europeia. A questão das sanções e o diferente modo como o tema é glosado pelas diferentes instâncias do poder comunitário mostram à evidência como as tensões na relação de forças na União estão ao rubro. O único Plano B que tem sentido em Portugal é termos um plano contingencial para um desmembramento total do edifício europeu, porque o sinal do que está em curso aponta nessa direção. Em meu entender, o perigo disto tudo está em que nos apeguemos à evidência do desconcerto externo para continuarmos a alimentar uma visão desfocada dos nossos próprios problemas. O risco é real e mesmo um governo liderado pela habilidade política de António Costa dá sinais de que não ficará à margem dessa tentação.

Não é seguramente no âmbito de áreas como a saúde, a justiça e a educação que se situam as grandes fragilidades. Nestas áreas, a alternância democrática introduz sempre alguma turbulência, mas não será por aí que as fragilidades da governação instabilizarão o estado da Nação. É óbvio que os constrangimentos orçamentais e a tradicional dependência desses setores da despesa pública implicarão sempre soluções subótimas, com algum corporativismo de atores a ajudar à missa. Mas estou em crer que mesmo o ministro da Educação encontrará a sua rota. Há problemas estruturais por resolver, designadamente a definição do verdadeiro lugar que deve caber à saúde privada no sistema público de saúde. Mas ainda assim não serão estas as grandes questões desta legislatura, interrompida ou não, veremos.

É antes o estado da economia e a sua distorcida relação com um não menos distorcido sistema financeiro. O governo transmite uma visão do curso das coisas nas empresas e na sua luta diária com um mundo cada vez mais indeterminado que está ela própria distorcida, sobrevalorizando claramente o que está efetivamente a passar-se em termos de mudança. O modo como se tem torrado pura e simplesmente dinheiro no sistema financeiro para este continuar a financiar tudo o que é menos importante do que o investimento produtivo brada aos céus. A Caixa é a cereja envenenada em cima do bolo azedo e bafiento. Não tenho qualquer informação privilegiada sobre o caso, mas começa a cheirar-me a esturro o sucessivo protelamento da tomada de posse da nova direção da Caixa. Tanta “competência” nos nomes indicados e dou comigo a perguntar o que é que nos garante que a Caixa vá funcionar de maneira diferente.

Por muito que custe a António Costa e à sua proatividade, não será apenas com start-up’s tecnológicos e revolução digital que o mundo empresarial vai funcionar de modo diferente. Não há ninguém com experiência de trabalho nesse mundo que aceite esta visão idílica de como as coisas vão ser transformadas. Por outro lado, e em relação direta com esta questão, o estado de execução efetiva dos Fundos Estruturais, em termos de despesa efetivamente validada, isto é com possibilidade de reembolso aos atores económicos e não só, é calamitoso. Ainda há dias, a CCDR-N comunicava que, com dados reportados a março de 2016, o Programa Operacional Norte tinha apenas cerca de 20 milhões de euros de despesa validada para um compromisso (aprovação) de cerca de 225 milhões de euros. Meus senhores, em quase dois anos, isto é muito pouco, muito pouco mesmo.

Como é óbvio, o governo não pode substituir-se às empresas, mas pode considerar a empresa o foco de muitas políticas, com relevo particular para a de investigação e desenvolvimento tecnológico. O que não pode é fazer passar uma visão do que se passa no terreno que os próprios homens de terreno não reconhecem.

Este é para mim o verdadeiro problema do estado da Nação.

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