domingo, 31 de julho de 2016

MARTHA NUSSBAUM




(Os Profiles da New Yorker são uma peça crucial para o conhecimento da sociedade contemporânea. A jornalista Rachel Aviv assina na New Yorker de 25 de julho um documento imperdível sobre a intelectual americana Martha Nussbaum.)

Em dois momentos bastante afastados da minha formação intelectual, tive contacto mais aprofundado com a obra diversificada (mais ampla do que alguma vez pensara) de Martha Nussbaum, socióloga americana.

Primeiro, nos meus estudos iniciais de economia do desenvolvimento e em torno da obra de Amartya Sen (Nobel no ano em que Saramago o foi), aprofundei os trabalhos de Nussbaum sobre a conceptualização do que deveríamos entender por qualidade de vida. Nussbaum trabalhou o célebre conceito de capabilities de Sen (com o qual teve aliás uma relação afetiva) e procurou na época, para além de explorar filosoficamente a matéria, formular um conjunto de capabilities universais, que pudessem ser consideradas universais na garantia de padrões mínimos de qualidade de vida a todos, independentemente da sociedade em que se inseriam. Já na altura fiquei impressionado com a trajetória inversa à do relativismo cultural que o pós-modernismo começava a disseminar que Nussbaum prosseguia. A sua tentativa ia no sentido de procurar universalidades onde outros buscavam especificidades e isso sempre me atraiu. São elucidativas as inúmeras controvérsias que Nussbaum tem mantido com as feministas americanas mais agressivas.

Largos anos depois, e já muito próximo dos dias de hoje, a leitura da sua obra “Not for Profit” constituiu um marco da minha incursão mais profissional do que de investigação pelos temas da educação. Martha defendia apaixonadamente a ideia de que a formação não deveria limitar-se a matérias associadas à tecnicidade e produtividade e que os temas da formação cívica, da criatividade e do que convencionou designar-se de “liberal arts”. Cada vez mais me identifico com esta questão, dentro da linha de combater formações vulneráveis à obsolescência do conhecimento e promover a aprendizagem ao longo da vida.

O perfil-reportagem-entrevista de Rachel Aviv a Martha Nussbaum é um documento raro na medida em que nos contextualiza (até ao mundo das suas relações familiares) a evolução do seu pensamento tão diversificado e sobretudo a sua espantosa capacidade de trabalho (sessenta e nova anos, vinte e quatro livros, quinhentos e nove artigos, cinquenta e sete graus honoríficos, é obra só para alguns eleitos).

Em obra tão diversificada, há uma regularidade que começa a emergir com toda a clareza. Martha Nussbaum constrói um pensamento filosófico, sociológico, político e cívico em função dos mais vulneráveis e das condições concretas de vida desses mais vulneráveis.

É nessa linha que se aguarda a sua nova obra sobre o envelhecimento e o novo tipo de vulnerabilidades que essa condição determina. Como eu a aprecio e admiro. A entrevista dá já algumas dicas sobre o que pode esperar-se desta nova frente.

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