(Os Profiles da
New Yorker são uma peça crucial para o conhecimento da sociedade contemporânea.
A jornalista Rachel Aviv assina na New Yorker de 25 de julho um documento imperdível sobre a intelectual
americana Martha Nussbaum.)
Em dois momentos bastante
afastados da minha formação intelectual, tive contacto mais aprofundado com a
obra diversificada (mais ampla do que alguma vez pensara) de Martha Nussbaum, socióloga
americana.
Primeiro, nos meus
estudos iniciais de economia do desenvolvimento e em torno da obra de Amartya Sen
(Nobel no ano em que Saramago o foi), aprofundei os trabalhos de Nussbaum sobre
a conceptualização do que deveríamos entender por qualidade de vida. Nussbaum
trabalhou o célebre conceito de capabilities de Sen (com o qual teve aliás uma
relação afetiva) e procurou na época, para além de explorar filosoficamente a
matéria, formular um conjunto de capabilities universais, que pudessem ser
consideradas universais na garantia de padrões mínimos de qualidade de vida a
todos, independentemente da sociedade em que se inseriam. Já na altura fiquei
impressionado com a trajetória inversa à do relativismo cultural que o pós-modernismo
começava a disseminar que Nussbaum prosseguia. A sua tentativa ia no sentido de
procurar universalidades onde outros buscavam especificidades e isso sempre me
atraiu. São elucidativas as inúmeras controvérsias que Nussbaum tem mantido com
as feministas americanas mais agressivas.
Largos anos depois, e já
muito próximo dos dias de hoje, a leitura da sua obra “Not for Profit” constituiu um marco da minha incursão mais profissional
do que de investigação pelos temas da educação. Martha defendia apaixonadamente
a ideia de que a formação não deveria limitar-se a matérias associadas à tecnicidade
e produtividade e que os temas da formação cívica, da criatividade e do que
convencionou designar-se de “liberal arts”.
Cada vez mais me identifico com esta questão, dentro da linha de combater
formações vulneráveis à obsolescência do conhecimento e promover a aprendizagem
ao longo da vida.
O perfil-reportagem-entrevista
de Rachel Aviv a Martha Nussbaum é um documento raro na medida em que nos contextualiza
(até ao mundo das suas relações familiares) a evolução do seu pensamento tão
diversificado e sobretudo a sua espantosa capacidade de trabalho (sessenta e
nova anos, vinte e quatro livros, quinhentos e nove artigos, cinquenta e sete graus
honoríficos, é obra só para alguns eleitos).
Em obra tão diversificada,
há uma regularidade que começa a emergir com toda a clareza. Martha Nussbaum constrói
um pensamento filosófico, sociológico, político e cívico em função dos mais vulneráveis
e das condições concretas de vida desses mais vulneráveis.
É nessa linha que se
aguarda a sua nova obra sobre o envelhecimento e o novo tipo de
vulnerabilidades que essa condição determina. Como eu a aprecio e admiro. A
entrevista dá já algumas dicas sobre o que pode esperar-se desta nova frente.
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