(Para lá da ameaça
bárbara do terror, o que pode
antecipar-se como consequências políticas é assustador)
A farta e
diversificada vegetação que envolve a minha casa de Seixas parece confundida
com tamanha canícula. A modorra estival que me domina poderia naturalmente
conduzir-me a reflexões mais soltas e descontraídas, mas não. São os terríveis
acontecimentos de Nice, parcialmente interrompidos pela agitação turca, que me pressionam
para a escrita, tamanha é a perturbação que me provocaram. François Hollande
certamente que pretenderia um outro tipo de notoriedade para contrabalançar a
sua queda a pique nas intenções de voto dos franceses para as próximas
presidenciais. Mas a dinâmica do terrorismo islâmico, mesmo que ameaçado na
origem, é bem mais saltitante do que a melhor programada comunicação presidencial.
Por isso, o infeliz Presidente, que desejaria seguramente uma outra História, lá
se vai aprumando, sem um cabelo que seja fora do sítio, retirando e colocando
de novo o estado de exceção, confortando os franceses, apelando à Unidade, prometendo
o que manifestamente não pode cumprir, tão heterodoxa é a ameaça e tão
desumanos são os golpes que se sucedem.
Duas ideias
emergem de toda esta barbárie.
Primeiro, a
nova regularidade. O Estado Islâmico está decidido a violentar a civilização urbana
ocidental, ferindo-a nos seus símbolos urbanos mais profundos, do lazer ao
trabalho. A França está na mira e isso seria suficiente para lhe prestarmos a
mais ampla solidariedade. O Boulevard des Anglais é um dos símbolos do lazer em
França, do nosso imaginário estival, a que se juntou o golpe no dia nacional da
França. A barbárie de Nice tanto pode representar um sinal de desespero dos seus
autores, como representar uma nova trajetória para o terror.
Segundo, cada
vez mais é relevante a questão de saber o que vale uma informação obtida pelos
serviços de inteligência nacionais. Já sabíamos que a coordenação europeia e internacional
estará, nesta matéria, muito provavelmente cheia de falhas e bloqueios a uma
circulação eficaz da informação. No caso francês, começa-se a desconfiar que as
ineficiências internas quando forem reveladas representarão uma outra bomba. O
significado da informação é algo que me fascina. O que vale a informação é indissociável
do contexto em que ela é interpretada e daí aquela sensação frequente de se
concluir que afinal os autores dos atentados já eram referenciados. Pois. A
mesma informação adquire todo um outro significado quando é colocada numa
interpretação a posteriori ou no
contexto em que é recolhida. A dificuldade, e há técnicas para isso, consiste
em minimizar o contexto da indeterminação em que a informação é recolhida,
atribuindo significado a dimensões da informação que verdadeiramente a
posteriori serão plenamente esclarecidos.
Mas a questão
mais preocupante é o facto da aleatoriedade do terrorismo urbano ser o combustível
que a direita securitária, nacionalista e xenófoba precisa para fazer despertar
os demónios da rejeição e, frequentemente, da eliminação do outro. Receio que
esse combustível acabe por arrefecer a coragem dos que não estão dispostos a
ceder nos valores da tolerância e da convivialidade.
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