sábado, 16 de julho de 2016

AS IMPLICAÇÕES DO TERROR URBANO




(Para lá da ameaça bárbara do terror, o que pode antecipar-se como consequências políticas é assustador)

A farta e diversificada vegetação que envolve a minha casa de Seixas parece confundida com tamanha canícula. A modorra estival que me domina poderia naturalmente conduzir-me a reflexões mais soltas e descontraídas, mas não. São os terríveis acontecimentos de Nice, parcialmente interrompidos pela agitação turca, que me pressionam para a escrita, tamanha é a perturbação que me provocaram. François Hollande certamente que pretenderia um outro tipo de notoriedade para contrabalançar a sua queda a pique nas intenções de voto dos franceses para as próximas presidenciais. Mas a dinâmica do terrorismo islâmico, mesmo que ameaçado na origem, é bem mais saltitante do que a melhor programada comunicação presidencial. Por isso, o infeliz Presidente, que desejaria seguramente uma outra História, lá se vai aprumando, sem um cabelo que seja fora do sítio, retirando e colocando de novo o estado de exceção, confortando os franceses, apelando à Unidade, prometendo o que manifestamente não pode cumprir, tão heterodoxa é a ameaça e tão desumanos são os golpes que se sucedem.

Duas ideias emergem de toda esta barbárie.

Primeiro, a nova regularidade. O Estado Islâmico está decidido a violentar a civilização urbana ocidental, ferindo-a nos seus símbolos urbanos mais profundos, do lazer ao trabalho. A França está na mira e isso seria suficiente para lhe prestarmos a mais ampla solidariedade. O Boulevard des Anglais é um dos símbolos do lazer em França, do nosso imaginário estival, a que se juntou o golpe no dia nacional da França. A barbárie de Nice tanto pode representar um sinal de desespero dos seus autores, como representar uma nova trajetória para o terror.

Segundo, cada vez mais é relevante a questão de saber o que vale uma informação obtida pelos serviços de inteligência nacionais. Já sabíamos que a coordenação europeia e internacional estará, nesta matéria, muito provavelmente cheia de falhas e bloqueios a uma circulação eficaz da informação. No caso francês, começa-se a desconfiar que as ineficiências internas quando forem reveladas representarão uma outra bomba. O significado da informação é algo que me fascina. O que vale a informação é indissociável do contexto em que ela é interpretada e daí aquela sensação frequente de se concluir que afinal os autores dos atentados já eram referenciados. Pois. A mesma informação adquire todo um outro significado quando é colocada numa interpretação a posteriori ou no contexto em que é recolhida. A dificuldade, e há técnicas para isso, consiste em minimizar o contexto da indeterminação em que a informação é recolhida, atribuindo significado a dimensões da informação que verdadeiramente a posteriori serão plenamente esclarecidos.

Mas a questão mais preocupante é o facto da aleatoriedade do terrorismo urbano ser o combustível que a direita securitária, nacionalista e xenófoba precisa para fazer despertar os demónios da rejeição e, frequentemente, da eliminação do outro. Receio que esse combustível acabe por arrefecer a coragem dos que não estão dispostos a ceder nos valores da tolerância e da convivialidade.

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