(Entre o material
dos jornais de fim de semana há vasta matéria para compreender como o sistema
financeiro e as peripécias em que tem estado envolvido colocam a transparência
e accountability no grau zero. No meio de tanta incerteza e falta de transparência, uma coisa emerge com
clareza. A pretensa competência da elite financeira deixa bastante a desejar)
Se há matéria
em que a informação de suporte à vigilância democrática do interesse público não
é credível é a que diz respeito às sucessivas evidências de que, como dizia esta
semana o governador do Banco de Portugal, o sistema financeiro se tornou capturável.
Do embuste que foi a primeira intervenção sobre a saúde do sistema financeiro
realizada com parte da tranche que o memorando da Troika lhe havia destinado, passando
pelo descalabro fraudulento do BES e pela opereta trágico-cómica da venda do Novo
Banco, até aos casos mais recentes do BANIF e da CAIXA, o cidadão anónimo
assiste atónito ao mais completo desrespeito por uma informação firme e
transparente, que sirva a opinião pública democrática. E nem os inquéritos
parlamentares têm contribuído decisivamente para a correção dessa lacuna grave
da democracia portuguesa. As coisas começam com boas intenções, mas os inquéritos
parlamentares transformam-se rapidamente em operações da mais pura chicana política.
A coisa tem piorado no
caso da Caixa. Informação oficial e relevante é trazida para a opinião pelo canário
comentador Marques Mendes, como se alguém lhe tenha encomendado o sermão de
comunicar por linhas tortas o que as instituições com responsabilidade na matéria
deveriam assumir, tão preocupadas elas andam com a baixa literacia financeira. O
Expresso de hoje é um manancial de informação sobre o assunto. A fazer fé no
jornal que costuma andar bem informado sobre a matéria, o BCE terá desancado no
plano de recapitalização que o anunciado CEO indicado pelo Governo para a Caixa
terá enviado às autoridades comunitárias.
Assisti com alguma
indiferença ao coro de unanimidade que se formou em torno do nome de António
Domingues para liderar o futuro Conselho de Administração da Caixa. O supra
sumo da competência, alguém que finalmente dá a indicação de que finalmente
estará ao leme alguém que será totalmente imune a qualquer pressão política
vinda dos lados do governo. Nestas coisas estou muito escaldado e não tenho dúvidas
de que a presunção de que a nossa elite financeira merece ser remunerada aos
padrões internacionais e não à paridade do poder de compra e em função da situação
do país é um grandessíssimo embuste. Ora, vieram-me aos ouvidos notícias de que
as sucessivas imposições feitas pelo indigitado CEO da Caixa têm colocado o Conselho
de Ministros com os cabelos em pé. E a avaliação pelo BCE sobre o plano de recapitalização
concebido por tão iluminada cabeça ainda mais avoluma as minhas dúvidas. O que é
que levará tão competente e iluminada figura a propor um plano de recapitalização
acima das reais necessidades da instituição financeira? Um humilde e anónimo
cidadão pode bem pensar que tal comportamento que mexe nos recursos públicos
(quando eles escasseiam) com este à vontade visa influenciar à partida o campo
e as condições do jogo em que deveria demonstrar a sua propagada competência. O
que me levanta as mais sérias suspeitas.
Por isso, no meio de tanta
indeterminação, incerteza e falta de informação transparente, o que luz de modo
cristalino é a profunda e infundada presunção de competência da elite financeira.
Claro que são esses mesmos os que se apressam imediatamente que a reivindicação
de informação clara e transparente é coisa que não pode ser assegurada pois
perturba negócios e negociações (curiosamente estas duas palavras têm a mesma
raiz).
P.S. Uma nota final para
dar conta da manifesta desorientação em que pressupostamente se encontra a investigação
judicial cujo desfecho paira sobre a cabeça de José Sócrates. Uma de duas: ou a
investigação judicial não permite que ela se torne matéria de interpretação
jornalística ou, pressupondo que a sistemática violação do segredo de justiça
provém obviamente do setor judicial, o que resulta do material vertido para a
comunicação é uma completa desorientação. Espanta que só agora as ligações
entre o BES e a PT com a OPA da SONAE na berlinda venham à baila. Tanto tempo
passou e pelos vistos o material com que a defesa de José Sócrates foi
confrontada não contemplava esta matéria? Isto cheira-me a esturro.
Sem comentários:
Enviar um comentário