sábado, 23 de julho de 2016

A PRESUNÇÃO DA ELITE FINANCEIRA




(Entre o material dos jornais de fim de semana há vasta matéria para compreender como o sistema financeiro e as peripécias em que tem estado envolvido colocam a transparência e accountability no grau zero. No meio de tanta incerteza e falta de transparência, uma coisa emerge com clareza. A pretensa competência da elite financeira deixa bastante a desejar)

Se há matéria em que a informação de suporte à vigilância democrática do interesse público não é credível é a que diz respeito às sucessivas evidências de que, como dizia esta semana o governador do Banco de Portugal, o sistema financeiro se tornou capturável. Do embuste que foi a primeira intervenção sobre a saúde do sistema financeiro realizada com parte da tranche que o memorando da Troika lhe havia destinado, passando pelo descalabro fraudulento do BES e pela opereta trágico-cómica da venda do Novo Banco, até aos casos mais recentes do BANIF e da CAIXA, o cidadão anónimo assiste atónito ao mais completo desrespeito por uma informação firme e transparente, que sirva a opinião pública democrática. E nem os inquéritos parlamentares têm contribuído decisivamente para a correção dessa lacuna grave da democracia portuguesa. As coisas começam com boas intenções, mas os inquéritos parlamentares transformam-se rapidamente em operações da mais pura chicana política.

A coisa tem piorado no caso da Caixa. Informação oficial e relevante é trazida para a opinião pelo canário comentador Marques Mendes, como se alguém lhe tenha encomendado o sermão de comunicar por linhas tortas o que as instituições com responsabilidade na matéria deveriam assumir, tão preocupadas elas andam com a baixa literacia financeira. O Expresso de hoje é um manancial de informação sobre o assunto. A fazer fé no jornal que costuma andar bem informado sobre a matéria, o BCE terá desancado no plano de recapitalização que o anunciado CEO indicado pelo Governo para a Caixa terá enviado às autoridades comunitárias.

Assisti com alguma indiferença ao coro de unanimidade que se formou em torno do nome de António Domingues para liderar o futuro Conselho de Administração da Caixa. O supra sumo da competência, alguém que finalmente dá a indicação de que finalmente estará ao leme alguém que será totalmente imune a qualquer pressão política vinda dos lados do governo. Nestas coisas estou muito escaldado e não tenho dúvidas de que a presunção de que a nossa elite financeira merece ser remunerada aos padrões internacionais e não à paridade do poder de compra e em função da situação do país é um grandessíssimo embuste. Ora, vieram-me aos ouvidos notícias de que as sucessivas imposições feitas pelo indigitado CEO da Caixa têm colocado o Conselho de Ministros com os cabelos em pé. E a avaliação pelo BCE sobre o plano de recapitalização concebido por tão iluminada cabeça ainda mais avoluma as minhas dúvidas. O que é que levará tão competente e iluminada figura a propor um plano de recapitalização acima das reais necessidades da instituição financeira? Um humilde e anónimo cidadão pode bem pensar que tal comportamento que mexe nos recursos públicos (quando eles escasseiam) com este à vontade visa influenciar à partida o campo e as condições do jogo em que deveria demonstrar a sua propagada competência. O que me levanta as mais sérias suspeitas.

Por isso, no meio de tanta indeterminação, incerteza e falta de informação transparente, o que luz de modo cristalino é a profunda e infundada presunção de competência da elite financeira. Claro que são esses mesmos os que se apressam imediatamente que a reivindicação de informação clara e transparente é coisa que não pode ser assegurada pois perturba negócios e negociações (curiosamente estas duas palavras têm a mesma raiz).

P.S. Uma nota final para dar conta da manifesta desorientação em que pressupostamente se encontra a investigação judicial cujo desfecho paira sobre a cabeça de José Sócrates. Uma de duas: ou a investigação judicial não permite que ela se torne matéria de interpretação jornalística ou, pressupondo que a sistemática violação do segredo de justiça provém obviamente do setor judicial, o que resulta do material vertido para a comunicação é uma completa desorientação. Espanta que só agora as ligações entre o BES e a PT com a OPA da SONAE na berlinda venham à baila. Tanto tempo passou e pelos vistos o material com que a defesa de José Sócrates foi confrontada não contemplava esta matéria? Isto cheira-me a esturro.

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