À boleia de um junho que já disso fora abundante, julho foi um mês por demais rico em evidências gritantes quanto à crescente insanidade deste mundo mais ou menos imundo. Entre acontecimentos gravíssimos e outros ainda só potencialmente graves, escolho revisitar aqui três menos visivelmente traumáticos no imediato curto prazo. Começo pela nomeação de Boris (também conhecido por BoJo) para o Foreign Office, um facto que o título noticioso do “Daily Mirror” tão bem exprime na sua essência (Dear World... Sorry) – um quadro em que as reações de convergência na estupefação foram inúmeras, da do antigo líder dos liberais Paddy Ashdown (“a nomeação mais idiota desde que Calígula nomeou cônsul o seu cavalo”) à do ex-primeiro-ministro sueco Carl Bildt (“Adoraria que fosse uma piada, mas temo que não o seja...”) ou à do primeiro-ministro turco Yildirim (“Que Deus venha em ajuda de Boris Johnson e o transforme”). O dito BoJo é realmente um personagem extravagante, alguém cuja maior força curricular na matéria reside na multiplicação de gafes e insultos que tem produzido desde que é gente na política britânica – como quando se referiu a Hillary Clinton (“uma loura artificial, de lábios inchados e olhar azul de aço, como uma enfermeira sádica num hospital psiquiátrico”) ou acusou Barack Obama de ter uma “repulsa ancestral pelo império britânico ligada às suas origens parcialmente quenianas”, já para não falar de descrições tipificantes dos “negritos” da Commonwealth, das “orgias canibais” da Papuásia ou dos “sorrisos de melancia” dos africanos.
(cartoon de Klaus Stuttmann, http://www.tagesspiegel.de)
Em segundo lugar, aponte-se a intentona na Turquia. Um acontecimento cujo grau de perigosidade em termos de impacto sobre a estabilidade dos equilíbrios políticos internacionais é incomensurável e pode mesmo vir a tornar-se explosivo. Por ora, ficam o engavetamento da democracia, a desmultiplicação de prisões e os variados abusos de poder que vão sendo verificados, mas o restabelecimento da pena de morte já está ao virar da esquina e a Rússia e o Daesh também já não escondem as suas melhores expectativas quanto ao que de positivo lhes poderá sobrar por via da situação turca. Ironizemos então um pouco enquanto não é chegada a ocasião para lamentos inconformáveis.
(cartoons de James
Ferguson, http://www.ft.com, Pierre Kroll, http://www.lesoir.be e
Jeremy Banks, “Banx”, http://www.ft.com)
Por último, last but not least, a consumada nomeação republicana de Donald Trump. Dispensando, aliás, grandes alegações para além da que o velho “Libé” explicitou em título: “Cem Dias para o Parar”. E não adianta gostar, gostar menos ou até desgostar de Hillary porque – como o próprio Sanders (que magnífica campanha!) já reconheceu – terá de ser ela ou não poderá ser mais ninguém a alcançar aquele objetivo determinante de parar o homem e as ameaças que transporta. Ou seja, e sem subterfúgios: a liberdade e a paz no mundo dependem largamente disso vir a ocorrer...
(cartoons de Emilio Giannelli, http://www.corriere.it,
Jean Plantu, http://lemonde.fr e Matt Kenyon, http://www.ft.com, fotomontagens de Jacky Naegelen – “After the Kisses!” – e de William
Duke e Brandon Griffin – “Urinoir Trump”)
Planeava ter acabado por aqui. E já talvez bastasse em mero modo de apoio à minha tese inicial. Só que algo me impele ainda para a existência de uma outra deriva possível a contrapor à do populismo e dos riscos mais ou menos (in)controláveis de instabilidade. Uma deriva que, ou muito me engano (o que obviamente espero!), ou voltará a passar pelo meio desta nossa irreconhecível e incorrigível Europa...
(Cristina
Salgado, http://expresso.sapo.pt)
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