quinta-feira, 14 de julho de 2016

A ESPANHA NÃO É PORTUGAL


(Se estamos à espera da solidariedade de Guindos e do PP espanhol poderemos esperar sentados, e não adianta contar com uma Europa solidária, por muito que nos custe e isso possa atiçar os quebrantos do PCP e do Bloco)

Não sei exatamente em que contexto e o conhecimento resulta de uma intervenção de António Costa em Setúbal, o ministro das Finanças espanhol Guindos, o tal que aspiraria à presidência creio que do Eurogrupo, terá produzido a já por muitas outras vezes reiterada máxima de “não me confundas por favor” então com o alvo na Grécia. Como o tempo do entusiasmo pelos patinhos feios que marcam golos que são um autêntico hino à perfeição está a terminar, o Espanha não é Portugal tem algo de crónica anunciada. Tão grave, aliás, como o foi em tempos o repelente português das estrelas do PAF que Portugal não era a Grécia. Em ambos os casos, há a particularidade que se calhar não é coincidência de que ambos “chega-te para lá” saem de governos associados ao PPE e dirigidas a situações de governo não canónicas, ou seja a subida do radicalismo do SYRIZA ao poder na Grécia e uma maioria parlamentar de esquerda no Parlamento em Portugal. Ao preço de saldo a que a solidariedade europeia chegou e à clareza cristalina com que essa variável perdeu peso nas orientações do diretório europeu ou da hegemonia alemã, não me espanta que outros “chega-te para lá” possam ser declarados à medida que o grupo dos países em dificuldades possa crescer. E a situação é tanto mais grave quanto mais na situação política portuguesa essa quebra de solidariedade é o único argumento que PSD e CDS têm para esgrimir como estratégia de regresso ao poder. Ou seja, aquilo que dizemos que tarda em emergir, uma política transnacional, ela está já a acontecer no que respeita à identificação da política defendida pelo PPE com alguns projetos políticos em alguns estados-membros que recebem das orientações europeias uma ajuda não só preciosa, mas imprescindível para a sua sobrevivência. A esquerda está a anos-luz dessa possibilidade, até porque pactuou cumplicemente com a estratégia do PPE e acordou tarde para a camisa-de-forças em que voluntariamente se meteu.

E, como é óbvio, afastado o casamento de conveniência da solidariedade intraeuropeia, a Espanha não é mesmo Portugal por muito que António Costa não se fique e zurza na experiência espanhola a propósito da incapacidade de ter Governo. Mas o exemplo escolhido por António Costa não é o mais feliz. A razão é que por mais que se invoque o problema da incerteza com a falta de um governo, a diferença da Espanha está precisamente nisso. A economia espanhola, apesar da cronicamente elevada taxa de desemprego (mas isso é assunto para outras conversas) responde a essa incerteza com alguma robustez, questão que Portugal mesmo com governo legítimo não se pode orgulhar. Não é esta a ocasião apropriada para nos interrogarmos sobre as causas dessa diferença. Mas a questão dimensão do mercado nacional (com a capitalidade de Madrid a explorar a mesma), a robustez do sistema financeira (atacada mais seriamente do que as cócegas realizadas ao sistema português para não incomodar poderosos), o melhor domínio das condições de comercialização e distribuição e a própria diversidade do engenho regional espanhol são realidades que contrastam bem com as nossas equivalentes debilidades.

Por isso, apesar do troco correto com que Costa brindou as declarações de Guindos, a verdade é que há mesmo diferenças e, por isso, ainda que devamos nos bater por uma Europa mais solidária, convém estar ciente das diferenças. Não queria ser alarmista, mas conviria não confiar demasiado na capacidade ilimitada do BCE de adquirir dívida pública nacional.

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