quarta-feira, 20 de julho de 2016

A RESILIÊNCIA DE RAJOY E O PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA DA ESQUERDA EM ESPANHA




(A nova legislatura em Espanha ainda vai no adro, mas os protagonistas da procissão estão agora melhor definidos)

A nova legislatura em Espanha deu ontem o primeiro passo para que se cumpra o esperado debate da investidura a 2 de agosto, em plena canícula de Madrid. O PP de Rajoy e de Santamaría conseguiu ontem com inesperada facilidade a eleição das presidências do Congresso de Deputados (Ana Pastor) e do Senado (Pío García-Escudero). Particularmente marcante foi a relativa facilidade com que Ana Pastor (uma amizade de longa data com Rajoy e uma personalidade que se tem mantido saudavelmente à margem de tudo que é escândalo de corrupção no PP) conquistou a presidência do Congresso. Não é uma vitória qualquer, porque do outro lado da barricada estava Patxi López do PSOE, que ocupava esse lugar na legislatura anterior, e que considero ser a única personalidade com capacidade para dar ao PSOE um impulso reorientador.

A vitória de Pastor sobre López não foi tangencial e, de acordo com a leitura das interpretações de um voto que é secreto, ela só terá sido possível com o apoio e abstenção de forças independentistas, pasme-se, incluindo catalães e Partido Nacionalista Basco. Ora, esta aparente guinada nas posições independentistas só poderá ter uma das duas interpretações, cada uma das quais é pior do ponto de vista dos interesses do PSOE. Primeiro, pode ter havido alguma inesperada negociação de bastidores entre o PP e as forças independentistas, abrindo margem para finalmente se encontrar algum reforço das autonomias e por essa via estancar o maior radicalismo dos que querem proclamar independência à margem dos preceitos constitucionais. Se tiver sido este o caso, o PSOE sofre um abalo não sei se é telúrico mas forte. O PSOE sempre se apresentou como a única força política capaz de estruturar a Espanha das Nações e das autonomias, dado o centralismo endémico do PP. Segundo, o que pode ter ocorrido é as forças independentistas terem antecipado a irrelevância política do PSOE e o desatino do PODEMOS nesta nova legislatura e terem arrepiado caminho noutra direção. Ambas as possibilidades consagram uma trajetória de irrelevância política para o PSOE, convidativa a uma hibernação tática, para recuperar forças e encontrar uma liderança que vá para além do rosto simpático, jovem e informal de Sánchez.

Confirmam-se os meus vaticínios de posts anteriores. A inexistência de um PCP em Espanha determina que não haja aproximação possível entre o PSOE e o PODEMOS, criando a impossibilidade física e cultural de aparecer uma solução de governação inspirada na alternativa que Costa preparou. E é a ideia de uma irrelevância da esquerda para algum tempo que pode estar a ser preparada. O PODEMOS continuará entretido entre o localismo e a capitalização de algum protesto, com Pablo Iglésias a pôr e a tirar gravata, refinando a experimentação do seu próprio tratado de ciência política.

O primeiro passo da eleição das presidências do Congresso e do Senado não significa que o Rei vá ter vida fácil na construção de uma solução de governo. Mas creio que com a aproximação PP – CIUDADANOS que funcionou nestas eleições de mesa e com a eventual nova atitude das forças independentistas o PSOE terá extrema dificuldade em não abster-se e não viabilizar a governação de Rajoy e Santamaría. Resta saber se o fará com algumas exigências. Se o PSOE tender, pelo contrário, para a precipitação de umas terceiras eleições, então isso soará a suicídio e aí a trajetória da irrelevância acentuar-se-á dramaticamente com o reforço óbvio do PP nessas eventuais novas eleições. Tudo se compõe para que o PSOE tenha a sua cura de rejuvenescimento de ideias mais do que etária. Para António Costa não é o melhor cenário, pois precisaria de um PSOE ativo na questão europeia a partir da governação e não apenas a partir da Internacional Socialista. Mas é melhor esse interregno do que a irrelevância no tempo longo.

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