segunda-feira, 14 de novembro de 2016

FUKUYAMA PARECE ESGOTADO




(O controverso autor do pretenso fim da história analisa os EUA da era Trump e as possíveis alterações da posição americana no que ainda não sabemos se configura uma nova ordem económica mundial, mas o artigo no Financial Times não anuncia nada de novo, ou pelo menos de substancialmente novo …)

O cientista político que associou a democracia liberal à controversa ideia do “fim da história” tem tido fortes e variados motivos para uma revisão da sua tese. O artigo recente (11 de novembro) no Financial Times é uma tentativa ainda muito incipiente de análise do que pode representar o fenómeno Trump do ponto de vista do futuro da tal democracia liberal que gerou a sua tese.

Fukuyama constata que a era Trump pode representar o início de uma nova ordem, de nacionalismo populista ou de populismo nacionalista, que pode gerar uma perigosa competição entre nacionalismos que respondem e enquadram populações em fúria, acossados pelos efeitos não controlados e regulados da tal democracia liberal que impôs por via da globalização e do seu modelo um modelo único para todos danos consideráveis que acordaram o que ele chama de “maiorias democráticas furiosas e enérgicas”. Sem estudos mais aprofundados, parece-me algo prematuro interpretar o choque entre Hillary e Trump apenas como a divisão irreversível entre as cidades educadas e vibrantes do litoral oeste e este e o mundo rural e das pequenas cidades. Apesar de os referir, não me parece que estejam ainda devidamente estudadas as reviravoltas políticas da Pensilvânia, do Michigan e do Wisconsin, de base essencialmente industrial e onde o “divide” é mais complexo. A clivagem cidades grandes, educadas e vibrantes versus mundo rural e das pequenas cidades é utilizada por Fukuyama para alargar a sua explicação do populismo do Brexit, do nacionalismo lepeniano em França e até de outros fenómenos populistas como o russo de Putin, o turco de Erdogan e o húngaro de Viktor Orban. Parece estar implícito no argumento de Fukuyama que o nível de educação dos cidadãos constitui hoje o fator de classe mais relevante, estabelecendo o alcance da fratura social, que a globalização dos ganhadores e perdedores tende a impulsionar.

O autor americano faz uma espécie de mea culpa quando reconhece que a ordem mundial liberal não assegurou os tão esperados efeitos “trickle down” a toda a população, efeito largamente expandido com a crise financeira de 2007-2008, a crise do Euro e a explosão do efeito migrações e refugiados internacionais. Todos estes fatores combustíveis terão agravado segundo Fukuyama o choque entre elites e trabalhadores mais duramente atingidos, com incapacidade nos EUA do Partido Democrata e na Europa dos partidos da social-democracia e do socialismo democrático de gerar condições de representação condigna dos interesses dos mais atingidos pelo jogo global do win-lose. O autor americano não apresenta qualquer razão consistente para essa perda de representação dos partidos da social-democracia, triturando os Democratas americanos com a classificação de uma identidade política entre mulheres, afro-americanos, hispânicos, ambientalistas e comunidades gay e lésbicas, ou seja sem integração plena das questões económicas e do mercado de trabalho, com o Partido Republicano dominado pelos interesses das grandes empresas e do 1% mais rico da população americana.

Onde o artigo começa a abrir pistas relevantes, a carecerem uma revisita mais aprofundada, é a explicação da razão de emergirem neste contexto as manifestações identitárias nacionais, de rejeição da miscigenação com outras culturas e credos. O que levanta a questão de saber se a mobilização conseguida por Trump se baseia na capitalização destas emergências de nacionalismo identitário ou se pelo contrário cavalgou as perdas de emprego e de rendimento de uma larga fração da população americana (25% da população eleitora que votou Trump, desconhecendo qualquer estudo das razões da abstenção de cerca de 54% da população eleitora).

A parte final do artigo explora o tema mais incerto que é o do posicionamento que os EUA da era Trump vão ter na ordem económica internacional, pressupondo que vingam as interrogações sobre a referida ordem económica liberal. Há qualquer coisa de estranho no facto dos EUA poderem cavalgar o nacionalismo económico mais primário, o que me levanta pelo menos a curiosidade de saber como reagirá a essa possibilidade o peso das grandes corporações na base política dos Republicanos, contra a qual aparentemente Trump rompeu.

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