(O controverso autor
do pretenso fim da história analisa os EUA da era Trump e as possíveis alterações
da posição americana no que ainda não sabemos se configura uma nova ordem económica
mundial, mas o artigo no
Financial Times não anuncia nada de novo, ou pelo menos de substancialmente
novo …)
O cientista
político que associou a democracia liberal à controversa ideia do “fim da história”
tem tido fortes e variados motivos para uma revisão da sua tese. O artigo recente (11 de novembro) no Financial Times é uma tentativa ainda muito incipiente
de análise do que pode representar o fenómeno Trump do ponto de vista do futuro
da tal democracia liberal que gerou a sua tese.
Fukuyama constata
que a era Trump pode representar o início de uma nova ordem, de nacionalismo
populista ou de populismo nacionalista, que pode gerar uma perigosa competição entre
nacionalismos que respondem e enquadram populações em fúria, acossados pelos
efeitos não controlados e regulados da tal democracia liberal que impôs por via
da globalização e do seu modelo um modelo único para todos danos consideráveis
que acordaram o que ele chama de “maiorias democráticas furiosas e enérgicas”. Sem
estudos mais aprofundados, parece-me algo prematuro interpretar o choque entre
Hillary e Trump apenas como a divisão irreversível entre as cidades educadas e vibrantes
do litoral oeste e este e o mundo rural e das pequenas cidades. Apesar de os
referir, não me parece que estejam ainda devidamente estudadas as reviravoltas
políticas da Pensilvânia, do Michigan e do Wisconsin, de base essencialmente
industrial e onde o “divide” é mais
complexo. A clivagem cidades grandes,
educadas e vibrantes versus mundo
rural e das pequenas cidades é utilizada por Fukuyama para alargar a sua explicação
do populismo do Brexit, do nacionalismo lepeniano em França e até de outros fenómenos
populistas como o russo de Putin, o turco de Erdogan e o húngaro de Viktor Orban.
Parece estar implícito no argumento de Fukuyama que o nível de educação dos
cidadãos constitui hoje o fator de classe mais relevante, estabelecendo o
alcance da fratura social, que a globalização dos ganhadores e perdedores tende
a impulsionar.
O autor
americano faz uma espécie de mea culpa
quando reconhece que a ordem mundial liberal não assegurou os tão esperados
efeitos “trickle down” a toda a população,
efeito largamente expandido com a crise financeira de 2007-2008, a crise do
Euro e a explosão do efeito migrações e refugiados internacionais. Todos estes
fatores combustíveis terão agravado segundo Fukuyama o choque entre elites e trabalhadores
mais duramente atingidos, com incapacidade nos EUA do Partido Democrata e na
Europa dos partidos da social-democracia e do socialismo democrático de gerar condições
de representação condigna dos interesses dos mais atingidos pelo jogo global do
win-lose. O autor americano não
apresenta qualquer razão consistente para essa perda de representação dos
partidos da social-democracia, triturando os Democratas americanos com a classificação
de uma identidade política entre mulheres, afro-americanos, hispânicos, ambientalistas
e comunidades gay e lésbicas, ou seja sem integração plena das questões económicas
e do mercado de trabalho, com o Partido Republicano dominado pelos interesses
das grandes empresas e do 1% mais rico da população americana.
Onde o artigo
começa a abrir pistas relevantes, a carecerem uma revisita mais aprofundada, é a
explicação da razão de emergirem neste contexto as manifestações identitárias
nacionais, de rejeição da miscigenação com outras culturas e credos. O que
levanta a questão de saber se a mobilização conseguida por Trump se baseia na
capitalização destas emergências de nacionalismo identitário ou se pelo contrário
cavalgou as perdas de emprego e de rendimento de uma larga fração da população
americana (25% da população eleitora que votou Trump, desconhecendo qualquer
estudo das razões da abstenção de cerca de 54% da população eleitora).
A parte
final do artigo explora o tema mais incerto que é o do posicionamento que os
EUA da era Trump vão ter na ordem económica internacional, pressupondo que
vingam as interrogações sobre a referida ordem económica liberal. Há qualquer
coisa de estranho no facto dos EUA poderem cavalgar o nacionalismo económico
mais primário, o que me levanta pelo menos a curiosidade de saber como reagirá
a essa possibilidade o peso das grandes corporações na base política dos Republicanos,
contra a qual aparentemente Trump rompeu.
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