terça-feira, 29 de novembro de 2016

A LUA E O DEDO




(Brad DeLong tem no Project Syndicate um curioso artigo em que Pascal Lamy, antigo presidente da Organização Mundial do Comércio, cita a utilização de um provérbio budista, para distinguir entre a globalização e o funcionamento mais geral do capitalismo …)

O provérbio budista diz mais ou menos o seguinte: “Enquanto o filósofo aponta para a lua, o louco olha para o dedo”. Segundo Lamy, a lua seria a economia de mercado capitalista e o dedo a globalização.

Compreende-se a alegoria. O risco estaria na confusão implícita entre os rumos do capitalismo e os da globalização, que emergiu sobretudo como sequela da deriva que resultou da globalização ter sido aprofundada desenfreadamente, sem ter em conta dois outros aspetos com os quais a economia de mercado coexistiu na sua era de ouro de crescimento económico, a relevância do Estado-nação e a democracia com as condições associadas de defesa dos interesses do mundo do trabalho. Explorando a alegoria budista de Lamy, a deriva da globalização ter-se-ia traduzido na confusão entre o dedo e a lua, ou seja na perigosa tentativa de fazer da globalização o estádio supremo do capitalismo e da economia de mercado.

Assistimos hoje, do primarismo de Trump aos nacionalismos que grassam na Europa, a um sério recuo nos discursos racionalizadores da globalização. O drama trágico que nos assiste consiste em que esse recuo não significa a vitória dos “filósofos” olhando para a lua (a economia capitalista de mercado). Aliás, não sabemos exatamente a que esse recuo do discurso racionalizador da globalização corresponde. Não é líquido que possa corresponder a uma reconsideração inspiradora do capitalismo. O que a história nos ensina é que quando a integração económica foi deliberadamente suspendida ou mesmo invertida o resultado foi social e politicamente desastroso. Para além disso, sabemos que a manipulação do comércio internacional no sentido de assegurar o domínio de outros países por via externa fez parte da ascensão nazi na Alemanha, o que é manifestamente uma má companhia.

Os filósofos estão pela hora da morte e escasseiam aqueles que nos possam indicar solidamente a lua, trabalhando o caráter mais inclusivo e distributivo da economia de mercado, a sua sustentabilidade ambiental como oportunidade e uma gestão mais negociada e participada da globalização, contrariando a deriva da financeirização.

Temos ainda um problema sério para resolver em torno dos rendimentos decrescentes do progresso tecnológico (como o sugere Robert J. Gordon na sua obra monumental sobre o estancamento do crescimento americano), que podem ser eventualmente contrariados pela relevância do progresso técnico baseado na ciência que estará longe de corresponder ao epitáfio proposto por Gordon. Joel Mokyr (Northwestern University – USA), que acaba de publicar uma fascinante obra sobre as origens da cultura de crescimento na moderna economia, apresenta também no Project Syndicate uma visão bem mais esperançosa nas virtualidades do progresso técnico puxado pela ciência, a qual exige segundo ele algum tempo de maturação para apagar os baixos números de evolução da produtividade global dos fatores que enquadra a reflexão de Gordon.


Há por isso matéria bastante e relevante para não confundir o dedo e a lua. A globalização terá ido para alguns longe de mais ou, melhor ainda, terá evoluído demasiado depressa, puxada pelos interesses e estratégias das empresas globais. Faltarão os filósofos para nos guiar na direção certa?

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