(Brad DeLong tem no Project Syndicate um curioso artigo em que Pascal Lamy, antigo presidente da
Organização Mundial do Comércio, cita a utilização de um provérbio budista, para distinguir entre a globalização e o
funcionamento mais geral do capitalismo …)
O provérbio budista diz mais ou menos o seguinte: “Enquanto o filósofo aponta
para a lua, o louco olha para o dedo”. Segundo Lamy, a lua seria a economia de
mercado capitalista e o dedo a globalização.
Compreende-se a alegoria. O risco estaria na confusão implícita entre os
rumos do capitalismo e os da globalização, que emergiu sobretudo como sequela da
deriva que resultou da globalização ter sido aprofundada desenfreadamente, sem
ter em conta dois outros aspetos com os quais a economia de mercado coexistiu
na sua era de ouro de crescimento económico, a relevância do Estado-nação e a
democracia com as condições associadas de defesa dos interesses do mundo do trabalho.
Explorando a alegoria budista de Lamy, a deriva da globalização ter-se-ia
traduzido na confusão entre o dedo e a lua, ou seja na perigosa tentativa de
fazer da globalização o estádio supremo do capitalismo e da economia de
mercado.
Assistimos hoje, do primarismo de Trump aos nacionalismos que grassam na
Europa, a um sério recuo nos discursos racionalizadores da globalização. O drama
trágico que nos assiste consiste em que esse recuo não significa a vitória dos “filósofos”
olhando para a lua (a economia capitalista de mercado). Aliás, não sabemos
exatamente a que esse recuo do discurso racionalizador da globalização corresponde.
Não é líquido que possa corresponder a uma reconsideração inspiradora do capitalismo.
O que a história nos ensina é que quando a integração económica foi deliberadamente
suspendida ou mesmo invertida o resultado foi social e politicamente desastroso.
Para além disso, sabemos que a manipulação do comércio internacional no sentido
de assegurar o domínio de outros países por via externa fez parte da ascensão nazi
na Alemanha, o que é manifestamente uma má companhia.
Os filósofos estão pela hora da morte e escasseiam aqueles que nos possam
indicar solidamente a lua, trabalhando o caráter mais inclusivo e distributivo
da economia de mercado, a sua sustentabilidade ambiental como oportunidade e uma
gestão mais negociada e participada da globalização, contrariando a deriva da
financeirização.
Temos ainda um problema sério para resolver em torno dos rendimentos
decrescentes do progresso tecnológico (como o sugere Robert J. Gordon na sua
obra monumental sobre o estancamento do crescimento americano), que podem ser
eventualmente contrariados pela relevância do progresso técnico baseado na ciência
que estará longe de corresponder ao epitáfio proposto por Gordon. Joel Mokyr (Northwestern
University – USA), que acaba de publicar uma fascinante obra sobre as origens
da cultura de crescimento na moderna economia, apresenta também no Project Syndicate uma visão bem mais esperançosa
nas virtualidades do progresso técnico puxado pela ciência, a qual exige
segundo ele algum tempo de maturação para apagar os baixos números de evolução
da produtividade global dos fatores que enquadra a reflexão de Gordon.
Há por isso matéria bastante e relevante para não confundir o dedo e a lua.
A globalização terá ido para alguns longe de mais ou, melhor ainda, terá evoluído
demasiado depressa, puxada pelos interesses e estratégias das empresas globais.
Faltarão os filósofos para nos guiar na direção certa?
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