(À boleia de um
artigo de Ross Douthat no New York Times, sugerido por alguém que gosta de
pensar “fora da caixa”, encontrei
uma boa maneira de encerrar o comentário às eleições americanas antes da longa
noite de hoje)
A forma que
o cronista do NYT Ross Douthat encontrou para caracterizar o primarismo da abordagem
política e eleitoral de Donald Trump parece-me exemplar.
A noite da
incerteza eleitoral vai ser longa e a mecânica eleitoral americana tanto pode
proporcionar a Hillary Clinton uma ampla vitória como nos fazer despertar para
um longo pesadelo.
A minha preocupação
não está tanto no risco de um cataclismo político determinado por uma possível
vitória. Está antes no reconhecimento de que, embora Trump seja travado pelos
eleitores americanos, a massa crítica de ressabiamento e de marginalização que
constitui a sua base eleitoral de apoio e que destruiu o Partido Republicano
como o conhecemos ficará lá, existe, é palpável e até pode sociologicamente ser
estimada e identificada. Há pouco, numa daquelas entrevistas à distância que SIC
Notícias realizou na antecâmara do dia de hoje, uma jovem portuguesa radicada
nos EUA há algum tempo confessava ir votar em Trump como alternativa a não ter
podido votar Bernie Sanders. É óbvio que gente desmiolada existe por todo o
lado, mas interessou-me sobretudo o argumento da falta de confiança na
candidata Hillary, como se Trump fosse de confiança, tal qual piloto suicida
que conduz o avião para o embate de todos os embates.
“We’ve tried sane, let’s try crazy”. Uma boa imagem
do desespero primário que não deve ser estudado como fenómeno marginal ou
particular, mas que é o resultado da derrocada total do princípio de que na
globalização só há ganhadores, a perfeição do win-win.
O artigo de Douthat, embora colocando a nu a imprevisibilidade suicida do candidato Trump,
que transforma em gritos de loucura anti-sistema as mais despudoradas manipulações
da realidade, não é meigo para Hillary e não o é pela sua pretensa falta de
carisma e de empatia com as pessoas. Os perigos de Hillary segundo Douthat resultariam
da sua possível identificação com a leitura das elites construída em função de
verdades que se resultaram não de uma avaliação fundamentada e racional mas de
uma convicção partilhada por alguns. E a grande experiência de governação de
Hillary e o facto de ser uma mulher experiente presta-se à avaliação dos seus
registos de coerência. Douthat fala de posições de Hillary alinhadas com a
elite política americana em matérias como o posicionamento face à Rússia, desde
as posições mais suaves até as atualmente mais duras e inflexíveis.
Mas apesar
dos eventuais perigos de Hillary e se os aceitarmos como inevitáveis, então a
escolha será entre tais riscos e os da boçalidade imprevisível e fascizante do “let’s try crazy “ de Trump. A escolha é demasiado
óbvia. Mulheres, hispânicos e “millennials” dessa América profunda levantem o
rabo das cadeiras e votem optando pelo risco menor.
Estou
demasiado cansado para uma noitada eleitoral. Veremos o que me reserva o
despertar às sete.
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