(As controversas
peripécias em torno da Caixa Geral de Depósitos começam a cheirar mal, mas para além do risco de tudo acabar mal, há
uma matéria que vale a pena inscrever para debate, o que é afinal o gestor de
um banco público?)
A evolução
do caso CGD inscreve-se naquilo que os ingleses chamam de “disgusting”. O governo (utilizo esta expressão pois é um mistério
se a negociação tem a marca Centeno ou se tem a cobertura inicial do
primeiro-Ministro) optou por ir ao mercado buscar uma excelência de gestão reconhecida
pelo mercado para suportar a negociação com as autoridades de Bruxelas e de
Franckfurt. Até aí nada a opor. Mas daí a comprometer-se com exigências que, admito
a controvérsia de interpretação legislativa, roçam o incumprimento da lei não
lembraria ao diabo. E, pelos vistos, a excelência do gestor reconhecida pelo mercado
vinha acompanhada de outros atributos pouco recomendáveis, como a arrogância e
a presunção de estar acima de todo e qualquer escrutínio. A partir do momento
em que a controvérsia estalou, abriu-se uma caixa de Pandora de chorrilhos inconcebíveis,
do tipo mais diversificado. A direita, com Passos à cabeça, cavalga um pretenso
moralismo remuneratório e de escrutínio e, gostaria de saber as razões,
atira-se a António Domingues como se de um inimigo figadal se tratasse. À
esquerda do PS, continua a imaginar-se que um banco público é uma espécie de instituição
mágica, imune às condições de concorrência e de regulação fortíssimas que pesam
hoje sobre a atividade bancária, compreendendo eu que os salários astronómicos
do gestor teriam que suscitar sempre a reação natural de PCP e Bloco. No PS, a
confusão parece instalada, tendo que digerir a negociação de cócoras que o
governo terá feito com António Domingues e, simultaneamente, apelar para a
necessidade de cumprir preceitos constitucionais que o seu próprio governo
parece ter desvalorizado. Domingues, e certamente a sua equipa de confiança, saíram
melhor do que a encomenda e ninguém entende a sua relutância de escapar ao
escrutínio da entrega das famigeradas declarações de rendimento e património,
relutância que só suscita dúvidas, mesmo que possam ser infundadas. No meio disto
tudo, Marcelo, o Presidente, parece condenado a ter de protagonizar o bom senso
e alertou para a necessidade de respeitar os preceitos constitucionais. E, finalmente,
quem diria, o Tribunal Constitucional emerge como o salvador potencial da argolada
em que o governo se colocou e que pode correr mal. Não me admiraria que a arrogância
de Domingues e companhia acabasse por bater a porta e aí sabe-se lá o que
espera a CGD. Pior não seria possível e o que é mais inacreditável é que tudo
isto se passa depois do Governo ter conseguido uma lança em África ao negociar
com êxito a capitalização da instituição.
De todo este
multidistribuído desconchavo, fica apenas uma questão que vale a pena ser
discutida com profundidade. Dando de barato que a gestão de um banco público
estruturante do sistema financeiro e que se insere num mercado concorrencial e
que suporta como qualquer outro a regulação nacional e europeia deve ser
encontrada entre os melhores que o mercado oferece, a questão que se coloca é a
seguinte: deve esse gestor ser considerado um gestor público ou um gestor
privado? A resposta que emerge do desconchavo atrás referido é muito
diversificada. Alguma esquerda responde que é um gestor público e que por isso há
limites à equiparação com as condições de mercado dos gestores bancários privados,
como se o funcionamento de um banco público tivesse de obedecer a objetivos políticos
bem definidos. Não é essa a minha interpretação. Que se trata de um gestor público
não me oferece dúvidas, pois são recursos públicos que o acionista Estado
utiliza para assumir essa função. A capitalização em curso mostra-o à evidência.
Mas que o gestor público da CGA não é exatamente equivalente à de um gestor público
de uma empresa que oferece bens públicos também não tenho dúvidas. O crédito não
é propriamente um bem público. Essa diferença justifica a diferença remuneratória,
com as reservas do bom senso, mas não é de molde a dispensar as exigências de
escrutínio público. A comunicação política desta razoabilidade ao cidadão comum
teria dispensado todo o desconchavo criado. Talvez Domingues tivesse recusado. É
possível. Mas não está demonstrado que o Gestor fosse o único e gostaria que
alguém me demonstrasse que a personalidade Domingues tenha influenciado decisivamente
a negociação com Bruxelas.
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