quarta-feira, 23 de novembro de 2016

SISMO POTENCIAL: EPICENTRO ITÁLIA

(O referendo italiano de 4 de dezembro de 2016)


(Espera-se o pior de um referendo que é um em três: pode cavar a fratura irreversível do país, mostra a degradação da maneira como as populações encaram a União Europeia e pode acender de vez o rastilho do populismo nacionalista…)

Já nos habituámos que a Itália seja desconcertante pelo seu melhor e também pelo seu pior. De Itália veio a esperança de uma liderança capaz de trazer alguma novidade à esquerda socialista e social-democrata. Matteo Renzi protagonizou uma chegada ao poder atípica, mas para tempos atípicos … Alguma frescura emergiu no discurso político. Não andou pelos corredores de Bruxelas a pedir batatinhas, embora haja alguma condescendência por algo similar ao “too big to fail”. Ensaiou alguma resistência ao modelo “one fits all”, muito generalizado nas instituições europeias, ganhando por isso alguma projeção entre as fracas lideranças nesse universo. Mas, no plano interno, Renzi está muito longe de ter à sua frente uma passadeira vermelha. Talvez numa tentativa algo desesperada para recuperar o controlo da situação, o primeiro-Ministro italiano coloca a sua cabeça num referendo a 4 de dezembro, centrado em reformas constitucionais, que passam pela reconfiguração do Senado para um órgão mais consultivo e alterações de relacionamento e de competências entre regiões e governo central. É difícil no plano atual seguir as sondagens que se publicam do ponto de vista da sua credibilidade de antecipação de resultados. Mas, pelo que se vai conhecendo, o risco de derrota é forte, o que a verificar-se significa, de acordo com palavras anteriores do próprio Renzi, eleições pela certa em 2017, já que a derrota no referendo equivalerá a uma desautorização em toda a linha do projeto de mudança por ele concebido.

Porém, dificilmente a derrota no referendo sobre as propostas de reforma constitucional podem ser entendidas como primeiro passo para uma normal alternância democrática. A Itália está politicamente esfrangalhada, o que diga-se não será novidade de tomo para os italianos em geral. A Democracia Cristã apagou-se no bafio do passado e nos salpicos da corrução. A direita parece estar em profunda revolução, não se sabe exatamente o que é, depois de Berlusconi ter aberto o caminho para o pior e, muito provavelmente, os que mais capitalizarão uma possível derrota de Renzi serão o movimento populista do 5 Estrelas, no poder em algumas cidades e os separatistas potenciais da Liga. A Itália está entregue “aos bichos” e não sei o que recear mais, se o fracasso de Renzi, a fratura possível da Itália ou o abismo europeu. O ambiente começa a ficar irrespirável.

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