(O referendo italiano de 4 de dezembro de 2016)
(Espera-se o pior
de um referendo que é um em três: pode cavar a fratura irreversível do país, mostra a degradação da
maneira como as populações encaram a União Europeia e pode acender de vez o
rastilho do populismo nacionalista…)
Já nos habituámos que a Itália seja desconcertante pelo seu melhor e também
pelo seu pior. De Itália veio a esperança de uma liderança capaz de trazer
alguma novidade à esquerda socialista e social-democrata. Matteo Renzi protagonizou
uma chegada ao poder atípica, mas para tempos atípicos … Alguma frescura
emergiu no discurso político. Não andou pelos corredores de Bruxelas a pedir
batatinhas, embora haja alguma condescendência por algo similar ao “too big to fail”. Ensaiou alguma resistência
ao modelo “one fits all”, muito generalizado
nas instituições europeias, ganhando por isso alguma projeção entre as fracas
lideranças nesse universo. Mas, no plano interno, Renzi está muito longe de ter
à sua frente uma passadeira vermelha. Talvez numa tentativa algo desesperada
para recuperar o controlo da situação, o primeiro-Ministro italiano coloca a
sua cabeça num referendo a 4 de dezembro, centrado em reformas constitucionais,
que passam pela reconfiguração do Senado para um órgão mais consultivo e alterações
de relacionamento e de competências entre regiões e governo central. É difícil
no plano atual seguir as sondagens que se publicam do ponto de vista da sua credibilidade
de antecipação de resultados. Mas, pelo que se vai conhecendo, o risco de
derrota é forte, o que a verificar-se significa, de acordo com palavras
anteriores do próprio Renzi, eleições pela certa em 2017, já que a derrota no
referendo equivalerá a uma desautorização em toda a linha do projeto de mudança
por ele concebido.
Porém, dificilmente a derrota no referendo sobre as propostas de reforma
constitucional podem ser entendidas como primeiro passo para uma normal alternância
democrática. A Itália está politicamente esfrangalhada, o que diga-se não será novidade
de tomo para os italianos em geral. A Democracia Cristã apagou-se no bafio do
passado e nos salpicos da corrução. A direita parece estar em profunda revolução,
não se sabe exatamente o que é, depois de Berlusconi ter aberto o caminho para
o pior e, muito provavelmente, os que mais capitalizarão uma possível derrota
de Renzi serão o movimento populista do 5 Estrelas, no poder em algumas cidades
e os separatistas potenciais da Liga. A Itália está entregue “aos bichos” e não
sei o que recear mais, se o fracasso de Renzi, a fratura possível da Itália ou
o abismo europeu. O ambiente começa a ficar irrespirável.
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