(Estará
praticamente tudo dito sobre o revolucionário romântico para uns, ditador
implacável para outros, mas
ainda assim há espaço para algumas reflexões de epitáfio mais sobre o mito do
que propriamente sobre a pessoa…)
Fidel de Castro encarna na sua longa vida o que de mais romântico e
esperançoso pode ser associado a uma rebelião armada contra a opressão de um
povo e o mais tenebroso e persecutório em que regra geral o poder revolucionário
se transforma quando nele permanece e se reproduz. São duas faces de algo uno e
indissociável. Por isso, os festejos patéticos dos gringos de Miami e as
manifestações de pesar que algumas franjas da população cubana irão
protagonizar fazem parte dessa dualidade contraditória, una e indissociável.
Para o domínio do não verificável de que a história está obviamente cheia
ficará a questão de saber se a transição cubana poderia ter sido de outra natureza
sem o isolamento e o cerco económico que a influência americana determinou. Cuba
é na história das evidências o caso mais representativo do “trade-off” que, na economia global,
acaba por se constituir entre o aumento generalizado dos níveis de instrução,
de saúde e de tentativa de satisfação de necessidades básicas e os imperativos da
liberdade económica e política que uma maior integração no mundo teria que
representar. Cuba é também a última evidência representativa na história da
incapacidade de uma revolução armada garantir à sua população níveis de
diversificação de consumo, não propriamente replicantes do prevalecente na
economia de mercado (não esquecendo as desigualdades de acesso), mas pelo menos
garantindo índices básicos de diversificação desse consumo. Cuba é ainda a evidência
da deriva em que se colocam os partidos da revolução armada ou que dela se
consideram os legítimos representantes.
A morte de Fidel, que já acontecera há muito em termos de garante do regime,
é assim uma espécie de fim da história romântica que marcou as revoluções no
terceiro mundo contra os regimes opressores e abençoados pela inteligência dos
mercados. Dessa experiência fica um povo de notável resiliência, parte do qual
será provavelmente mais feliz à medida que o regime se for transformando, a não
ser que a pressão internacional e sobretudo americana da era Trump conduza de
novo o castrismo a fechar-se sobre si próprio e a seguir a via da repressão violenta.
Fica um povo com índices de escolarização e de condições de baixa mortalidade infantil
pouco comuns no então chamado Terceiro Mundo.
Por todas estas razões, a esquerda que viveu ideologicamente, mesmo à distância,
a experiência cubana, a sua alvorada promissora e a negrura do seu declínio, terá
sempre “mixed feelings” sobre o
desaparecimento de Fidel, pois é o fim de uma certa história, estando sempre
mais perto da resiliência da população que enfrentou as derivas da tirania do
que das reações simiescas dos “gringos” de Miami.
Sem comentários:
Enviar um comentário