AFINAL O QUE É UM BANCO PÚBLICO?
(Diz-se que o que
começa mal não acaba bem e estava escrito que a Caixa iria dar para o torto, mas no meio de tanta algazarra, para todos
os gostos e feitios, há algo que me preocupa, é que ninguém parece saber efetivamente
o que é e o que pretende do banco público, a não ser os que dominam o tráfico
de influências…)
Domingues e parte da sua equipa deram à sola. As forças da direita e a
vaidade do Bloco (parceiros instáveis de acordo e o que seria se estivessem na
governação) tiveram no parlamento uma tarde e anoitecer de glória, porque
afinal acabaram por se sobrepor aos ditames do Tribunal Constitucional. O
cronista do Reino Mendes veio comunicar à populaça que Domingues e a sua equipa
se sentiram ofendidos com a deliberação da Assembleia e houve quem dissesse
(terei ouvido bem?) que, no caso do Parlamento não deliberasse nesse sentido, a
equipa de Domingues teria acabado provavelmente por entregar a declaração de
rendimentos e de património. Isto parece mais uma ópera bufa. O governo faz de
conta e assobia para o lado, refugiando-se numa postura de Estado (agora?). A
direita, particularmente o PSD, cavalga desesperado esta brecha, afinal não tem
mais nada para dizer, até dói a grotesca postura de oposição em que o PSD se
colocou, numa patética esperança de que o tempo passe depressa e que o filme
não tenha de ser rebobinado.
Já se percebeu que a personagem Domingues não me impressiona, não só devido
a uma postura que, se não é de arrogância pura e dura, disfarça muito bem.
Impressiona-me a ligeireza com que os masters
do emprego privado nas instituições financeiras imaginam que é possível gerir
recursos públicos, exigindo as mesmas regalias e supra-imaginárias
remunerações, o que para mim é um excelente indicador da deficiente compreensão
dos limites e relações entre o público e o privado.
Mas no meio desta ópera bufa, o que mais me inquieta é que, perante tanta
convicção na defesa do banco público, é difícil encontrar alguém que saiba
efetivamente o que fazer de um banco público com a dimensão da Caixa,
imaginando que a recapitalização chega a bom porto e fique em condições para
funcionar.
O que espera o Governo da Caixa?
É a preservação sistémica da estabilidade do sistema financeiro que se
procura, estimulando pela concorrência na procura de recursos a banca privada a
comportamentos mais sólidos e menos lesivos dessa instabilidade?
Ou pretende-se que a Caixa seja o parceiro fundamental de apoio de crédito
a projetos empresariais que correspondam ao modelo económico de promoção de
melhores condições de competitividade na economia mundial, fazendo da Caixa por
exemplo um parceiro estratégico rigoroso do financiamento da internacionalização
das empresas portuguesas?
Sabemos que não queremos uma Caixa do tipo da que personagens como Carlos
Santos Ferreira, Armando Vara e outros amanuenses da gestão financeira
exercitaram, com financiamento de operações que não se compreendem numa
instituição bancária privada de confiança, muito menos num banco público. Mas
para que a defesa da opção banco público esteja firme entre os portugueses
talvez fosse conveniente ser mais claro naquilo que se pretende que ela seja. Afinal,
as duas opções que constam dos dois últimos parágrafos anteriores não se
reconduzem a apoiar projetos inviáveis. A Caixa não vai operar num mercado à
parte. Vai operar no mesmo mercado em que operam as suas principais
concorrentes. Vai estar sujeita aos mesmos constrangimentos e regras apertadas
de supervisão bancária europeia, enfrentando os mesmos desafios no seu
refinanciamento internacional. Com tudo isto, parece ser a hora de menos
discursos de bandeira e tempo de mais rigor e clareza nos objetivos que se
prosseguem. Não sabemos que mandato Domingues terá recebido. Não sabemos também
em que argumentos se baseia o tal parecer alternativo que dava a Domingues a convicção
(seria mesmo convicção) de que não estava sujeito à obrigatoriedade de entrega
de declarações de rendimento e de património.
Sabemos de facto muito pouco de coisas fundamentais para compreender o
alcance de ter um banco público na economia portuguesa de hoje. De chicana política
estamos fartos.
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