sexta-feira, 4 de novembro de 2016

WOODY BOBBY PERDIDO ENTRE VERONICAS


Principalmente Kristen Stewart e também Blake Lively não são a única coisa esplendorosa de “Café Society”, o último filme de Woody Allen (WA) em cartaz. Porque, ao contrário do que se tornou uma moda fácil na boca da maioria dos exigentes e implacáveis críticos de cinema da nossa praça, o génio de WA enquanto realizador só por muito más razões pode alguma vez ser reduzido a banalidades desconexas como “curva descendente”, “desinspiração”, “tosco imitador” ou, pior, “grau zero”. E porque, mesmo podendo aceitar que se me faça uma acusação de um certo desvio de parcialidade (já que é bem verdade que antes cair em graça do que ser engraçado), não consigo deixar de sempre encontrar numa obra como a de WA, mais feita de variações do que de inovações (numa feliz imagem de uma das mais recentes crónicas de Pedro Mexia no “Expresso”), aqueles pormenores simultaneamente deliciosos e cheios de profundidade que fazem dele um contribuinte líquido para aumentos anuais de bem-estar não alienante.

Talvez até possa estar de acordo em que se diga que “Match Point” (2005) foi o momento mais alto de WA neste século. Mas definitivamente que de todo não poderei aderir à fácil simplicidade de se afirmar que “’Café Society’ é apenas um descafeinado, um vago sucedâneo de um produto original que, esforçando-se por imitá-lo em todos os pontos, está longe de ter o mesmo sabor e de fazer o mesmo efeito”. Chamo em meu auxílio alguns excertos preciosos de Pedro Mexia: (i) “Não esperem nada de novo: temos as mães neurasténicas, as casas esplêndidas dos endinheirados, os triângulos amorosos, os gangsters encantadores, os intelectuais ridículos, os debates sobre a imortalidade, a aversão a Los Angeles, a cinefilia, nostalgia dos tempos dourados que talvez não fossem assim tão dourados.”; (ii) “Em ‘Café Society’ há um jovem ingénuo e canhestro, um bom rapaz, e há uma rapariga lânguida e triste. Ele é Jesse Eisenberg, o mais conseguido alter ego de Woody, todo introversão e maneirismos, e ela uma Kristen Stewart lindíssima e tocante. Bobby e Vonnie têm tudo para ser um casal, mas ela prefere outro homem, mais velho, e acaba por ficar com esse homem.”; (iii) “E o mais memorável do filme não são os desencontros cómicos e acelerados dos dois jovens mas o seu reencontro uns anos depois, um reencontro melancólico, embebido na luz baça dos ‘caminhos não percorridos’. Porque eles se transformaram no oposto do que gostariam de ter sido, e concebem a hipótese miraculosa, e talvez impossível, de reacender tudo, com aquela alegria dos jantares, concertos e passeios noturnos de que Woody tem o segredo.”

Termino com um dos dois críticos (o outro foi Jorge Leitão Ramos) que por cá encontrei a saudarem “Café Society”, Eurico de Barros: “’Café Society’ é um filme de uma simplicidade aparente, enganadora. Woody Allen, no cinema, equivale a um ‘chef’ consagrado que aparece num daqueles concursos de culinária das televisões e que faz um prato muito complexo, cheio de ingredientes, saborosíssimo e de apresentação imaculada, com a naturalidade de quem está a fazer ovos estrelados com ‘bacon’. Está tudo na escolha, combinação e confecção dos ingredientes na medida perfeita, o mesmo é dizer, no caso de ‘Café Society’, da história e dos diálogos, dos ‘décors’, dos intérpretes, do registo, da banda sonora e da reconstituição de época. A que depois é aplicado o extra do toque experimentado e único do cineasta, patente num leve movimento de câmara, numa subtil mas pungente notação emocional, numa pontuação visual quase impercetível.” Subscrevo e recomendo.

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