domingo, 28 de outubro de 2018

A ESPESSURA DE MURTA


Uma das coisas mais estimulantes que me aconteceram na semana finda foi a oportunidade que tive de ouvir o António Murta no “Fórum do Outono” do INESC TEC. Para terem uma pálida ideia da riqueza da sua comunicação, cheia de desafios, preocupações e reservas, aqui deixo um excerto transcrito de uma entrevista sua que funcionou como uma espécie de pré-lançamento: “A inteligência artificial hoje é narrow, é estreita. Mas vai alargar e vai-se tornar mais genérica e, à medida que ela se torna mais genérica, obviamente que, para todos os efeitos, colocada nas mãos erradas pode ser perigosa. Como eu costumo dizer, a inteligência artificial – toda a tecnologia – é amoral e quem tem de ser moral são os homens e as mulheres. Portanto, é nesse sentido que eu brinco com as palavras e digo que mais perigoso do que a superinteligência artificial é a estupidez natural. E ainda mais perigoso é superinteligência artificial nas mãos de estupidez natural.” No contexto, falou-nos do que “não podemos saber”, da incapacidade dos seres humanos para compreenderem a sua ignorância ou de “ciência na prateleira” versus ciência aplicada. E deixou-nos uma imensidão de sugestões úteis de leitura mais ou menos “fora da caixa”, entre “a sociedade do custo marginal zero” e o mundo de oligopólios (ou até de monopólios) em fabricação, digital mind e machine learning, computação quântica e autonomous weapons, crime escalável e cibersegurança, redes sociais como ameaça à democracia e lições para o século XXI.

Concluo com um outro excerto daquela mesma entrevista, este mais especificamente focado na área da saúde: “A saúde, um pouco por todo o mundo, melhorou. Não só nos países desenvolvidos mas também nos outros. O problema é a sustentabilidade. Hoje, as nossas doenças, as doenças que efetivamente consomem recursos dos sistemas de saúde, são crónicas; são seis patologias: cardiovascular, hipertensão, obesidade, diabetes, cancro nas suas diferentes formas já é uma doença crónica e as dissensões degenerativas do cérebro. Essas doenças não se curam com hospitais, os hospitais que são o cerne dos sistemas de saúde não ajudam muito nas crónicas e, portanto, é preciso pensar novos paradigmas, mais centrados no paciente, fora dos hospitais, que consigam ajudar as crónicas que representam 75% dos custos de saúde. É por isso que esse problema, o problema da sustentabilidade dos sistemas de saúde, é tão importante.” Evoluiu daqui para temas como a sequenciação do genoma, as novas fronteiras da vida ou o value base care, numa explanação simples e despretensiosa mas carregada de conhecimento e sentido de pertença. Um momento intenso e quase vibrante, que ainda deixou tempo para que o Murta, confessando-se de centro-direita, manifestasse acerca do Brasil “alguma propensão para, apesar de tudo, defender o lado não fascista”...

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