(A quase irreversível chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil tem
suscitado um amplo e vigoroso debate em torno de questões laterais a essa
ascensão meteórica. Tenho para mim que esses
debates são relevantes mas não devem ofuscar duas coisas fundamentais: a
barragem necessária por todos os meios possíveis e a denúncia das reais
consequências da sua eleição para os grupos mais frágeis e desfavorecidos da
sociedade brasileira)
A polarização do debate em torno do meteorito político Bolsonaro tem,
contornos bem definidos.
À direita, nos reduzidos campos de pensamento por ela estruturados, caso do
Observador (link aqui) e das suas gentes mais próximas (não confundo com o universo de
gente que aí escreve) e de jornalsitas como João Miguel Tavares (link aqui), o efeito
Bolsonaro é, sem surpresa, uma oportunidade para malhar na esquerda brasileira
e com isso chegar a sítios mais vastos. Bolsonaro seria um produto dos desvios
do PT para a corrupção e para uma certa arrogância.
À esquerda, aqui d’el rey quem não vote PT anda pelos rumos da direita
violenta e totalitária. Regressam sempre os do costume (veja-se o manifesto de
personalidades portuguesas que se reuniu para condenar a cavalgada de Bolsonaro
e o seu estilo.
Pouca gente ou nenhuma integra o efeito Bolsonaro nas consequências do
próprio modelo económico e social brasileiro (a desigualdade histórica e
estrutural) e sobretudo na muito disseminada ideia da pretensa superioridade
ética e humana dos mais favorecidos (dos mais ricos e de uma classe média em
ascensão, alguma da qual surgiu na rua para combater o governo de Dilma e os
desmandos e desvios lulistas do PT) face aos mais frágeis. Há de facto em meu
entender uma rejeição dos mais fracos e mais vulneráveis (negros e outros grupos)
por grupos sociais que se sentem superiores e nunca suportaram a carta de
alforria que o Lula dos primeiros e bons tempos logrou conseguir, reduzindo os
níveis de pobreza absoluta da população brasileira mais vulnerável.
Tal como já aqui o referi, e reportando à sociedade política brasileira,
interessa a este blogue seguir e tentar compreender a posição do ex-presidente
brasileiro Fernando Henrique Cardoso e do partido em que se integra o PSDB como
militante e não como membro da direção, se não fora por outros motivos pelo
facto do texto fundador do Interesse Privado, Ação Pública acusar a influência
do pensamento de FHC.
Nada melhor por isso do que dar atenção à entrevista que FHC deu ao jornal
O Estado de S. Paulo (link aqui), à qual cheguei por uma dica do Observador (José Manuel
Fernandes) vocacionado para pescar à linha tudo o que seja contra o PT.
Na entrevista ao Estado de S.Paulo (link aqui), FHC é um homem dorido pelos ataques permanentes
do PT à imagem e resultados do governo por si liderado. Sem se comprometer com
um apoio explícito a Haddad na segunda volta, FHC usa uma metáfora para distinguir
as águas: Bolsonaro é para ele uma porta fechada, dado o seu autoritarismo (não
fascista como se apressa a sublinhar) e uma porta potencialmente aberta de Haddad,
em função da evolução do discurso do candidato do PT. De mal o menos. Quanto à desagregação
do PSDB, FHC situa-a no quadro da profunda fragmentação do sistema partidário brasileiro,
que não tem nada de diversidade ideológica, mas tão só de evolução corporativa
para disputar apoios públicos e tempo de antena gerada no âmbito do sistema de
interesses acolhido pelo Congresso.
Por mais dorido que FHC possa estar com as derivas de hegemonia prepotente
do PT, o ex-presidente não estará a ver as coisas corretamente. Hoje em dia não
se trata de vender a alma ao diabo para apoiar Haddad, assim como não é necessário
vender essa alma para barrar o caminho ao populismo autoritário e xenófobo. Ninguém
deve perder a identidade para rejeitar uma solução que penalizará os mais fracos
e vulneráveis e a liberdade. É nessa base que a frente comum deve ser construída.
E quando, aqui del Rey, a esquerda emite SOS para salvar a liberdade deve retirar
daí os ensinamentos necessários e ajustar ela própria os seus próprios caminhos
se não quiser abrir a passadeira vermelha aos autoritarismos que não enjeitarão
o uso da liberdade para posteriormente a cercear.
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