quinta-feira, 18 de outubro de 2018

FHC E A VENDA DA ALMA AO DIABO



(A quase irreversível chegada de Jair Bolsonaro ao poder no Brasil tem suscitado um amplo e vigoroso debate em torno de questões laterais a essa ascensão meteórica. Tenho para mim que esses debates são relevantes mas não devem ofuscar duas coisas fundamentais: a barragem necessária por todos os meios possíveis e a denúncia das reais consequências da sua eleição para os grupos mais frágeis e desfavorecidos da sociedade brasileira)

A polarização do debate em torno do meteorito político Bolsonaro tem, contornos bem definidos.

À direita, nos reduzidos campos de pensamento por ela estruturados, caso do Observador (link aqui) e das suas gentes mais próximas (não confundo com o universo de gente que aí escreve) e de jornalsitas como João Miguel Tavares (link aqui), o efeito Bolsonaro é, sem surpresa, uma oportunidade para malhar na esquerda brasileira e com isso chegar a sítios mais vastos. Bolsonaro seria um produto dos desvios do PT para a corrupção e para uma certa arrogância.

À esquerda, aqui d’el rey quem não vote PT anda pelos rumos da direita violenta e totalitária. Regressam sempre os do costume (veja-se o manifesto de personalidades portuguesas que se reuniu para condenar a cavalgada de Bolsonaro e o seu estilo.

Pouca gente ou nenhuma integra o efeito Bolsonaro nas consequências do próprio modelo económico e social brasileiro (a desigualdade histórica e estrutural) e sobretudo na muito disseminada ideia da pretensa superioridade ética e humana dos mais favorecidos (dos mais ricos e de uma classe média em ascensão, alguma da qual surgiu na rua para combater o governo de Dilma e os desmandos e desvios lulistas do PT) face aos mais frágeis. Há de facto em meu entender uma rejeição dos mais fracos e mais vulneráveis (negros e outros grupos) por grupos sociais que se sentem superiores e nunca suportaram a carta de alforria que o Lula dos primeiros e bons tempos logrou conseguir, reduzindo os níveis de pobreza absoluta da população brasileira mais vulnerável.

Tal como já aqui o referi, e reportando à sociedade política brasileira, interessa a este blogue seguir e tentar compreender a posição do ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e do partido em que se integra o PSDB como militante e não como membro da direção, se não fora por outros motivos pelo facto do texto fundador do Interesse Privado, Ação Pública acusar a influência do pensamento de FHC.

Nada melhor por isso do que dar atenção à entrevista que FHC deu ao jornal O Estado de S. Paulo (link aqui), à qual cheguei por uma dica do Observador (José Manuel Fernandes) vocacionado para pescar à linha tudo o que seja contra o PT.

Na entrevista ao Estado de S.Paulo (link aqui), FHC é um homem dorido pelos ataques permanentes do PT à imagem e resultados do governo por si liderado. Sem se comprometer com um apoio explícito a Haddad na segunda volta, FHC usa uma metáfora para distinguir as águas: Bolsonaro é para ele uma porta fechada, dado o seu autoritarismo (não fascista como se apressa a sublinhar) e uma porta potencialmente aberta de Haddad, em função da evolução do discurso do candidato do PT. De mal o menos. Quanto à desagregação do PSDB, FHC situa-a no quadro da profunda fragmentação do sistema partidário brasileiro, que não tem nada de diversidade ideológica, mas tão só de evolução corporativa para disputar apoios públicos e tempo de antena gerada no âmbito do sistema de interesses acolhido pelo Congresso.

Por mais dorido que FHC possa estar com as derivas de hegemonia prepotente do PT, o ex-presidente não estará a ver as coisas corretamente. Hoje em dia não se trata de vender a alma ao diabo para apoiar Haddad, assim como não é necessário vender essa alma para barrar o caminho ao populismo autoritário e xenófobo. Ninguém deve perder a identidade para rejeitar uma solução que penalizará os mais fracos e vulneráveis e a liberdade. É nessa base que a frente comum deve ser construída. E quando, aqui del Rey, a esquerda emite SOS para salvar a liberdade deve retirar daí os ensinamentos necessários e ajustar ela própria os seus próprios caminhos se não quiser abrir a passadeira vermelha aos autoritarismos que não enjeitarão o uso da liberdade para posteriormente a cercear.

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