(Os CDR e os Mossos d'Esquadra confrontam-se nas imediações do Parlamento catalão)
(Não gosto de escrever sobre becos sem saída que me atormentam algumas
insónias. A questão catalã está de novo, perigosamente, a caminhar para um cul de sac político e institucional e é,
por isso, com dificuldade que tento recuperar alguma reflexão sobre o tema. O panorama é de fratura, diria de fraturas de
vários tipos. O estado do paciente é desolador.)
O independentismo catalão vive de datas, algumas das quais com significado
histórico equívoco. O ainda fresco 1 de outubro é uma dessas datas mais
construídas do que reais (link aqui para o artigo do amigo Fernando Salgado na
VOZ de GALICIA). O referendo do ano passado foi um largo equívoco, uma espécie
de doença infantil do independentismo, que trouxe à questão catalã uma dose de
não recuo para a qual os seus promotores não tinham claramente unhas.
Como se estimava, ontem o independentismo mais sectário veio para as ruas,
com uma forte presença dos CDR, Comités de Defesa da República, em grande
medida ligados ao independentismo mais radical da CUP e com ligações mais
difusas à Assemblea Nacional Catalana (ANC), cujo líder Jordi Sánchez está
detido. Linhas de caminho-de-ferro e autoestradas bloqueadas, alguma violência
de rua e sobretudo confrontos com a Polícia Autonómica, os Mossos d’Esquadra,
marcaram o dia, embora envolvendo uma mobilização incomparavelmente inferior à
das manifestações da Diada, estas também longe do fulgor de outros tempos.
Com o independentismo fraturado, ou seja sem perspetivas de ação
convergente entre a Esquerra Republicana, o PD de Cat de Puigdemont e os
movimentos mais radicais, assistiu-se ao paradoxo do presidente da Generalitat,
Joaquim Torra, vir a público apoiar e saudar a força de pressão exercida nas
ruas pelos CDR. Torra parece rever-se no “braço armado” do independentismo que
os CDR procuram representar, o que me parece um indicador real da desorientação
sem saída a que o processo está a conduzir as forças políticas nacionalistas. Porém,
o oportunismo de Torra corre contra si próprio, correndo o sério risco de sair
torrado. Tal como já aqui neste espaço sublinhei, esta atitude de confronto do
independentismo ditada pelas suas próprias contradições e sobretudo baixa
qualidade das lideranças políticas mais próximas de Puigdemont está a
comprometer irremediavelmente o ambiente de distensão política que o governo de
Sánchez tinha conseguido instalar, contribuindo para o seu desmoronamento
político e colocando o cenário de eleições cada vez mais próximo.
Temos, por isso, um ambiente de fratura para todos os gostos e de novo o
espectro do caos político parece instalado. O sectarismo e o acosso que se
abatem sobre os catalães que recusam a independência e querem afirmar a sua
identidade já ultrapassaram os mínimos da decência democrática, provocando
danos irreversíveis na convivência democrática regional. A Generalitat e as forças políticas que apoiam a sua presente
configuração parecem mais apostadas em colocar o reformismo de Sánchez contra a
parede do que em contribuir para uma solução política. Temos assim um modelo de
subversão conduzido a partir das próprias forças do governo catalão, matéria
que não passou despercebida ao truculento Barreiro Rivas (link aqui): “O traço distintivo é que as autoridades do Estado que
juraram cumprir a Constituição e as leis são os que confundem a opinião pública
com o seu relato de uma democracia eleitoral exercida fora da lei e os que
utilizam a autoridade e os recursos económicos da Generalitat para manter a
aparência de uma confrontação social que carrega diariamente contra a unidade e
o prestígio do Estado”.
O que significa que a Generalitat parece querer negociar num ambiente
permanente de chantagem ditadas pelo radicalismo da rua. Uma situação destas
vai acabar por dar para o torto, até porque a judicialização dos acontecimentos
de 1 de outubro de 2017 e das detenções de líderes independentistas está longe
de ter chegado ao fim. Isso significa que nesse contexto o governo de Sánchez
corre o risco de ficar mais próximo de um novo 155º do que do engendrar de
uma saída política. O que não deixaria de ser um paradoxo dos valentes: uma
decisão mal-amanhada de Rajoy teria repercussões a prazo na incapacitação do
governo de Sánchez.
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