terça-feira, 2 de outubro de 2018

TORRA(DA) CATALÃ

(Os CDR e os Mossos d'Esquadra confrontam-se nas imediações do Parlamento catalão)


(Não gosto de escrever sobre becos sem saída que me atormentam algumas insónias. A questão catalã está de novo, perigosamente, a caminhar para um cul de sac político e institucional e é, por isso, com dificuldade que tento recuperar alguma reflexão sobre o tema. O panorama é de fratura, diria de fraturas de vários tipos. O estado do paciente é desolador.)

O independentismo catalão vive de datas, algumas das quais com significado histórico equívoco. O ainda fresco 1 de outubro é uma dessas datas mais construídas do que reais (link aqui para o artigo do amigo Fernando Salgado na VOZ de GALICIA). O referendo do ano passado foi um largo equívoco, uma espécie de doença infantil do independentismo, que trouxe à questão catalã uma dose de não recuo para a qual os seus promotores não tinham claramente unhas.

Como se estimava, ontem o independentismo mais sectário veio para as ruas, com uma forte presença dos CDR, Comités de Defesa da República, em grande medida ligados ao independentismo mais radical da CUP e com ligações mais difusas à Assemblea Nacional Catalana (ANC), cujo líder Jordi Sánchez está detido. Linhas de caminho-de-ferro e autoestradas bloqueadas, alguma violência de rua e sobretudo confrontos com a Polícia Autonómica, os Mossos d’Esquadra, marcaram o dia, embora envolvendo uma mobilização incomparavelmente inferior à das manifestações da Diada, estas também longe do fulgor de outros tempos.

Com o independentismo fraturado, ou seja sem perspetivas de ação convergente entre a Esquerra Republicana, o PD de Cat de Puigdemont e os movimentos mais radicais, assistiu-se ao paradoxo do presidente da Generalitat, Joaquim Torra, vir a público apoiar e saudar a força de pressão exercida nas ruas pelos CDR. Torra parece rever-se no “braço armado” do independentismo que os CDR procuram representar, o que me parece um indicador real da desorientação sem saída a que o processo está a conduzir as forças políticas nacionalistas. Porém, o oportunismo de Torra corre contra si próprio, correndo o sério risco de sair torrado. Tal como já aqui neste espaço sublinhei, esta atitude de confronto do independentismo ditada pelas suas próprias contradições e sobretudo baixa qualidade das lideranças políticas mais próximas de Puigdemont está a comprometer irremediavelmente o ambiente de distensão política que o governo de Sánchez tinha conseguido instalar, contribuindo para o seu desmoronamento político e colocando o cenário de eleições cada vez mais próximo.

Temos, por isso, um ambiente de fratura para todos os gostos e de novo o espectro do caos político parece instalado. O sectarismo e o acosso que se abatem sobre os catalães que recusam a independência e querem afirmar a sua identidade já ultrapassaram os mínimos da decência democrática, provocando danos irreversíveis na convivência democrática regional. A Generalitat e as forças políticas que apoiam a sua presente configuração parecem mais apostadas em colocar o reformismo de Sánchez contra a parede do que em contribuir para uma solução política. Temos assim um modelo de subversão conduzido a partir das próprias forças do governo catalão, matéria que não passou despercebida ao truculento Barreiro Rivas (link aqui): “O traço distintivo é que as autoridades do Estado que juraram cumprir a Constituição e as leis são os que confundem a opinião pública com o seu relato de uma democracia eleitoral exercida fora da lei e os que utilizam a autoridade e os recursos económicos da Generalitat para manter a aparência de uma confrontação social que carrega diariamente contra a unidade e o prestígio do Estado”.

O que significa que a Generalitat parece querer negociar num ambiente permanente de chantagem ditadas pelo radicalismo da rua. Uma situação destas vai acabar por dar para o torto, até porque a judicialização dos acontecimentos de 1 de outubro de 2017 e das detenções de líderes independentistas está longe de ter chegado ao fim. Isso significa que nesse contexto o governo de Sánchez corre o risco de ficar mais próximo de um novo 155º do que do engendrar de uma saída política. O que não deixaria de ser um paradoxo dos valentes: uma decisão mal-amanhada de Rajoy teria repercussões a prazo na incapacitação do governo de Sánchez.

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