(O populismo de extrema-direita está a revelar-se camaleónico, com mutações
a ter em conta no reposicionamento político à esquerda e na direita liberal. Breve nota do que a AfD – Alternative für Deutschland
está a protagonizar na Alemanha na antecâmara de duas semanas eleitorais de grande
alcance para a situação política alemã)
O populismo de extrema-direita, de raiz fascizante, xenófoba e nacionalista
quanto baste, começou há largo tempo a mostrar as garras, a sair do armário com
desplante e, o que é mais trágico, a explorar habilmente as margens de manobra
que a própria democracia lhe concede. Não existe propriamente uma metateoria do
populismo emergente, tão diversificadas e mutantes são as suas manifestações. O
que sabemos é que, perigosamente, ele começa a manifestar-se praticamente por
toda a Europa, de este a oeste, de norte a sul, salvo neste paraíso à borda do
mar plantado, salvo as excrescências futebolísticas do fenómeno que são do piorio.
Veja-se o despudorado aparecimento da extrema-direita em Espanha com saída do
PP a protagonizar essa tendência, o que mostra bem como o PP foi durante longo
tempo um tampão significativo para essas tensões da Espanha mais retrógrada e
troglodita.
A complexidade do fenómeno não é, entretanto, apenas determinada pelas
diversidades “nacionais” com que ele se apresenta na cena política. Deve-se também
ao facto de estarmos perante fenómenos muito dinâmicos, revelando uma forte capacidade
de adaptação às diferentes formas de interação e de teste das reações dos eleitorados.
Quer isto significar que a direita liberal ou conservadora e a esquerda,
quaisquer que sejam os seus matizes de casta e pensamento, que mais tarde ou
mais cedo terão de unir-se para barrar o caminho à sua própria destruição, enfrentam
um inimigo mutante. Assim, não só têm evidenciado imensa dificuldade em se
posicionar face à emergência política do populismo, como, por maioria de razão,
a sua capacidade de entender as mutações do inimigo são gritantes.
Michael Brӧning da Fundação Friedrich-Ebert Stiftung, uma espécie de gabinete
de estudos do SPD alemão, oferece-nos no Project Syndicate (link aqui) uma valiosíssima
peça para entender as mutações mais recentes da AfD alemã, que ameaça
transformar o xadrez político alemão em algo de explosivo, pelo menos do ponto
de vista do respeito pelos compromissos alemães para com a União Europeia. Para
lá de todas as analogias possíveis com o advento do nacional-socialismo alemão,
nem sempre utilizadas com o rigor e cautela necessários, a verdade é que a AfD
ameaça disputar diretamente o palco da decisão política na Alemanha. As semanas
seguintes com eleições nos estados da Baviera e do Hesse trazem a ameaça da AfD
deixar de ser o produto das insatisfações do leste alemão para poder adquirir
uma outra expressão.
A análise de Brӧning põe em evidência a transformação da AfD de um partido
criado sobretudo na influência de alguns universitários da direita alemã, de
matriz essencialmente liberal (mais propriamente neoliberal) e eurocética. Na
transformação entretanto operada, tem emergido de forma clara uma matriz social,
com bandeiras eleitorais focadas no aumento de pensões, na melhoria da
cobertura de saúde em áreas rurais e uma denúncia das rendas elevadas. Ou seja,
um modelo de justiça social do tipo “be
social without turning red”, como em expressão feliz Brӧning assinala. Há
aqui uma tendência curiosa. A necessidade do populismo fascizante se afirmar
por via eleitoral provoca na prática um efeito de evolução adaptativa que pode
ser apenas instrumental para penetrar o eleitorado mais descontente. Não
interessa se temos um falso mutante ou um mutante verdadeiro. Mas o que na prática
temos é uma ameaça dinâmica para a esquerda social-democrata e para a direita
liberal ou mais conservadora. O facto da extrema-direita cavalgar os temas da
justiça social ainda perturba mais os discursos e as propostas de alternativa
de barragem ao fenómeno.
Atravessamos tempos de grande unidade e não de exacerbação de diferenças. Palavra
e discursos claros sem rodriguinhos ou devaneios, como por exemplo o da crónica
de Francisco Assis no Público (link aqui), de cujas ideias me tenho aproximado nos últimos tempos,
sobre o canalha Bolsonaro. Há um aspeto da crónica de Assis que toca
profundamente este blogue, que é o do necessário pronunciamento de Fernando
Henrique Cardoso sobre os riscos que Bolsonaro coloca à democracia brasileira. Seria
uma enorme frustração que FHC não se pronunciasse e não utilizasse a sua Voz de
influência na sociedade brasileira. Por mais patifarias que o PT tenha perpetrado
ou feito vista grossa sobre as mesmas, não acredito em dilúvios redentores, ou
seja não acredito em recuos civilizacionais para castigar infratores. A
democracia tem armas para o fazer, por mais emprenhada que esteja pela corrupção.
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