(Fiquei com a impressão que em
grande parte do auditório da Casa da Música havia a vaga esperança de que a palestra
de Alfred Brendel sobre Mozart trouxesse aquela sala uma pequena recordação da magia
do intérprete. Rigoroso como sempre Brendel frustrou essas
expectativas mas trouxe-nos uma sugestiva digressão pela obra de Mozart, obviamente
mais ajustada aos conhecedores.)
Alfred Brendel é hoje um personagem cansado por uma carreira de extremo
rigor, já curvado, caminhando em pequenos passos pelo palco, mas dele irradia
uma simpatia natural que o público da Casa da Música recebeu condignamente e
dele se despediu ainda com mais ênfase e fervor.
Anunciava-se uma palestra sobre como melhor interpretar obra tão fascinante.
Creio que em muito boa gente que foi hoje à Casa da Música pairava a vaga
esperança de que a propósito da matéria didática em questão houvesse a oportunidade
de um andamento que fosse, para recordar a magia do intérprete, afastado há já
alguns anos (2009) das performances em palco, que ele considera já incompatíveis
com a sua idade e com o seu cansaço.
Lendo a sua palestra para permitir a sua tradução simultânea no écran, de
quando em vez Brendel virava-se para o piano para demonstrar com algumas notas para
demonstrar as nuances que tinha estabelecido na sua interpretação. Mas eram
momentos rápidos e fugazes, regressando imediatamente ao registo da palestra. Duas
gravações foram usadas na palestra, uma do espetáculo de despedida de Brendel
em Viena, com Charles Mackerras e a Filarmónica de Viena, mais propriamente o Piano
Concerto K271 e outra com a Academia Saint Martin in the Fields dirigida por Neville Mariner.
Sim, era Brendel que tocava mas não era a mesma coisa do que o ouvir naquele
auditório, algo de impossível de se repetir. As pessoas sabiam-no, mas acho que
muita gente esperou o milagre da inversãodo tempo, que não se deu obviamente
atendendo ao rigor de Brendel em tudo que faz.
Para os especialistas mozartianos e identificados com a interpretação da música
a palestra devia ser um regalo, tantas foram as nuances desenvolvidas, os equilíbrios
necessários demonstrados no génio de um compositor cujas notas fascinam crianças
(por tão poucas notas serem tocadas) e artistas (tal é a qualidade que irradia
dessas notas e dos desafios interpretativos que suscitam).
Depois de terminado o excerto da gravação da Academia Saint Martin in the
Fields, Brendel terminou a sua palestra invocando como seria bom hoje tomar
conhecimento de como Mozart o pianista virtuoso tocaria a sua própria obra. Para
nós também seria um benefício dos deuses ter ouvido ao vivo pelo menos um
andamento de uma sonata de Mozart.
Refugio-me no seu concerto de despedida The Farewell Concerts,
DECCA Records.
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