domingo, 7 de outubro de 2018

O SAMBA DA POLARIZAÇÃO



(Escrevo com as urnas prestes a fechar no gigante Brasil e os meus pensamentos vão para os meus amigos que preservam a elevação intelectual de Celso Furtado, particularmente para a sua mulher Rosa d’Aguiar Furtado, mas também para políticos como Fernando Henrique Cardoso. Como foi possível chegar a este extremar de posições, a esta polarização sem sentido?)

O sempre adiado Brasil está hoje num caco, perdido entre um PT fragilizado por anos não recomendáveis de poder e um salvador da pior extração possível, um fascizóide que matará à sua passagem tudo que seja uma reminiscência do direito de minorias. Sou dos que penso que a destituição de Dilma Roussef foi um golpe de baixa política, mas não tenho qualquer dúvida em considerar a longa passagem do PT pelo poder como desastrosa e demasiado exposta à corrupção. Tudo o que é solução reformista parece ter sido destroçada pela polarização que a situação política concreta no Brasil acabou por gerar, uma guerra de extremos que vai colocar a sociedade brasileira com todas as suas contradições à beira do precipício, com queda anunciada.

Como é possível a mensagem simplista de Bolsonaro ter de repente penetrado uma ampla faixa do eleitorado, a ponto de (esperemos que não) de poder provocar uma vitória em primeira volta? Tenho para mim que um dos fatores mais poderosos para explicar essa ascensão que incomoda o pensamento mais democrático por esse mundo fora está na natureza da direita empresarial brasileira. Esta última teve sempre uma dificuldade congénita em fazer conviver o mundo dos negócios com o respeito mínimo pelas condições das minorias. O universo dos rendimentos mais elevados sempre nutriu pelas classes mais baixas, população negra principalmente, uma profunda rejeição e animosidade, falsamente justificada pela questão da violência urbana. O “braço armado” das igrejas evangélicas sublima essa profunda depreciação explorando até ao tutano a fragilidade psicológica das classes mais baixas e obviamente estão de coração com Bolsonaro. A TV Record esse pasquim de televisão associado à igreja do bispo Macedo passou à hora do debate entre os candidatos, a que não assistiu Bolsonaro, uma entrevista com este último que superou em audiência o último debate eleitoral.

Como é óbvio nem toda a direita empresarial é fascista. Mas votar num candidato securitário e pretensamente restaurador da ordem dá jeito a uma classe cujos negócios partiram sempre da putativa inferioridade atribuída às classes mais baixas, só tolerada e com requintes de cautela em tempo de Carnaval.

Existe hoje um sério risco de que em tempos próximos Chico Buarque escreva uma outra canção dirigida aos amigos portugueses dando conta dos tempos negros da democracia brasileira. Terá o progressismo brasileiro força para barrar a via securitária e falsamente salvadora de Bolsonaro? Vou dormir com essa interrogação.

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