(Escrevo com as urnas prestes a fechar no gigante Brasil
e os meus pensamentos vão para os meus amigos que preservam a elevação
intelectual de Celso Furtado, particularmente para a sua mulher Rosa d’Aguiar
Furtado, mas também para políticos como Fernando Henrique Cardoso. Como foi possível chegar a este extremar de posições,
a esta polarização sem sentido?)
O sempre adiado Brasil está hoje num caco, perdido entre um PT fragilizado
por anos não recomendáveis de poder e um salvador da pior extração possível, um
fascizóide que matará à sua passagem tudo que seja uma reminiscência do direito
de minorias. Sou dos que penso que a destituição de Dilma Roussef foi um golpe
de baixa política, mas não tenho qualquer dúvida em considerar a longa passagem
do PT pelo poder como desastrosa e demasiado exposta à corrupção. Tudo o que é solução
reformista parece ter sido destroçada pela polarização que a situação política
concreta no Brasil acabou por gerar, uma guerra de extremos que vai colocar a
sociedade brasileira com todas as suas contradições à beira do precipício, com
queda anunciada.
Como é possível a mensagem simplista de Bolsonaro ter de repente penetrado uma
ampla faixa do eleitorado, a ponto de (esperemos que não) de poder provocar uma
vitória em primeira volta? Tenho para mim que um dos fatores mais poderosos
para explicar essa ascensão que incomoda o pensamento mais democrático por esse
mundo fora está na natureza da direita empresarial brasileira. Esta última teve
sempre uma dificuldade congénita em fazer conviver o mundo dos negócios com o
respeito mínimo pelas condições das minorias. O universo dos rendimentos mais
elevados sempre nutriu pelas classes mais baixas, população negra
principalmente, uma profunda rejeição e animosidade, falsamente justificada
pela questão da violência urbana. O “braço armado” das igrejas evangélicas
sublima essa profunda depreciação explorando até ao tutano a fragilidade psicológica
das classes mais baixas e obviamente estão de coração com Bolsonaro. A TV Record
esse pasquim de televisão associado à igreja do bispo Macedo passou à hora do
debate entre os candidatos, a que não assistiu Bolsonaro, uma entrevista com este
último que superou em audiência o último debate eleitoral.
Como é óbvio nem toda a direita empresarial é fascista. Mas votar num
candidato securitário e pretensamente restaurador da ordem dá jeito a uma classe
cujos negócios partiram sempre da putativa inferioridade atribuída às classes
mais baixas, só tolerada e com requintes de cautela em tempo de Carnaval.
Existe hoje um sério risco de que em tempos próximos Chico Buarque escreva
uma outra canção dirigida aos amigos portugueses dando conta dos tempos negros da
democracia brasileira. Terá o progressismo brasileiro força para barrar a via
securitária e falsamente salvadora de Bolsonaro? Vou dormir com essa interrogação.
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