(Goste-se ou não se goste, causem as
suas palavras verrinosas incómodo ou não, não se pode ficar indiferente a uma
entrevista como a de Vasco Pulido Valente ao P2 do Público de hoje. Tenho
para mim que um país pequeno como Portugal não se pode acomodar, pese embora as
suas origens milenárias. Quase sempre em desacordo com o estilo e o conteúdo de
algumas das suas ideias, sentiria o país mais pobre sem o contraponto desassombrado
de Vasco Pulido Valente.)
Com VPV não
há entrevistas neutras ou indiferentes. Uma das fotografias que acompanha a
entrevista, no sofá preto e com a sua seguramente preciosa biblioteca atrás, expondo
a sua degradação física a que não faltam as presenças do cigarro e do copo, vale
por inúmeras palavras. Um combatente de espírito afiado, quase sempre em
contramão, implacável para com o politicamente correto ou com os temas
fraturantes, que ele exemplarmente remete para o individualismo mais profundo,
o qual raramente é aceite pelos porta-vozes dos seus protagonistas defensores.
Na
entrevista de hoje sobressai a sua profunda admiração por Mário Soares (eu próprio
reconheço ter tido dúvidas ou erros de interpretação acerca da personalidade) e
alguma mágoa pelo facto de Soares nunca o ter incluído no seu círculo de amigos
mais próximos, apesar da simpatia do trato em alguns momentos. Sobressai também
levemente o seu menosprezo pela evolução das ciências sociais e do Instituto de
Ciências Sociais (curioso que nunca ouvi de VPV uma palavra que fosse sobre Adérito
Sedas Nunes, ao contrário de Maria Filomena Mónica -MFM) e sobretudo pela
evolução curricular de muita gente que partindo de um estatuto académico bem
inferior ao seu rapidamente o ultrapassou. Para além de um simples choque
geracional, o confronto azedo entre o grupo de VPV e MFM, do qual António
Barreto sabiamente de distanciou quase impercetivelmente, e o grupo hoje
dominante nas ciências sociais (no ICS mas também no CES de Coimbra) é algo que
merecia um debate mais profundo, que não tem sido possível realizar, tal é a
animosidade com que as novas gerações do pensamento sociológico e não só têm
sido presenteadas. Tenho dúvidas em relação a algumas manifestações do pensamento
emergente, mas daí a varrer tudo com o epíteto de fraude ou aldrabice é um profundo
exagero.
Para além dessas
formas destiladas de veneno pessoal, que são
uma espécie de invariante na maneira de estar de VPV, há ideias interessantes na
entrevista sobre a boa consciência dos portugueses sobre si próprios e a matéria
que particularmente mais me interessou é sem dúvida a do seu pensamento sobre
os nacionalismos a emergir em força por essa Europa fora, incluindo a crise de
hispanidade e o que ele designa de populismo catalão. A invocação da história
feita por VPV faz de facto falta ao debate sobre as derivas do populismo. E não
deixa de ser uma delícia a invocação da trilogia de Elena Ferrante que VPV
considera de leitura obrigatória para todos os europeístas, talvez para refrear
os seus ânimos.
Como seria previsível, a referência a Rui Rio é impiedosa.
Uma grande entrevista de uma personagem ímpar, goste-se ou não se goste.
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