domingo, 21 de outubro de 2018

VASCO, O INDOMÁVEL



(Goste-se ou não se goste, causem as suas palavras verrinosas incómodo ou não, não se pode ficar indiferente a uma entrevista como a de Vasco Pulido Valente ao P2 do Público de hoje. Tenho para mim que um país pequeno como Portugal não se pode acomodar, pese embora as suas origens milenárias. Quase sempre em desacordo com o estilo e o conteúdo de algumas das suas ideias, sentiria o país mais pobre sem o contraponto desassombrado de Vasco Pulido Valente.)

Com VPV não há entrevistas neutras ou indiferentes. Uma das fotografias que acompanha a entrevista, no sofá preto e com a sua seguramente preciosa biblioteca atrás, expondo a sua degradação física a que não faltam as presenças do cigarro e do copo, vale por inúmeras palavras. Um combatente de espírito afiado, quase sempre em contramão, implacável para com o politicamente correto ou com os temas fraturantes, que ele exemplarmente remete para o individualismo mais profundo, o qual raramente é aceite pelos porta-vozes dos seus protagonistas defensores.

Na entrevista de hoje sobressai a sua profunda admiração por Mário Soares (eu próprio reconheço ter tido dúvidas ou erros de interpretação acerca da personalidade) e alguma mágoa pelo facto de Soares nunca o ter incluído no seu círculo de amigos mais próximos, apesar da simpatia do trato em alguns momentos. Sobressai também levemente o seu menosprezo pela evolução das ciências sociais e do Instituto de Ciências Sociais (curioso que nunca ouvi de VPV uma palavra que fosse sobre Adérito Sedas Nunes, ao contrário de Maria Filomena Mónica -MFM) e sobretudo pela evolução curricular de muita gente que partindo de um estatuto académico bem inferior ao seu rapidamente o ultrapassou. Para além de um simples choque geracional, o confronto azedo entre o grupo de VPV e MFM, do qual António Barreto sabiamente de distanciou quase impercetivelmente, e o grupo hoje dominante nas ciências sociais (no ICS mas também no CES de Coimbra) é algo que merecia um debate mais profundo, que não tem sido possível realizar, tal é a animosidade com que as novas gerações do pensamento sociológico e não só têm sido presenteadas. Tenho dúvidas em relação a algumas manifestações do pensamento emergente, mas daí a varrer tudo com o epíteto de fraude ou aldrabice é um profundo exagero.

Para além dessas formas destiladas de veneno pessoal, que são uma espécie de invariante na maneira de estar de VPV, há ideias interessantes na entrevista sobre a boa consciência dos portugueses sobre si próprios e a matéria que particularmente mais me interessou é sem dúvida a do seu pensamento sobre os nacionalismos a emergir em força por essa Europa fora, incluindo a crise de hispanidade e o que ele designa de populismo catalão. A invocação da história feita por VPV faz de facto falta ao debate sobre as derivas do populismo. E não deixa de ser uma delícia a invocação da trilogia de Elena Ferrante que VPV considera de leitura obrigatória para todos os europeístas, talvez para refrear os seus ânimos.

Como seria previsível, a referência a Rui Rio é impiedosa.

Uma grande entrevista de uma personagem ímpar, goste-se ou não se goste.

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