(William Nordhaus)
(Nem sempre as escolhas da academia sueca vão no sentido
dos meus interesses. A vastidão das áreas de especialização em economia é tal que
a divisão do trabalho também prevista por Adam Smith para as questões do
conhecimento encontra hoje na economia uma aplicação plena. Este ano, após muitos desencontros, eis finalmente
que o Nobel premeia dois economistas que escaparam à inércia do mainstream e não renunciaram à agitação
das ideias.)
Estou feliz com a escolha da academia sueca, apesar da associação entre
Nordhaus e Romer não ser plenamente intuitiva. Mas ambos começam a sua pujante
atividade de investigação trabalhando o tema do progresso tecnológico e do
crescimento económico, evoluindo a partir daí para desenvolvimentos diferenciados
no quadro da macroeconomia do crescimento e do desenvolvimento económico.
Nordhaus evoluiu (link aqui para o seu CV) para a economia dos recursos naturais, da energia e do ambiente
e viria a destacar-se no que poderíamos chamar a macroeconomia das mudanças
climáticas, com trabalho muito aprofundado inclusivamente na modelística económica
dos impactos dessas mudanças na qualidade de vida e na sustentabilidade do
crescimento. Em 1985, ainda assinou com Paul Samuelson o célebre e generalizado
Economics, talvez um dos manuais de maior disseminação por todo o mundo. A ele
se deve uma significativa revolução das contas nacionais e da medida do próprio
produto interno bruto de modo a poder incluir não só a questão climática mas também
questões como a influência das condições de saúde no crescimento económico. Em
2007, por exemplo, Nordhaus escreveu para o Journal
of Economic History um artigo notável sobre o crescimento da produtividade na
computação (link aqui), que revela bem a sua desconcertante maneira de pensar
formalizadamente. A audácia analítica de Nordhaus é notável e a questão das mudanças
climáticas não teria em meu entender a relevância que hoje tem sem a modelização
económica que o economista americano introduziu.
A partilha do Nobel deste ano com Paul Romer ainda me deixa mais feliz,
sobretudo num período em que a passagem do economista pelo Banco Mundial viu o
seu rigor formal embater com sérias resistências no interior daquela organização,
acabando por determinar a sua saída de economista-chefe. Mas o Nobel tem ainda
um maior significado quando muito recentemente Romer, assumindo praticamente a
sua rotura com o establishment académico, denunciou com o seu original conceito
de “mathiness” (pioneiramente documentada neste blogue) o formalismo económico
como meio oculto de mistificação da teoria, fazendo-a dissociar do mundo real. Esta
denúncia, vinda de um economista de rigorosa formação matemática, adquiriu um
significado praticamente tão relevante como o foram as suas incontornáveis
teorizações do crescimento económico, da inovação e da economia das ideias e do
conhecimento. É quase um paradoxo Romer ganhar o Nobel num período de fortíssima
descrença relativamente ao meio académico e ao poder oculto do seu establishment, mas sempre acreditei que
um dia o circunspecto júri sueco haveria de premiar ideias tão arrojadas e
inovadoras.
Recordo-me de uma intervenção que tive num seminário público promovido pelo
Instituto Politécnico de Viana do Castelo em que tive por companheiro de mesa o
já desaparecido Professor Miguel Beleza. Na altura, estava entusiasmado pela
descoberta que fizéramos da obra de Romer na cadeira de Crescimento e
Desenvolvimento Económico na Faculdade de Economia do Porto, estou certo hoje em
termos pioneiros na academia económica portuguesa. Lembro-me que no desenvolvimento
da minha charla referi que o Nobel era uma questão de tempo para aquelas
ideias, ao que Miguel Beleza retorquiu que Romer era muito novo para o Nobel. Beleza
acabou por ter razão, mas a minha esperança está hoje concretizada. E com outra
satisfação pois Romer tinha passado ao ataque, denunciando os riscos de
mistificação que o mau uso do formalismo matemático poderia determinar. Ganha
com isto a New York University e o Marron Institute of Urban Management (link aqui para a sua palestra imediatamente após a publicação da notícia) , que
foi a instituição que acolheu Romer para o desenvolvimento da sua arrojada ideia
das Charter Cities, talvez uma das menos conhecidas dimensões da sua obra.
Com Nordhaus e Romer o Nobel readquire o seu estatuto de premiar
economistas com alguma coisa para dizer sobre o mundo de hoje, sem renunciarem
ao rigor da teoria, mas não confundindo esse formalismo com rigor. E é com
satisfação que concluo que vagas numerosas de alunos que passaram pelos meus
cursos e aulas tiveram acesso a ideias oficialmente reconhecidas largos anos depois.
É retribuidor. Ontem adormeci com a interrogação ameaçadora das eleições
brasileiras, agravada com a realidade dos números e com o rol de generais que
espreitam o poder, parcialmente compensada com a vitória do SLB que se chegou
finalmente à frente. Hoje adormecerei reencontrado com a sagacidade do júri do
Nobel de Economia.
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