segunda-feira, 8 de outubro de 2018

WILLIAM NORDHAUS E PAUL ROMER

(William Nordhaus)


(Nem sempre as escolhas da academia sueca vão no sentido dos meus interesses. A vastidão das áreas de especialização em economia é tal que a divisão do trabalho também prevista por Adam Smith para as questões do conhecimento encontra hoje na economia uma aplicação plena. Este ano, após muitos desencontros, eis finalmente que o Nobel premeia dois economistas que escaparam à inércia do mainstream e não renunciaram à agitação das ideias.)

Estou feliz com a escolha da academia sueca, apesar da associação entre Nordhaus e Romer não ser plenamente intuitiva. Mas ambos começam a sua pujante atividade de investigação trabalhando o tema do progresso tecnológico e do crescimento económico, evoluindo a partir daí para desenvolvimentos diferenciados no quadro da macroeconomia do crescimento e do desenvolvimento económico.

Nordhaus evoluiu (link aqui para o seu CV) para a economia dos recursos naturais, da energia e do ambiente e viria a destacar-se no que poderíamos chamar a macroeconomia das mudanças climáticas, com trabalho muito aprofundado inclusivamente na modelística económica dos impactos dessas mudanças na qualidade de vida e na sustentabilidade do crescimento. Em 1985, ainda assinou com Paul Samuelson o célebre e generalizado Economics, talvez um dos manuais de maior disseminação por todo o mundo. A ele se deve uma significativa revolução das contas nacionais e da medida do próprio produto interno bruto de modo a poder incluir não só a questão climática mas também questões como a influência das condições de saúde no crescimento económico. Em 2007, por exemplo, Nordhaus escreveu para o Journal of Economic History um artigo notável sobre o crescimento da produtividade na computação (link aqui), que revela bem a sua desconcertante maneira de pensar formalizadamente. A audácia analítica de Nordhaus é notável e a questão das mudanças climáticas não teria em meu entender a relevância que hoje tem sem a modelização económica que o economista americano introduziu.

A partilha do Nobel deste ano com Paul Romer ainda me deixa mais feliz, sobretudo num período em que a passagem do economista pelo Banco Mundial viu o seu rigor formal embater com sérias resistências no interior daquela organização, acabando por determinar a sua saída de economista-chefe. Mas o Nobel tem ainda um maior significado quando muito recentemente Romer, assumindo praticamente a sua rotura com o establishment académico, denunciou com o seu original conceito de “mathiness” (pioneiramente documentada neste blogue) o formalismo económico como meio oculto de mistificação da teoria, fazendo-a dissociar do mundo real. Esta denúncia, vinda de um economista de rigorosa formação matemática, adquiriu um significado praticamente tão relevante como o foram as suas incontornáveis teorizações do crescimento económico, da inovação e da economia das ideias e do conhecimento. É quase um paradoxo Romer ganhar o Nobel num período de fortíssima descrença relativamente ao meio académico e ao poder oculto do seu establishment, mas sempre acreditei que um dia o circunspecto júri sueco haveria de premiar ideias tão arrojadas e inovadoras.

Recordo-me de uma intervenção que tive num seminário público promovido pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo em que tive por companheiro de mesa o já desaparecido Professor Miguel Beleza. Na altura, estava entusiasmado pela descoberta que fizéramos da obra de Romer na cadeira de Crescimento e Desenvolvimento Económico na Faculdade de Economia do Porto, estou certo hoje em termos pioneiros na academia económica portuguesa. Lembro-me que no desenvolvimento da minha charla referi que o Nobel era uma questão de tempo para aquelas ideias, ao que Miguel Beleza retorquiu que Romer era muito novo para o Nobel. Beleza acabou por ter razão, mas a minha esperança está hoje concretizada. E com outra satisfação pois Romer tinha passado ao ataque, denunciando os riscos de mistificação que o mau uso do formalismo matemático poderia determinar. Ganha com isto a New York University e o Marron Institute of Urban Management (link aqui para a sua palestra imediatamente após a publicação da notícia) , que foi a instituição que acolheu Romer para o desenvolvimento da sua arrojada ideia das Charter Cities, talvez uma das menos conhecidas dimensões da sua obra.

Com Nordhaus e Romer o Nobel readquire o seu estatuto de premiar economistas com alguma coisa para dizer sobre o mundo de hoje, sem renunciarem ao rigor da teoria, mas não confundindo esse formalismo com rigor. E é com satisfação que concluo que vagas numerosas de alunos que passaram pelos meus cursos e aulas tiveram acesso a ideias oficialmente reconhecidas largos anos depois. É retribuidor. Ontem adormeci com a interrogação ameaçadora das eleições brasileiras, agravada com a realidade dos números e com o rol de generais que espreitam o poder, parcialmente compensada com a vitória do SLB que se chegou finalmente à frente. Hoje adormecerei reencontrado com a sagacidade do júri do Nobel de Economia.

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