domingo, 14 de outubro de 2018

CONTRADIÇÕES

(Pawel Kuczynski)


(Enquanto Pacheco Pereira continua na sua deriva de considerar a presença de Portugal na União e no Euro asfixiante e a aprovação do Orçamento em Portugal um ato falhado, os partidos da geringonça parecem trapezistas clamando pela dificuldade do seu número e trazendo para a opinião pública mais uma conquista orçamental da sua negociação com o PS. A deriva parece ser geral, carecendo o país de um referencial mais global de que o orçamento de cada ano se alimente)

A posição de Pacheco Pereira nestas matérias começa a ser penosa, de tão reativa e canhestra como se apresenta. Tenho para mim que neste momento o historiador e político JPP passa um mau bocado em matéria de posicionamento político. Não podendo identificar-se com as posições do Governo, pois já não há uma TROIKA para combater com frentes alargadas e até as companhias de rating se renderam a contragosto, nem com as do seu partido PSD, pois são tão erráticas que é difícil atribuir-lhe um racional. Resta, assim, a JPP assumir a rábula do Portugal asfixiado, não tarda que use a expressão de Mário Soares “amordaçado”, do Portugal sem Voz ou poder e decisão por força dos ditames de Bruxelas. O posicionamento político é tanto mais complexo, quanto mais os argumentos da “camisa de sete varas” imposto pelas autoridades comunitárias tem hoje adeptos e protagonistas nada recomendáveis e com quem certamente JPP não quer identificar-se. É trágico que, no plano político europeu, atualmente sejam as forças populistas e claramente antissistema que clamam por não respeitar regras orçamentais e sabemos a perturbação que tal posicionamento do governo italiano vai acabar por determinar nos mercados mundiais.

Custa ver alguém com o pensamento crítico de JPP pressupor que ele é praticamente o único a criticar as regras europeias, o perigoso não acabamento do edifício do Euro e a incapacidade da União encontrar um modus operandi que tenha em conta os desiguais níveis de desenvolvimento socioeconómico no seu seio e que formule políticas que partam dessa realidade e não da ideia peregrina que a Europa é toda ele frente avançada de desenvolvimento. Mesmo nesse contexto, valeria a pena avaliar profundamente o que fez o país Portugal do manancial dos Fundos Estruturais para obstar a esses níveis desiguais de desenvolvimento. Não seria difícil concretizar uma espécie de meta-avaliação de todas as avaliações já realizadas quanto à aplicação de Fundos Estruturais em Portugal, concluindo-se provavelmente que, apesar das boas realizações identificadas, ficámos aquém do que poderíamos ter conseguido em termos de convergência estrutural.

Continuo a defender que o contrafactual de não estarmos nem na União, nem no Euro, ou se quiserem de estarmos na União e não no Euro não é positivo para Portugal. Não estaríamos necessariamente melhor, pois ao contrário do que a frágil formação económica de JPP que frequentemente o trai o induz a pensar, o financiamento de défices mais generosos não se concretiza em economia fechada, mas antes em mercados que funcionam segundo as suas próprias regras, não necessariamente elaboradas a partir de manuais de ética e da decência de comportamentos. E sobre a possibilidade da desvalorização de uma possível moeda própria poderíamos partilhar uma longa cartilha de limitações e constrangimentos, sobretudo de uma economia com a nossa dimensão. Não me parece, por isso, que seja com boutades como a de que a aprovação do orçamento português é um ato falhado por défice de representação e autonomia políticas que será possível construir paulatinamente alianças na União para ir completando e consertando o edifício do Euro.

Além disso, não podemos ignorar que pelo menos parte desses argumentos estão hoje ocupados por forças políticas não interessadas propriamente no afinamento do projeto europeu mas antes no ataque à liberdade e à tolerância. Não entendo como JPP não fica incomodado com tais companhias de argumentação.

Mas, contradição das contradições, os partidos (PCP e Bloco de Esquerda) mais próximos hoje das posições de JPP em relação à União e ao Euro atropelam-se nos seus números mediáticos de mostrar que conquistaram em negociação uma medida orçamental cada qual melhor do que a conseguida pelo seu parceiro de acordo parlamentar. Ora, tão importantes e influentes que eles se consideram, a ponto de se precipitarem e trazerem cá para fora decisões para mostrar que o ministro Centeno foi obrigado e embrulhar e a refazer contas, que me custa a entender que o estejam a fazer se um ato falhado se tratasse.

Caro JPP, os problemas são outros. O grande problema é que o orçamento anual em Portugal é uma peça desgarrada de um referencial mais vasto e estratégico que não existe. Aposto que se as tais malfadadas regras europeias não existissem (e eu serei o primeiro a participar em reflexões tendentes à sua melhoria ou à sua erradicação em casos que o justifique), os problemas seriam rigorosamente os mesmos. Existe de facto politicamente uma incapacidade de formação de maiorias para a resolução dos problemas estruturais do país (e não estou a pensar, esclareço desde já, em liberalizar mais o mercado de trabalho, pois esse não é o verdadeiro problema nacional). A desqualificação dos ativos empregados, a debilidade da capacidade de gestão, a minimização das condições de não coesão territorial, a desmontagem da estrutura de decisão setorial que cada Ministério pratica como se não existisse Governo com outras dimensões de intervenção, esses sim são verdadeiros problemas. Parte desses problemas exige maior capacidade de investimento público e esse é um problema que tem de ser ultrapassado apesar das tais regras europeias e procurando influenciá-las. Mas outra parte não o exige.

Culpemos quem quisermos, os antepassados, Sócrates, Passos, o comum dos portugueses, as empresas desregradas, a corrupção mais próxima ou longínqua, mas a dívida existe, estando fora ou dentro da União. Posso ser controverso, mas ouso dizer: mesmo com um eventual e dificilmente negociado perdão de dívida, parte do problema ainda existiria.

Os tempos não estão para posturas panfletárias, até porque para essas há gente predestinada e sobretudo apostada em perturbar a sua resolução e não a resolver os problemas em liberdade.

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