(Pawel Kuczynski)
(Enquanto Pacheco Pereira continua na sua deriva de considerar a presença de Portugal na União e no Euro asfixiante e a aprovação
do Orçamento em Portugal um ato falhado, os partidos da geringonça parecem
trapezistas clamando pela dificuldade do seu número e trazendo para a opinião pública
mais uma conquista orçamental da sua negociação com o PS. A deriva parece ser geral, carecendo o país de um
referencial mais global de que o orçamento de cada ano se alimente)
A posição de Pacheco Pereira nestas matérias começa a ser penosa, de tão
reativa e canhestra como se apresenta. Tenho para mim que neste momento o
historiador e político JPP passa um mau bocado em matéria de posicionamento político.
Não podendo identificar-se com as posições do Governo, pois já não há uma
TROIKA para combater com frentes alargadas e até as companhias de rating se
renderam a contragosto, nem com as do seu partido PSD, pois são tão erráticas
que é difícil atribuir-lhe um racional. Resta, assim, a JPP assumir a rábula do
Portugal asfixiado, não tarda que use a expressão de Mário Soares “amordaçado”,
do Portugal sem Voz ou poder e decisão por força dos ditames de Bruxelas. O posicionamento
político é tanto mais complexo, quanto mais os argumentos da “camisa de sete
varas” imposto pelas autoridades comunitárias tem hoje adeptos e protagonistas nada
recomendáveis e com quem certamente JPP não quer identificar-se. É trágico que,
no plano político europeu, atualmente sejam as forças populistas e claramente
antissistema que clamam por não respeitar regras orçamentais e sabemos a perturbação
que tal posicionamento do governo italiano vai acabar por determinar nos
mercados mundiais.
Custa ver alguém com o pensamento crítico de JPP pressupor que ele é
praticamente o único a criticar as regras europeias, o perigoso não acabamento
do edifício do Euro e a incapacidade da União encontrar um modus operandi que tenha em conta os desiguais níveis de
desenvolvimento socioeconómico no seu seio e que formule políticas que partam
dessa realidade e não da ideia peregrina que a Europa é toda ele frente
avançada de desenvolvimento. Mesmo nesse contexto, valeria a pena avaliar
profundamente o que fez o país Portugal do manancial dos Fundos Estruturais
para obstar a esses níveis desiguais de desenvolvimento. Não seria difícil
concretizar uma espécie de meta-avaliação de todas as avaliações já realizadas
quanto à aplicação de Fundos Estruturais em Portugal, concluindo-se
provavelmente que, apesar das boas realizações identificadas, ficámos aquém do
que poderíamos ter conseguido em termos de convergência estrutural.
Continuo a defender que o contrafactual de não estarmos nem na União, nem
no Euro, ou se quiserem de estarmos na União e não no Euro não é positivo para
Portugal. Não estaríamos necessariamente melhor, pois ao contrário do que a frágil
formação económica de JPP que frequentemente o trai o induz a pensar, o financiamento
de défices mais generosos não se concretiza em economia fechada, mas antes em
mercados que funcionam segundo as suas próprias regras, não necessariamente elaboradas
a partir de manuais de ética e da decência de comportamentos. E sobre a possibilidade
da desvalorização de uma possível moeda própria poderíamos partilhar uma longa
cartilha de limitações e constrangimentos, sobretudo de uma economia com a
nossa dimensão. Não me parece, por isso, que seja com boutades como a de que a aprovação do orçamento português é um ato
falhado por défice de representação e autonomia políticas que será possível construir
paulatinamente alianças na União para ir completando e consertando o edifício
do Euro.
Além disso, não podemos ignorar que pelo menos parte desses argumentos estão
hoje ocupados por forças políticas não interessadas propriamente no afinamento
do projeto europeu mas antes no ataque à liberdade e à tolerância. Não entendo
como JPP não fica incomodado com tais companhias de argumentação.
Mas, contradição das contradições, os partidos (PCP e Bloco de Esquerda)
mais próximos hoje das posições de JPP em relação à União e ao Euro atropelam-se
nos seus números mediáticos de mostrar que conquistaram em negociação uma medida
orçamental cada qual melhor do que a conseguida pelo seu parceiro de acordo parlamentar.
Ora, tão importantes e influentes que eles se consideram, a ponto de se
precipitarem e trazerem cá para fora decisões para mostrar que o ministro
Centeno foi obrigado e embrulhar e a refazer contas, que me custa a entender
que o estejam a fazer se um ato falhado se tratasse.
Caro JPP, os problemas são outros. O grande problema é que o orçamento anual
em Portugal é uma peça desgarrada de um referencial mais vasto e estratégico que
não existe. Aposto que se as tais malfadadas regras europeias não existissem (e
eu serei o primeiro a participar em reflexões tendentes à sua melhoria ou à sua
erradicação em casos que o justifique), os problemas seriam rigorosamente os
mesmos. Existe de facto politicamente uma incapacidade de formação de maiorias
para a resolução dos problemas estruturais do país (e não estou a pensar,
esclareço desde já, em liberalizar mais o mercado de trabalho, pois esse não é
o verdadeiro problema nacional). A desqualificação dos ativos empregados, a
debilidade da capacidade de gestão, a minimização das condições de não coesão territorial,
a desmontagem da estrutura de decisão setorial que cada Ministério pratica como
se não existisse Governo com outras dimensões de intervenção, esses sim são
verdadeiros problemas. Parte desses problemas exige maior capacidade de investimento
público e esse é um problema que tem de ser ultrapassado apesar das tais regras
europeias e procurando influenciá-las. Mas outra parte não o exige.
Culpemos quem quisermos, os antepassados, Sócrates, Passos, o comum dos
portugueses, as empresas desregradas, a corrupção mais próxima ou longínqua,
mas a dívida existe, estando fora ou dentro da União. Posso ser controverso,
mas ouso dizer: mesmo com um eventual e dificilmente negociado perdão de dívida,
parte do problema ainda existiria.
Os tempos não estão para posturas panfletárias, até porque para essas há
gente predestinada e sobretudo apostada em perturbar a sua resolução e não a resolver
os problemas em liberdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário