domingo, 28 de outubro de 2018

BOLSONARO POP




São momentos assim que me fazem suspeitar de estarmos a viver momentos que vão fazer parte de um ciclo de longo prazo pouco animador em termos de democracia, assumindo por isso posteriormente um significado bem menos equívoco do que o que podem gerar a curto prazo. Foi assim com a vitória do BREXIT. Foi assim também com a chegada de Trump. O mesmo se passou nas eleições italianas. E provavelmente será assim com as brasileiras. A tendência será sempre a de considerar que estamos perante epifenómenos, laterais e que tenderão a esmorecer. Não estou certo disso, já porque um racional de longo prazo pode estar em formação.

Como é óbvio não vou falar dos casos de hipocrisia que procuram lavar as mãos e abster-se sobretudo em função do asco que nutrem pelo PT. Como a nossa Assunção Cristas. É nestes momentos que as lideranças políticas se definem. Para mim Cristas já vinha de carrinho há muito tempo. O seu posicionamento face à situação brasileira é espantosamente claro na sua abstenção indefinida.

A sensação de amargura e impotência não nos deve, porém, inibir de refletir um pouco mais aprofundadamente sobre a composição do eleitorado de Bolsonaro, pelo menos a partir do que se conhece dos resultados e pesquisas da primeira volta. Já aqui enunciei que a grande parcela do eleitorado de Bolsonaro, digamos em torno de 1/3 da sua base eleitoral, é composta por população dos estratos mais ricos da sociedade brasileira e de partes da sua classe média que nutrem pelo PT um asco de morte. Trata-se de população que considera as classes inferiores e sobretudo negras, índias ou mestiças, gentes inferior e por isso essa avaliação desses outros encontra no candidato Bolsonaro, no seu discurso e sobretudo nas suas ameaças, o representante ideal para corporizar esse desprezo. Este caldo social foi alimentado historicamente pelo padrão extremamente desigual da distribuição do rendimento no Brasil, pela reprodução sistemática dessa desigualdade e pela corrupção, cujas raízes são bem anteriores à ascensão de Lula e do PT. O que certamente não desculpa as tentações do PT e as suas digressões por caminhos tão ínvios para um projeto distributivista e popular.

A ascensão de Bolsonaro assenta nessa identificação com os sentimentos de tais grupos sociais e digamos que pode ser exacerbada seja pela influência de grande parte das igrejas evangélicas (apesar do apoio de Marina em último recurso a Haddad) e pela manipulação em massa das redes sociais, sobre as quais a candidatura de Bolsonaro foi concebida e orquestrada.

Num artigo da Sociological Review que muito recomendo (link aqui), Matthew Richmond avança com a tese de que a base eleitoral de Bolsonaro se apoia complementarmente na radicalização à direita de parte da população com rendimentos muito baixos ou modestos. Baseando-se em investigação própria realizada nas periferias faveladas das grandes cidades brasileiras, Richmond avança com argumentos de elevador social induzido pelas políticas distributivas do PT, traduzido por exemplo no número de jovens nascidos nessas periferias que frequentam hoje a universidade. Este elevador social combinado com as questões de insegurança e a insustentabilidade financeira do programa de pacificação e favelas potencia posições de identificação com as conceções autoritárias e as promessas de erradicação à força da criminalidade nas periferias. Uma grande parte desta população agora atraída pelo autoritarismo de Bolsonaro participou ativamente nas campanhas de rua para a destituição de Dilma Roussef, mostrando que o seu alinhamento anti-PT vem de longe.

Não deixa de ser uma ironia da história. O complemento da base social de Bolsonaro é captada em grupos de população que beneficiou ativamente das políticas de bem estar social e distributivo do PT e que agora olha mais cima do que para baixo.

Quisera estar otimista como Pacheco Pereira o escreveu ontem no Público. O Brasil corrigirá com a sua inventiva este erro colossal. Mas não estou. E nem o pronunciamento pela defesa do Estado de Direito que o mais alto magistrado brasileiro leu nas imediações de uma urna eleitoral, com uma defesa acirrada dos princípios da Constituição brasileira, me tranquiliza. Falaremos sobre isso à medida que as evidências se acumularem.

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