quarta-feira, 3 de outubro de 2018

NO LONGO PRAZO NÃO ESTAMOS TODOS MORTOS

(Paul Krugman)


(Se houve matéria relevante suscitada pelos efeitos da Grande Recessão de 2008 foi a destruição da distinção artificial entre efeitos de curto e longo prazo. A macroeconomia ainda não integrou devidamente essa aquisição.)

(Um pouco técnico)

A integração do tempo nas análises macroeconómicas é uma questão não plenamente resolvida. Os conceitos de curto e longo prazo em economia não têm uma dimensão temporal correspondente ao entendimento de um indivíduo comum. O curto e o longo prazo são mais maneiras de pensar a economia em função do tempo do que propriamente conceitos correspondentes a uma dada duração temporal. Regra geral, no curto prazo pensamos como se certos fatores de produção se apresentem rígidos ou constantes e no longo prazo admitimos que todos variam.

A distinção é relevante sobretudo no que respeita ao estudo dos fenómenos cíclicos, sucessão alternada de expansões e recessões. Regra geral, os ciclos económicos correspondem a uma dinâmica económica de curto prazo, embora possamos identificar ciclos de duração temporal muito diferenciada. Quando os economistas estudam o crescimento económico fazem-no numa perspetiva que poderíamos designar de longo prazo, admitindo que o produto (potencial) de uma dada economia pode crescer em função da quantidade de trabalho, de capital (residencial e não residencial), da produtividade (ou eficiência) do trabalho, do progresso tecnológico e mais rigorosamente do conhecimento. É conhecida a contraposição entre o ciclo (curto prazo) e a tendência (longo prazo).

Regra geral e tradicionalmente, estas duas realidades não se interpenetravam. Porém, com a Grande Recessão de 2008 e principalmente com a lenta e agónica recuperação que se lhe seguiu, alguns economistas, apoiando-se em contributos teóricos bem anteriores aos acontecimentos de 2008, começaram a admitir a hipótese de efeitos penalizadores da Grande Recessão sobre o produto potencial das economias ou seja sobre o crescimento económico a longo prazo. À luz de uma interpretação demasiado rígida do confronto entre ciclo e tendência, a admissão desses efeitos penalizadores equivale a uma heresia. A intensidade e natureza da recessão podem gerar repercussões a longo prazo, não se circunscrevendo ao estrito quadro de um ciclo económico (medido pelo período que medeia entre um pico de atividade económico e o próximo pico, ou alternativamente, entre o ponto mais baixo de atividade económico e o próximo ponto mais baixo).

O modelo de 1986 de autoria de Olivier Blanchard e Lawrence Summers, Hysteresis and the European Unemployment Problem” (link aqui) foi talvez o primeiro a desenvolver o conceito de histerésis, precisamente apontando os mecanismos através dos quais uma recessão, sobretudo se for demolidora, pode comprometer o produto potencial de uma dada economia, comprometendo o longo prazo. Posteriormente à Grande Recessão, outros economistas desenvolveram o tema, como Summers e Fatás (2016), “Permanent effects of fiscal consolidations” (link aqui), Lawrence Ball (2014) “Long-Term Damage from the Great Recession in OECD Countries” (link aqui) e o próprio conceito de estagnação secular vem na mesma linha.

Krugman discutiu recentemente essa matéria (link aqui) partindo da evidência empírica mais conhecida. Diferentes estimativas do produto potencial das economias mais avançadas realizadas em períodos posteriores a 2008 mostram que esse produto potencial tem sido sistematicamente revisto em baixa. Ou seja, os efeitos do curto prazo prolongam-se no tempo, misturando-se com o longo prazo. Ou seja, ao contrário do que pensam os economistas que se perfilaram por detrás dos programas de austeridade que intensificaram os já potentes efeitos recessivos, os efeitos dessa terapêutica não se medem apenas pela destruição de produto então originada. Medem-se também pelo efeito de diminuição do produto potencial.

Em bom rigor, não podemos ignorar os problemas de medida que a estimação do produto potencial das economias apresenta. E se os denunciámos para outros motivos também agora não os devemos ignorar. Mas convenhamos que se as autoridades comunitárias passam por cima desses problemas de medida quando calculam o défice estrutural para efeito de aplicação do Tratado Orçamental, não podem invocar as mesmas para desvalorizar a queda do produto potencial.

Ou seja, a nossa maneira de pensar a política fiscal e a política monetária anti-crise não pode continuar a ignorar que as condições de longo prazo das economias são afetadas pela intensidade e magnitude das recessões. Por isso, a visão liquidacionista das recessões tem de ser minorada. Quanto menor for a sua duração e menos intensos os seus efeitos menos provável será a contaminação do longo pelos efeitos arrastados no tempo do curto prazo.

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