segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A EFEMERIDADE NA POLÍTICA, MACRON STYLE


(Os tempos políticos de hoje alimentam-se de contrastes, por vezes violentos. Os exemplos do afundamento do PSOE na Andaluzia por desgaste essencialmente de um longo poder e o vendaval político no qual Macron está mergulhado ilustram os extremos. A longa permanência no poder e a efemeridade política de um projeto que parecia ter rumo são ambas fortemente castigadas pelos eleitorados. Por hoje, interessa-me discutir a questão da efemeridade política, pois a luta interna no PSOE está para durar e merecerá atenção futura.)

Todos aqueles como eu que estão interessados numa via reformista para a Europa cedo compreenderam que o modo como se resolvem as sequelas pós crise de 2008 em França marcará seguramente o rumo dos acontecimentos políticos de reforma. A França combina várias características que estão no coração do furacão que se pretende controlar:

  • Trata-se de uma economia de grande dimensão com inequívocos problemas de competitividade;

  • É também uma economia em que as conquistas sociais determinadas pela força dos sindicatos e pelo papel recorrente da rua (como o mostra a devastação dos provocada pelos “gilets jaunes”) mais avançaram, sem a pujança industrial de uma Alemanha a suportar o potencial reivindicativo;

  • Levanta-se, assim, o problema de saber como conseguir agilizar a economia francesa sem questionar as conquistas sociais mais sagradas;

  • A extrema-direita de Le Pen espera a desagregação das estruturas democráticas para assumir o poder como organização da extrema-direita interessada na recuperação do nacionalismo em épocas de globalização. 

Esta equação é de resolução complexa, senão impossível. Mas a acontecer poderia dizer-se que os tempos de ressurgimento das ideias vindas de França teriam voltado. Macron representou essa esperança, curiosamente não porque a abordagem à equação anterior tivesse sido a sua porta de entrada. Antes pelo contrário, Macron emergiu, vencendo o nacionalismo e a xenofobia da organização de Le Pen pela via da esperança de um projeto político para a Europa. Não foi difícil isso acontecer. Vive-se há longo tempo um deserto de ideias quanto ao futuro do modelo europeu, com a devida exceção de um Habermas. Macron, pela vitória que conseguiu sobre Le Pen esgrimindo ideias novas para uma Europa delas carenciada como náufrago já sem água potável nas suas parcas reservas conquistou esse lugar de esperança. E os franceses admitiram que tal possibilidade iria ter para eles consequências positivas. Se excetuarmos os desesperados que se agarram a Le Pen como jangada da última salvação, a esperança gerada por Macron foi meteórica e teve tradução eleitoral, inventando a partir do nada uma formação política para marcar presença na Assembleia e no Senado.

Mas, tal como crónica anunciada que se esquece momentaneamente, iludidos por distrações de mais curto prazo, a equação interna francesa estava lá para resolver até porque a coligação de forças para uma reorientação da globalização está por conseguir. Sobretudo agora que o elefante Trump deu cabo das porcelanas mais finas. Ora, se quisermos ser rigorosos, Macron abordou essa equação de forma leviana e arrogante. Primeiro, ignorou a profundidade da crise que a jornalista francesa Julia Cagé designava no Le Monde por “crise do poder de compra” (link aqui). Ou seja, ignorou com alguma arrogância à mistura a degradação de rendimento e de condições sociais que as classes médias e as mais desfavorecidas experimentaram no pós ajustamento, embora enfrentando condições bem menos penosas do que as que foram impostas às economias do sul da Europa, Portugal incluído. Segundo, revelou muita insensibilidade aos corpos intermédios institucionais e políticos da sociedade francesa, optando por um estilo demasiado hierárquico e vertical. Terceiro, aderiu às célebres teses que anunciam que se desonerarmos os mais ricos e com maior capacidade de investimento de impostos específicos sobre a riqueza os efeitos dinâmicos da libertação desses recursos irão mais do que compensar essa perda de receita. OU seja, com este terceiro ponto, Macron aproximou-se mais de Trump do que qualquer outra alternativa.

A efemeridade política desta esperança para a Europa esfumou-se num ápice nos escolhos da equação interna. E o pior é que corre o sério risco de perder pau e bola, como se costuma dizer. O seu recuo face às reivindicações dos “gilets jaunes” cheira a claudicação, até porque aquele movimento, mesmo expurgando as infiltrações de toda a espécie que o atravessam, cheirou essa “défaite”e será difícil domesticar o movimento sem o abandono do teatro das operações por Macron. Estou com séria curiosidade em ouvir o que Daniel Cohn- Bendit terá para dizer acerca do descalabro do líder que apoia e aconselha.

Ao contrário de uma certa esquerda que se tem regozijado com as derrotas de Macron, tenho dificuldade em alinhar por esse diapasão. Como é óbvio, toda a arrogância deve ser politicamente castigada. Que o seja pela rua ou por outras vias não me interessa muito distinguir e tanto se me dá. Mas não posso deixar de refletir que se estiver à espera de soluções à esquerda para resolver a referida equação interna francesa e articuladamente devolver uma palavra de esperança aos que se consideram europeus poderei tirar o cavalinho da chuva, a fazer fé nos possíveis candidatos a um tal exercício de funções. Esta é que é a triste realidade em que o meu espaço político está mergulhado. Um castigo pela arrogância de ignorar a crise de poder de compra justifica-se. Quanto às alternativas ao seu desaparecimento estamos conversados. A não ser que essa gente que se regozija com o descalabro de Macron esteja ansiosa por perceber o que é que a extrema-direita tem para dizer e fazer.

Cá por mim bastam-me as lições da história para o não desejar e apostar em frentes democráticas o mais alargadas possível para barrar o caminho a essa possibilidade. Admite-se que neste contexto e perante a efemeridade da esperança criada a nível europeu por Macron teremos, não sei por quanto tempo, aquele irritante o programa (projeto) segue dentro de momentos.

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