(Os tempos políticos de hoje alimentam-se de contrastes,
por vezes violentos. Os exemplos do afundamento do PSOE na Andaluzia por desgaste
essencialmente de um longo poder e o vendaval político no qual Macron está
mergulhado ilustram os extremos. A longa permanência no poder e a efemeridade política de
um projeto que parecia ter rumo são ambas fortemente castigadas pelos
eleitorados. Por hoje, interessa-me discutir a questão da efemeridade política,
pois a luta interna no PSOE está para durar e merecerá atenção futura.)
Todos aqueles como eu que estão interessados
numa via reformista para a Europa cedo compreenderam que o modo como se resolvem
as sequelas pós crise de 2008 em França marcará seguramente o rumo dos acontecimentos
políticos de reforma. A França combina várias características que estão no
coração do furacão que se pretende controlar:
- Trata-se de uma economia de grande dimensão com inequívocos problemas de competitividade;
- É também uma economia em que as conquistas sociais determinadas pela força dos sindicatos e pelo papel recorrente da rua (como o mostra a devastação dos provocada pelos “gilets jaunes”) mais avançaram, sem a pujança industrial de uma Alemanha a suportar o potencial reivindicativo;
- Levanta-se, assim, o problema de saber como conseguir agilizar a economia francesa sem questionar as conquistas sociais mais sagradas;
- A extrema-direita de Le Pen espera a desagregação das estruturas democráticas para assumir o poder como organização da extrema-direita interessada na recuperação do nacionalismo em épocas de globalização.
Esta equação é de resolução complexa, senão impossível. Mas a acontecer poderia
dizer-se que os tempos de ressurgimento das ideias vindas de França teriam
voltado. Macron representou essa esperança, curiosamente não porque a abordagem
à equação anterior tivesse sido a sua porta de entrada. Antes pelo contrário,
Macron emergiu, vencendo o nacionalismo e a xenofobia da organização de Le Pen
pela via da esperança de um projeto político para a Europa. Não foi difícil isso
acontecer. Vive-se há longo tempo um deserto de ideias quanto ao futuro do
modelo europeu, com a devida exceção de um Habermas. Macron, pela vitória que
conseguiu sobre Le Pen esgrimindo ideias novas para uma Europa delas carenciada
como náufrago já sem água potável nas suas parcas reservas conquistou esse lugar
de esperança. E os franceses admitiram que tal possibilidade iria ter para eles
consequências positivas. Se excetuarmos os desesperados que se agarram a Le Pen
como jangada da última salvação, a esperança gerada por Macron foi meteórica e
teve tradução eleitoral, inventando a partir do nada uma formação política para
marcar presença na Assembleia e no Senado.
Mas, tal como crónica anunciada que se esquece momentaneamente, iludidos
por distrações de mais curto prazo, a equação interna francesa estava lá para
resolver até porque a coligação de forças para uma reorientação da globalização
está por conseguir. Sobretudo agora que o elefante Trump deu cabo das porcelanas
mais finas. Ora, se quisermos ser rigorosos, Macron abordou essa equação de
forma leviana e arrogante. Primeiro, ignorou a profundidade da crise que a
jornalista francesa Julia Cagé designava no Le Monde por “crise do poder de
compra” (link aqui). Ou seja, ignorou com alguma arrogância à mistura a degradação
de rendimento e de condições sociais que as classes médias e as mais
desfavorecidas experimentaram no pós ajustamento, embora enfrentando condições bem
menos penosas do que as que foram impostas às economias do sul da Europa,
Portugal incluído. Segundo, revelou muita insensibilidade aos corpos intermédios
institucionais e políticos da sociedade francesa, optando por um estilo
demasiado hierárquico e vertical. Terceiro, aderiu às célebres teses que
anunciam que se desonerarmos os mais ricos e com maior capacidade de investimento
de impostos específicos sobre a riqueza os efeitos dinâmicos da libertação
desses recursos irão mais do que compensar essa perda de receita. OU seja, com
este terceiro ponto, Macron aproximou-se mais de Trump do que qualquer outra
alternativa.
A efemeridade política desta esperança para a Europa esfumou-se num ápice
nos escolhos da equação interna. E o pior é que corre o sério risco de perder
pau e bola, como se costuma dizer. O seu recuo face às reivindicações dos “gilets jaunes” cheira a claudicação, até
porque aquele movimento, mesmo expurgando as infiltrações de toda a espécie que
o atravessam, cheirou essa “défaite”e
será difícil domesticar o movimento sem o abandono do teatro das operações por
Macron. Estou com séria curiosidade em ouvir o que Daniel Cohn- Bendit terá
para dizer acerca do descalabro do líder que apoia e aconselha.
Ao contrário de uma certa esquerda que se tem regozijado com as derrotas de
Macron, tenho dificuldade em alinhar por esse diapasão. Como é óbvio, toda a
arrogância deve ser politicamente castigada. Que o seja pela rua ou por outras vias
não me interessa muito distinguir e tanto se me dá. Mas não posso deixar de
refletir que se estiver à espera de soluções à esquerda para resolver a
referida equação interna francesa e articuladamente devolver uma palavra de
esperança aos que se consideram europeus poderei tirar o cavalinho da chuva, a
fazer fé nos possíveis candidatos a um tal exercício de funções. Esta é que é a
triste realidade em que o meu espaço político está mergulhado. Um castigo pela
arrogância de ignorar a crise de poder de compra justifica-se. Quanto às
alternativas ao seu desaparecimento estamos conversados. A não ser que essa gente
que se regozija com o descalabro de Macron esteja ansiosa por perceber o que é que
a extrema-direita tem para dizer e fazer.
Cá por mim bastam-me as lições da história para o não desejar e apostar em
frentes democráticas o mais alargadas possível para barrar o caminho a essa
possibilidade. Admite-se que neste contexto e perante a efemeridade da
esperança criada a nível europeu por Macron teremos, não sei por quanto tempo,
aquele irritante o programa (projeto) segue dentro de momentos.
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