(0 jogo acabou no Bernabéu. Ainda estou sem fôlego.
Aquilo que poderia ter sido uma imitação desprovida de identidade, foi afinal
um jogo empolgante, de um lado, o Boca, mais fogo do que arte, do outro, o River,
talento puro feito velocidade. Um bom jogo para refletir o futebol para além dos seus limites.)
Estava cético quanto à imitação de trocar o Monumental do River Plate pelo
Santiago Bernabéu em Madrid e de trazer para Madrid uma rivalidade que só se
compreende, situando-a nos lugares mais recônditos de Buenos Aires e nas
imediações do La Bombonera e do Monumental. Se o futebol fosse rigor, a segunda
mão nem sequer talvez devesse ter sido jogada. O River deveria ter sido
castigado para punir a impetuosidade dos seus apoiantes que não encontraram
outra diversão que não atacar o autocarro do seu arqui-rival. Mas o futebol já
há muito que deixou de ser rigor. O espetáculo tem de continuar e estava muita pasta
em jogo.
Ainda assim, o Bernabéu era preferível a tontices deslavadas como Miami ou outras
candidaturas de palcos possíveis. Mas mesmo assim estava cético. O futebol
vive-se nos seus contextos e o argentino não é transferível, é irredutívelmente
dependente da ambiência de Buenos Aires e de toda a história acumulada que deu
origem aquela rivalidade doentia entre os dois clubes.
Mas os jogadores das duas equipas compreenderam o peso histórico que se
abatia sobre os seus ombros e que lhe condicionavam as pernas. Foi um jogo de
entrega total, mais elaborado taticamente o do River, sobretudo com a decisão
da entrada do esquerdino Quintero (que saudades deve proporcionar aquele pé
esquerdo pelas bandas das Antas) que revolucionou completamente o jogo e que
desmanchou o empenho febril do Boca. A expulsão de Barrios e a lesão do velho
mas sempre elegante Fernando Gago completaram o encostar às cordas do Boca,
projetando este, após o golo soberbo de Quintero, numa reação descomandada, errática,
de raiva na cabeça e inibição nos músculos, numa espécie de antes morrer do que
perder. Com nove homens e o seu guarda-redes para além dos imites aceitáveis de
risco, o Boca ainda assim esteve perto do empate, com uma bola no poste.
Paixão em estado puro, numa espécie de encenação para Madrid (e todo o mundo)
ver do fanatismo desbordante da Argentina futebolística, que talvez até o Papa
Francisco tivesse visto no Vaticano, saudoso do seu San Lorenzo de Almagro.
A febre do dinheiro talvez tenha atraiçoado o rigor dos regulamentos. Exportar
o clima do Monumental ou de La Bombonera é impossível. Mas Madrid assistiu a um
espetáculo talvez irrepetível nos tempos mais próximos. E no futebol do River já
se respira algo mais do que a simples paixão. Valerá a pena seguir a sua trajetória
e a evolução do seu futebol.
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