domingo, 9 de dezembro de 2018

PAIXÃO E FUTEBOL



(0 jogo acabou no Bernabéu. Ainda estou sem fôlego. Aquilo que poderia ter sido uma imitação desprovida de identidade, foi afinal um jogo empolgante, de um lado, o Boca, mais fogo do que arte, do outro, o River, talento puro feito velocidade. Um bom jogo para refletir o futebol para além dos seus limites.)

Estava cético quanto à imitação de trocar o Monumental do River Plate pelo Santiago Bernabéu em Madrid e de trazer para Madrid uma rivalidade que só se compreende, situando-a nos lugares mais recônditos de Buenos Aires e nas imediações do La Bombonera e do Monumental. Se o futebol fosse rigor, a segunda mão nem sequer talvez devesse ter sido jogada. O River deveria ter sido castigado para punir a impetuosidade dos seus apoiantes que não encontraram outra diversão que não atacar o autocarro do seu arqui-rival. Mas o futebol já há muito que deixou de ser rigor. O espetáculo tem de continuar e estava muita pasta em jogo.

Ainda assim, o Bernabéu era preferível a tontices deslavadas como Miami ou outras candidaturas de palcos possíveis. Mas mesmo assim estava cético. O futebol vive-se nos seus contextos e o argentino não é transferível, é irredutívelmente dependente da ambiência de Buenos Aires e de toda a história acumulada que deu origem aquela rivalidade doentia entre os dois clubes.

Mas os jogadores das duas equipas compreenderam o peso histórico que se abatia sobre os seus ombros e que lhe condicionavam as pernas. Foi um jogo de entrega total, mais elaborado taticamente o do River, sobretudo com a decisão da entrada do esquerdino Quintero (que saudades deve proporcionar aquele pé esquerdo pelas bandas das Antas) que revolucionou completamente o jogo e que desmanchou o empenho febril do Boca. A expulsão de Barrios e a lesão do velho mas sempre elegante Fernando Gago completaram o encostar às cordas do Boca, projetando este, após o golo soberbo de Quintero, numa reação descomandada, errática, de raiva na cabeça e inibição nos músculos, numa espécie de antes morrer do que perder. Com nove homens e o seu guarda-redes para além dos imites aceitáveis de risco, o Boca ainda assim esteve perto do empate, com uma bola no poste.

Paixão em estado puro, numa espécie de encenação para Madrid (e todo o mundo) ver do fanatismo desbordante da Argentina futebolística, que talvez até o Papa Francisco tivesse visto no Vaticano, saudoso do seu San Lorenzo de Almagro.

A febre do dinheiro talvez tenha atraiçoado o rigor dos regulamentos. Exportar o clima do Monumental ou de La Bombonera é impossível. Mas Madrid assistiu a um espetáculo talvez irrepetível nos tempos mais próximos. E no futebol do River já se respira algo mais do que a simples paixão. Valerá a pena seguir a sua trajetória e a evolução do seu futebol.

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