(Alternando traços marcantes de natureza externa e interna,
é hoje a vez de me referir ao 2018 interno, subordinado ao tema “ E afinal o quarto
orçamento foi possível” para descrever a confirmação do que tudo indica ser a
conclusão de uma legislatura de geringonça. O tema em si oculta outras questões, essas sim
bem mais importantes e que, em 2018, se tornaram irremediavelmente mais claras
e isso é sempre bom para a democracia.)
O país anda agitado, com uma multiplicidade de reivindicações grevistas a
brotar quase todos os dias, procurando à sua maneira disputar o quinhão ambicionado
primeiro nas atenções da comunicação social e depois no bolo dos recursos públicos.
Curiosamente, os nossos comentadores/palradores de serviço saltaram de um período
em que repetidamente que se referiam à calma domesticada que a geringonça
estava a comprar na esfera social e política para um outro em que apontam o dedo
ao PS pelas cedências que proporcionou nesse mesmo campo do apoio parlamentar à
esquerda.
Já aqui expressei preto no branco que o governo de António Costa foi
precipitado na invocação do slogan “vamos
virar a página da austeridade”. O que o governo deveria ter denunciado com clareza
é o erro desastroso de, em contexto de recessão internacional, se ter imposto a
austeridade como política de gestão macroeconómica da crise. A expressão acabou
por ficar mas rapidamente o governo percebeu que a mensagem fundamental a
transmitir era outra, ou seja, que era possível com a melhoria das condições
internacionais (apesar da incerteza global que as domina) repor condições de rendimentos
e de direitos e manter as contas públicas em progressivo equilíbrio. Podemos
discutir se a combinação entre a reposição de rendimentos e de direitos e a melhoria
do investimento público poderia ou não ter assumindo outros cambiantes. Não me
custa admitir que isso teria sido possível, embora tivesse de tirar o chapéu a
quem o conseguisse atingir na negociação social.
O que toda a agitação reivindicativa no plano público está a mostrar, numa
espécie de Caixa de Pandora que está longe de ter sido plenamente levantada, é
que a Administração Pública, num quadro de reforma do Estado permanentemente
adiada e simplesmente maquilhada ao sabor das diferentes maiorias parlamentares,
se transformou em material explosivo. A questão da contagem do tempo de serviço
dos professores, que o veto do Presidente Marcelo veio reavivar em toda a linha,
é toda ela um universo de pormenores e condições que o vulgar dos mortais desconhece
e que está muito para além de contar ou não integralmente o tempo de serviço interrompido
e de pagar as remunerações correspondentes. As condições estabelecidas de remuneração
e progressão das carreiras de muitas das profissões da Administração Pública
(quais? É uma boa questão!) transformaram-se num emaranhado de regalias ocultas
cujo não conhecimento público lesa a democracia, sobretudo porque induz
desconfiança, permanentemente. Para além disso, trata-se de uma máquina pública,
contraditória, plena de poderzinhos acantonados em algumas administrações
setoriais, cujos órgãos de racionalidade técnica foram morrendo à medida que as
máquinas políticas se instalaram. Os incêndios e as pedreiras de Borba mostraram-no
à evidência, mas em outros domínios a situação é similar. José Pacheco Pereira
costuma dizer frequentemente no Quadratura do Círculo que Portugal não é a Suiça.
Pois é óbvio que não é. Por mais importante e democraticamente genuína que seja
a barganha social, ela não pode alhear-se do nível de desenvolvimento económico
do país e das escolhas públicas que esse nível suscita em termos da dimensão e
natureza do Estado, designadamente do Estado Social.
A ideia que está muito generalizada de que “tudo está a rebentar pelas
costuras” marcou indiscutivelmente o ano de 2018, ainda que tenhamos de distinguir
entre o “rebentar pelas costuras” impressivo e descrito pelas incidências da
comunicação social e o “rebentar pelas costuras” real e resultante de escolhas que
se foram adiando e de maquilhagens introduzidas a dedo e em função dos que
falam mais alto.
A transformação que a economia empresarial privada está a experimentar,
essencialmente através do binómio internacionalização-inovação, que se
potenciam mútua e virtuosamente não ignoremos isso, é lenta, com uma longa
maturação de efeitos, largamente tornada possível por uma linha persistente de
política com cofinanciamento dos Fundos Estruturais. É essa transformação que
vencerá a prazo a debilidade de capacidade empresarial que historicamente a
democracia herdou em Portugal e permitirá ir clarificando o papel do Estado,
limitando-o a funções em que ele é mais necessário, como o são a educação, a saúde
e as políticas sociais. O ano de 2018 tornou isto mais claro, mas a sua tradução
em posicionamentos políticos mais objetivos tarda a manifestar-se.
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