quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

AINDA A QUESTÃO DA ADSE



(Breves notas sobre um ensaio jornalístico do Observador de Mário Amorim Lopes, Porto Business School, que mergulha na questão ADSE anteriormente por mim analisada no quadro das escolhas que o SNS suscita. Este tipo de ensaios jornalísticos que o Observador tem publicado sobre algumas matérias, embora genericamente informados pela orientação liberal do jornal, são bem mais interessantes do que a generalidade das crónicas residentes.)

No meu post anterior, procurei demonstrar que as escolhas suscitadas em torno do futuro do sistema nacional de saúde (SNS) em Portugal não devem ser exclusivamente informadas por princípios fundamentais de escolha entre saúde pública e privada, devendo pelo contrário ter em devida conta o estado da arte do sistema que se pretende transformar em termos de sustentabilidade e garantia de qualidade de cuidados de saúde para os mais desfavorecidos.

Embora não comungue da posição defendida por Mário Amorim Lopes, o qual considera o SNS uma parte de um universo mais lato que ele designa de sistema nacional de saúde alargado, o ensaio traz ao conhecimento público alguns elementos de informação que importa generalizar para uma correta avaliação do papel que o subsistema ADSE pode desempenhar.

Há dois aspetos referidos pelo ensaísta que vale a pena reter para uma plena compreensão das opções que se abrem nesta matéria.

O primeiro aspeto prende-se com a alteração legal introduzida nos últimos tempos que permitiram a saída do sistema de quem o pretendesse, mais ou menos concomitante com o aumento observado nas comparticipações de ativos empregados e de aposentados para 3,5%. Existe evidência que mostra que os abandonos observados respeitam aos titulares de rendimentos mais elevados que encontraram nos seguros de saúde privados uma alternativa mais competitiva. Mas, nestas condições, a permanência de cerca de 1.275.000 beneficiários, nem todos quotizados pois que para além de ativos e aposentados há os familiares que beneficiam do subsistema, representa um exemplo de decisão voluntária de pagar uma comparticipação relativamente elevada como é a de 3,5% do rendimento bruto auferido. Parece-me que MAL tem razão ao afirmar que este facto sugere atribuição de valor real ao subsistema por a por parte dos que mantiveram as suas quotizações.

O segundo aspeto diz respeito à evidência dos últimos anos, após o aumento da quotização para 3,5%, de que o subsistema é hoje financeiramente autónomo, com receitas de quotização superiores aos pagamentos a beneficiários, destruindo por isso a ideia tão propagada de que o subsistema ADSE é tributário do financiamento público. Um problema de diferente natureza é a da sua eventual não sustentabilidade financeira mais a longo prazo. Nessa matéria, o artigo não é muito convincente, pois limita-se a invocar literatura produzida sobre outros países e a trabalhar os argumentos do envelhecimento demográfico e da chamada seleção adversa, com a tendência para o subsistema ser procurado pelos casos com maior propensão ao gasto médico.

Cito estes dois aspetos pois eles ilustram o meu argumento do estado da arte a que deve ser ponderado para além do confronto de princípios fundamentais, público versus privado.

Como qualquer outro subsistema de saúde, é inevitável que a gestão dos cuidados de saúde comparticipáveis pela ADSE tenda para um maior controlo, já que ele, como outro qualquer subsistema, tem de se preocupar com a propensão para o consumo indiscriminado de medicamentos e de meios auxiliares de diagnóstico e pedagogicamente regulá-lo a bem de cultura de saúde mais moderna. Tratando-se de um subsistema que, pelo menos nos anos mais próximos, tenderá para preservar a autonomia financeira, será imperioso e fundamental melhorar a transparência da gestão do subsistema, proporcionando aos quotizadores um maior escrutínio das opções de gestão e das condições em que a rede de entidades médicas aderentes é selecionada.

Recordando um aspeto mencionado no meu post anterior, o subsistema ADSE não pode ignorar que da sua atividade resulta em boa medida a sobrevivência de muitas unidades de saúde privadas. Continuo a pensar que isso não equivale necessariamente a aderir à tese de que a ADSE pode ser o cavalo de Troia da subversão do SNS, precipitando a sua queda. Mas seria bom que o subsistema tivesse uma palavra a dizer na promoção da qualidade do subsistema privado de saúde.

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