sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

OS INDEPENDENTES



(O abandono de Paulo Trigo Pereira do Grupo Parlamentar do PS na Assembleia da República e a sua passagem a deputado não inscrito suscitam de novo a reflexão que tantas vezes coloquei a mim próprio sobre as dificuldades objetivas de manter o estatuto de independente no relacionamento com um partido, mais particularmente com o PS. Como pano de fundo de todas essas reflexões surge sempre renovado o vozeirão de Jorge Coelho: Ai estes independentes.)

Paulo Trigo Pereira não é um deputado qualquer. Pelo que se conhece, trata-se de alguém com a sua vida académica plenamente concretizada e, além disso, associado a um dos raros think-tanks a operar em Portugal, o Instituto Thomas Jefferson- Correia da Serra, com grande notoriedade na imprensa portuguesa e que se dedica ao tema das políticas públicas, com trabalho meritório na transmissão para a opinião pública de uma cultura de rigor orçamental e de accountability das contas públicas com a qual me identifico. Integrando este contexto, não parece que PTP seja um académico em busca desesperada de poder político e interessado na política pelos motivos que muitos dos deputados presentes na Assembleia da República prosseguem, a do interesse pessoal ou a da defesa de interesses com os quais se identificam. PTP participou ativamente na elaboração do programa económico com que o PS se apresentou a eleições, sob a coordenação de Mário Centeno, este na altura ainda longe do jogo de alteregos de ministro das Finanças e de presidente do Euro-Grupo. Reconheço que a política, sobretudo aquela que nos abre o caminho de meter a mão na massa (não é o que estão a pensar, mas simplesmente a possibilidade de fazer coisas), pode dar muita pica (mais do que a pica do 7 do Zambujo). Admito por isso que universitários, possivelmente fartos da mediania dos jogos de poder não escrutinados de uma Universidade, busquem na adrenalina do jogo político-parlamentar algum rejuvenescimento e superação do aborrecimento universitário. É admissível e até recomendável que uma voz de rigor e de conhecimento rejuvenesça as hostes parlamentares, trazendo novas perspetivas e novos critérios.

Não sei se PTP, ao aceitar a sua candidatura a deputado por Setúbal, estivesse preparado para duas coisas: primeiro, para um programa económico que é um plano recuado do programa económico do PS que ajudou a conceber; segundo, para o jogo de cintura que uma governação com apoio parlamentar à esquerda, negociada não global, mas bilateralmente. Em algumas intervenções de PTP, é visível a irritação e a falta de paciência do deputado agora não inscrito para aturar alguns desatinos à esquerda. Na última grande entrevista que li do independente, já se notava algum distanciamento em relação à estratégia orçamental de Centeno, quebrado que fora aquele compromisso do programa económico eleitoral.

Mas o que me parece repetir-se com mais este divórcio entre um independente e os socialistas (mais do que o governo o grupo parlamentar cristaliza melhor o que é verdadeiramente o PS, é que a máquina do partido tem dificuldade em entender motivações na política como a de PTP e muitas outras. A inexistência de círculos uninominais retira a este tipo de deputados uma grande margem de manobra de intervenção. PTP esforça-se por afirmar que não está em rota de colisão com o governo e muito menos tenciona atraiçoar a disciplina de voto quando ela exista. Simplesmente, terá chegado à conclusão que já não contariam com ele e dá como exemplo a sua marginalização na comunicação da Comissão de Orçamento de que era Vice-Presidente. Pois meu caro PTP, esse é filme que tinha obrigação de conhecer há muito, embora não passe regularmente nem na Cinemateca. A cada ciclo eleitoral os seus independentes, e a máquina profunda do PS entende melhor (não é por mal, mas apenas por conhecimento de códigos mais explícitos) os tais independentes com olfato apurado para o aproveitamento de situações, movimentando-se para alguma coisa. Isso de procurar a política pela pica que possa dar ou pela possibilidade de dar uma canelada no marasmo da Universidade é coisa que não está no código genético do PS, do local ao nacional. Não posso esquecer a sincera preocupação sentida pelo Dr. Fernando Gomes, depois de perder a Câmara do Porto para Rui Rio, que me confessava ao telefone que lhe custava imenso, que eu, seu assessor na altura, não lhe tivesse solicitado rigorosamente nada. Quando lhe retorqui que me sentia demasiado derrotado, apesar das minhas funções de assessor não de frentes eleitorais, e que para mim me bastava a reflexão posterior, o espanto ainda foi maior.

Imagino que por esta altura já haverá independentes nervosos com o que aí vem, agora que Marcelo já fixou data para eleições. É um ciclo que se renova, espera-se que também corresponda a um rejuvenescimento.

Nota final sobre as misérias de uma oposição

Naquele estilo irritante de quem fala aos solavancos e para o qual já não há pachorra, Mota Soares do CDS-PP veio a terreiro insurgir-se contra a pretensa falta de execução dos Fundos Estruturais em Portugal, invocando o governo anterior e o seu também pretenso êxito de execução. Poderia estar caladinho pois já vou em vários períodos de programação e não conheço outro período tão albardado na sua fase inicial co que o concretizado pelo governo de Passos Coelho. António Costa, numa das sessões públicas para registar a aprovação pela Comissão Europeia da reprogramação do PT2020, veio a terreiro e ancorado na presença da Comissária Europeia, contrapôs que Portugal é o país com melhor execução até agora de Fundos Estruturais. Estou neste caso convicto que António Costa tem razão. Mas meus amigos, o grande problema dos Fundos Estruturais nunca foi em Portugal o de baixa execução. O problema é antes o dos resultados desses Fundos. A qualidade da democracia não se conquista com controvérsias desta natureza. Para colocar Mota Soares a andar de novo de motoreta basta apresentar números oficiais da Comissão. Mas convinha transmitir aos cidadãos que o problema não está na execução. O problema está em que a dependência dos Fundos Estruturais em matéria de investimento é atroz e é de resultados que devemos falar, a bem da convocação das empresas e da sociedade civil para um novo olhar sobre os Fundos. E começar a pensar em desmame seria útil.

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