(O abandono de Paulo Trigo Pereira do Grupo Parlamentar
do PS na Assembleia da República e a sua passagem a deputado não inscrito suscitam
de novo a reflexão que tantas vezes coloquei a mim próprio sobre as
dificuldades objetivas de manter o estatuto de independente no relacionamento
com um partido, mais particularmente com o PS. Como pano de fundo de todas essas reflexões surge
sempre renovado o vozeirão de Jorge Coelho: Ai estes independentes.)
Paulo Trigo Pereira não é um deputado qualquer. Pelo que se conhece, trata-se
de alguém com a sua vida académica plenamente concretizada e, além disso,
associado a um dos raros think-tanks a
operar em Portugal, o Instituto Thomas Jefferson- Correia da Serra, com grande notoriedade
na imprensa portuguesa e que se dedica ao tema das políticas públicas, com
trabalho meritório na transmissão para a opinião pública de uma cultura de rigor
orçamental e de accountability das
contas públicas com a qual me identifico. Integrando este contexto, não parece
que PTP seja um académico em busca desesperada de poder político e interessado
na política pelos motivos que muitos dos deputados presentes na Assembleia da
República prosseguem, a do interesse pessoal ou a da defesa de interesses com
os quais se identificam. PTP participou ativamente na elaboração do programa
económico com que o PS se apresentou a eleições, sob a coordenação de Mário Centeno,
este na altura ainda longe do jogo de alteregos de ministro das Finanças e de presidente
do Euro-Grupo. Reconheço que a política, sobretudo aquela que nos abre o
caminho de meter a mão na massa (não é o que estão a pensar, mas simplesmente a
possibilidade de fazer coisas), pode dar muita pica (mais do que a pica do 7 do
Zambujo). Admito por isso que universitários, possivelmente fartos da mediania
dos jogos de poder não escrutinados de uma Universidade, busquem na adrenalina
do jogo político-parlamentar algum rejuvenescimento e superação do aborrecimento
universitário. É admissível e até recomendável que uma voz de rigor e de
conhecimento rejuvenesça as hostes parlamentares, trazendo novas perspetivas e novos
critérios.
Não sei se PTP, ao aceitar a sua candidatura a deputado por Setúbal,
estivesse preparado para duas coisas: primeiro, para um programa económico que é
um plano recuado do programa económico do PS que ajudou a conceber; segundo, para
o jogo de cintura que uma governação com apoio parlamentar à esquerda, negociada
não global, mas bilateralmente. Em algumas intervenções de PTP, é visível a
irritação e a falta de paciência do deputado agora não inscrito para aturar
alguns desatinos à esquerda. Na última grande entrevista que li do independente,
já se notava algum distanciamento em relação à estratégia orçamental de Centeno,
quebrado que fora aquele compromisso do programa económico eleitoral.
Mas o que me parece repetir-se com mais este divórcio entre um independente
e os socialistas (mais do que o governo o grupo parlamentar cristaliza melhor o
que é verdadeiramente o PS, é que a máquina do partido tem dificuldade em
entender motivações na política como a de PTP e muitas outras. A inexistência
de círculos uninominais retira a este tipo de deputados uma grande margem de
manobra de intervenção. PTP esforça-se por afirmar que não está em rota de
colisão com o governo e muito menos tenciona atraiçoar a disciplina de voto
quando ela exista. Simplesmente, terá chegado à conclusão que já não contariam
com ele e dá como exemplo a sua marginalização na comunicação da Comissão de
Orçamento de que era Vice-Presidente. Pois meu caro PTP, esse é filme que tinha
obrigação de conhecer há muito, embora não passe regularmente nem na Cinemateca.
A cada ciclo eleitoral os seus independentes, e a máquina profunda do PS entende
melhor (não é por mal, mas apenas por conhecimento de códigos mais explícitos)
os tais independentes com olfato apurado para o aproveitamento de situações, movimentando-se
para alguma coisa. Isso de procurar a política pela pica que possa dar ou pela
possibilidade de dar uma canelada no marasmo da Universidade é coisa que não
está no código genético do PS, do local ao nacional. Não posso esquecer a sincera
preocupação sentida pelo Dr. Fernando Gomes, depois de perder a Câmara do Porto
para Rui Rio, que me confessava ao telefone que lhe custava imenso, que eu, seu
assessor na altura, não lhe tivesse solicitado rigorosamente nada. Quando lhe
retorqui que me sentia demasiado derrotado, apesar das minhas funções de
assessor não de frentes eleitorais, e que para mim me bastava a reflexão posterior,
o espanto ainda foi maior.
Imagino que por esta altura já haverá independentes nervosos com o que aí
vem, agora que Marcelo já fixou data para eleições. É um ciclo que se renova,
espera-se que também corresponda a um rejuvenescimento.
Nota final
sobre as misérias de uma oposição
Naquele estilo irritante de quem fala aos solavancos e para o qual já não há
pachorra, Mota Soares do CDS-PP veio a terreiro insurgir-se contra a pretensa falta
de execução dos Fundos Estruturais em Portugal, invocando o governo anterior e
o seu também pretenso êxito de execução. Poderia estar caladinho pois já vou em
vários períodos de programação e não conheço outro período tão albardado na sua
fase inicial co que o concretizado pelo governo de Passos Coelho. António
Costa, numa das sessões públicas para registar a aprovação pela Comissão Europeia
da reprogramação do PT2020, veio a terreiro e ancorado na presença da Comissária
Europeia, contrapôs que Portugal é o país com melhor execução até agora de
Fundos Estruturais. Estou neste caso convicto que António Costa tem razão. Mas
meus amigos, o grande problema dos Fundos Estruturais nunca foi em Portugal o de
baixa execução. O problema é antes o dos resultados desses Fundos. A qualidade
da democracia não se conquista com controvérsias desta natureza. Para colocar
Mota Soares a andar de novo de motoreta basta apresentar números oficiais da Comissão.
Mas convinha transmitir aos cidadãos que o problema não está na execução. O
problema está em que a dependência dos Fundos Estruturais em matéria de
investimento é atroz e é de resultados que devemos falar, a bem da convocação
das empresas e da sociedade civil para um novo olhar sobre os Fundos. E começar
a pensar em desmame seria útil.
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