(Em fim de semana assoberbado por encontros familiares pré-natalícios
e exigências de trabalho profissional, pois as datas-limite não se compadecem
com estas engenharias de trazer por casa, o último disco de António Zambujo foi
um companheiro fiel para tanta necessidade de concentração. O apuro de sensibilidade madura a que o autor-cantor
está a chegar é das coisas boas que a música popular portuguesa nos tem trazido
nos últimos tempos.)
DO AVESSO é um trabalho simultaneamente de grande maturidade e sensibilidade.
Zambujo é um trovador para momentos em que a minha concentração na reflexão
escrita precisa de alguma companhia para suportar a privação de não poder usufruir
de uma tarde calma e soalheira de dezembro, entusiasmante para turistas que vi
embevecidos sexta-feira passada na 24 de julho em Lisboa a deliciar-se com a
amenidade climática.
Para além da canção que dá o título ao disco e de uma revisita à Amapola
que me faz lembrar da música de Morricone para Era uma Vez na América do grande
Sérgio Leone, destaco a modinha “Moda Antiga” com versos de João Monge e música
de Zambujo. Esta modinha considero-a um monumento de recriação da saudade dos
tempos rurais para quem hoje batalha nos limites de uma Cidade qualquer. Não
pertenço a essa classe migrante, limito-me a ter algumas memórias rurais de
quintas na periferia metropolitana, mas compreendo bem que muitos corações ainda
tocam por essas lembranças.
As palavras de João Monge:
“Sei virar o caldeirão
E tirar água do poço
Matar a sede aos que estão
Secos do pino do verão
O primeiro é o mais moço
Sei albardar a Branquinha
Sei as voltas do cabresto
As curvas da ribeirinha
Onde os peixes são à pinha
Alguns caem nomeu cesto
Sei migar a segurelha
Casar o peixe e o pão
Com um cigarro na orelha
Enrolado meio de esguelha
P´ra depois da refeição
Sei usar o teu chapéu
Se vem a calma de Agosto
As taramelas do céu
Fazem ondas, fazem véu
E deixar o mar no rosto
Agora sou da cidade
P’ra que serve isto onde estou?
São coisas da mocidade
Que eu recordo com vaidade
Para poder ser quem sou.”
Comovente.
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