domingo, 9 de dezembro de 2018

DO AVESSO



(Em fim de semana assoberbado por encontros familiares pré-natalícios e exigências de trabalho profissional, pois as datas-limite não se compadecem com estas engenharias de trazer por casa, o último disco de António Zambujo foi um companheiro fiel para tanta necessidade de concentração. O apuro de sensibilidade madura a que o autor-cantor está a chegar é das coisas boas que a música popular portuguesa nos tem trazido nos últimos tempos.)

DO AVESSO é um trabalho simultaneamente de grande maturidade e sensibilidade. Zambujo é um trovador para momentos em que a minha concentração na reflexão escrita precisa de alguma companhia para suportar a privação de não poder usufruir de uma tarde calma e soalheira de dezembro, entusiasmante para turistas que vi embevecidos sexta-feira passada na 24 de julho em Lisboa a deliciar-se com a amenidade climática.

Para além da canção que dá o título ao disco e de uma revisita à Amapola que me faz lembrar da música de Morricone para Era uma Vez na América do grande Sérgio Leone, destaco a modinha “Moda Antiga” com versos de João Monge e música de Zambujo. Esta modinha considero-a um monumento de recriação da saudade dos tempos rurais para quem hoje batalha nos limites de uma Cidade qualquer. Não pertenço a essa classe migrante, limito-me a ter algumas memórias rurais de quintas na periferia metropolitana, mas compreendo bem que muitos corações ainda tocam por essas lembranças.

As palavras de João Monge:

“Sei virar o caldeirão
E tirar água do poço
Matar a sede aos que estão
Secos do pino do verão
O primeiro é o mais moço

Sei albardar a Branquinha
Sei as voltas do cabresto
As curvas da ribeirinha
Onde os peixes são à pinha
Alguns caem nomeu cesto

Sei migar a segurelha
Casar o peixe e o pão
Com um cigarro na orelha
Enrolado meio de esguelha
P´ra depois da refeição

Sei usar o teu chapéu
Se vem a calma de Agosto
As taramelas do céu
Fazem ondas, fazem véu
E deixar o mar no rosto

Agora sou da cidade
P’ra que serve isto onde estou?
São coisas da mocidade
Que eu recordo com vaidade
Para poder ser quem sou.”

Comovente.

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